sexta-feira, fevereiro 24, 2006

À minha professora

Neste dia, especialmente dedicado ao professor, não poderia deixar invadir-me o âmago uma saudável nostalgia e, pedindo licença à Reformadora do Carmelo, Teresa d'Ávila, cuja solenidade a Santa Igreja lhe dedica o 15 de outubro, reverenciar aquela que tanto marcou minha formação. Não me permito esquecer outras que, também, assinalaram meus primeiros anos de estudo; mas a uma dedico especial afeto e gratidão. Se não a vejo, se não a procuro, decorre das imposições da azáfama hodierna; contudo, sempre me lembro daquela caríssima professora do curso primário.
Por isso, permita-me o prezado leitor tributar minha homenagem àquela que, como "os velhos troncos, plácidos ermitas, / riem no riso em flor das parasitas", sustentava seus alunos no albor de seus anos pueris, alimentando-nos com sua seiva, o saber. E me vem à mente a sentença do glorioso advogado da casta Suzana dos Escritos Sagrados: Qui ad justitiam erudiunt multos, quasi stellæ in perpetuos æternitates (Dan 12,3) - "Os que ensinam a muitos o caminho da justiça, brilharão como estrelas por toda a eternidade". A feliz e bela comparação contida nesse hemistíquio do profeta Daniel é a mais sincera expressão da vastidão de minhas lembranças. Por mais límpido e luminoso que esteja o cerúleo pálio, destaca-se, nele, vivamente, a cintilação dos astros. E o vate hebreu, estabelecendo um confronto entre a ciência e o magistério, entre o saber e o ensinar, assegura que os doutos, que os sábios, brilham como o firmamento, mas os mestres, os que ensinam, brilham "como as estrelas". Tal a gloriosa idéia que a humanidade sempre formou do magistério, que encontramos Alexandre Magno dizer-se mais devedor a seu mestre Aristóteles do que a seu pai, porquanto, se este lhe dera a vida, ensinara-lhe aquele a bem viver.
Meu reconhecimento, hoje, além de sê-lo pelo que lucrei naqueles dias em que estive sob os cuidados de minha professora, é por compreender o devotamento que ela sempre demonstrou ter à sua missão e ao sublime objeto do magistério primário e de toda a pedagogia: a criança. Éramos inocentes, dávamos os primeiros passos no mundo da razão e ela era um claro fanal a guiar-nos nas sendas, às vezes obscuras, do conhecimento, a esboçar-nos o caráter de cada um, atenta ao princípio cristão res sacra puer - "a criança é sagrada", sem, contudo, derreter-se em mimos, afagos e concessões; ao contrário, firme e enérgica, com respeito e carinho, esmerando-se no dever de preparar lídimos cidadãos. No exercício desse seu ministério, para conseguir tão sublime ideal, lançou mão de todos os meios pedagógicos, porém prevaleceu aquele que corrobora os demais: o exemplo, confirmado a máxima de Sêneca: longum iter est per præcepta, breve et efficax per exempla - "longo é o ensino pelo preceito, breve pelo exemplo".
Bendita seja, pois, minha professora, cujo exemplo soou-nos, melhor que toas as melopéias do mundo, qual uma ária de dedicação ao ensino, de devotamento aos seus alunos, de suas conquistas na formação do caráter e no preparo de cidadãos brasileiros. Parecia seguir a admonição de São João Bosco: "Que o mestre faça-se amar, se quiser fazer-se respeitar", pois conseguiu tornar-se inesquecível nas reminiscências de seus ex-alunos.
Por isso, neste dia, quisera resgatar a inocência do coração infantil, com o qual senti, outrora, as impressões da vida, para externar minha gratidão à minha professora. Sendo-me, porém, impossível, perpetuo este meu sentimento nesta página.- Muito obrigado, Dona Diva Palomba Batista!
15/10/2005