quinta-feira, abril 27, 2006

Os arcebispos de Mariana

Comemorando o centenário de sua elevação a Província Eclesiástica
1º de maio de 1906. Aos repiques festivos dos sinos da Sé Catedral da “urbs cellula mater” se uniam o bimbalhar das campanas das demais igrejas do bispado primaz das Gerais: o Santo Padre o Papa Pio X criara a Província Eclesiástica de Mariana, pelo decreto “Sempiternum Humani Generis” da Sagrada Congregação Consistorial.
Contava o Brasil com apenas duas arquidiocese – São Salvador da Bahia e São Sebastião do Rio de Janeiro, às quais se submetiam pouco mais de uma dezena de dioceses. Os distantes territórios dessas circunscrições eclesiásticas dificultavam, deveras, as ações pastorais necessárias para o progresso espiritual dos católicos e manutenção da disciplina.
A Diocese de Mariana, criada pelo papa filósofo Bento XIV, a 6 de dezembro de 1745, pela bula “Candor Lucis Æternæ”, com pouco mais de 40 freguesias, contava, no limiar do século XX, 300 paróquias e em torno de 500 sacerdotes. Novamente, assim como há 160 anos antes, dificultavam o governo diocesano os longínquos limites do bispado, favorecendo a dispersão do rebanho. Mas, nos primórdios da última centúria do segundo milênio da cristandade, a realidade da Igreja no Brasil era outra; não mais dependia das concessões do padroado; ao contrário, já lhe traçava suas metas. O episcopado começava a se relacionar mais proximamente, tendo se reunido pela primeira vez em 1890, preparando-se para o Sínodo Episcopal que se realizou em Mariana, em 1907, para as dioceses do Sul, e em 1911, na Bahia, para as dioceses do Norte. É nesse contexto que São Pio X cria a Arquidiocese de Mariana.
A Província Eclesiástica é um agrupamento de dioceses vizinhas, promovendo a ação pastoral comum dessas igrejas particulares, “de acordo com as circunstâncias de pessoas e lugares, e para se estimularem as relações dos Bispos diocesanos entre si” (cf. CIC cân. 431). Ao ser criada, a Arquidiocese de Mariana teve como sufragâneas as dioceses de Goiás, Diamantina e Pouso Alegre. Com o passar dos anos, outros bispados foram criados e lhos anexaram, como Uberaba e Campanha (1907), Araçuaí (1913), Porto Nacional (1915), Caratinga e Guaxupé (1916), Luz (1918), Belo Horizonte (1921), Juiz de Fora (1924), Leopoldina (1942), São João Del Rei (1960) e Itabira (1965), algumas destas passando à circunscrição de outras províncias eclesiásticas que também foram instituídas com o passar dos tempos. Atualmente, apenas Caratinga, Governador Valadares e Itabira/Coronel Fabriciano são suas sufragâneas.
Com a criação da Arquidiocese de Mariana, o então bispo Dom Silvério Gomes Pimenta, foi elevado à dignidade de arcebispo, pela bula “Cum nos alias”, de 6 de dezembro de 1906. A solene imposição do pálio (insígnia da plenitude do ofício episcopal) aconteceu durante as celebrações do Sínodo Episcopal, em Mariana, a 6 de agosto de 1907, pelo Emmº. Cardeal Arcoverde, arcebispo do Rio de Janeiro, durante cerimônia na mesma Sé onde, 159 antes, se erguera o áureo trono episcopal de Minas.
O primeiro arcebispo, Dom Silvério Gomes Pimenta, nasceu em Congonhas do Campo, a 12 de janeiro de 1840, filho de Antônio Alves Pimenta e Porcina Gomes de Araújo. Órfão de pai aos 9 anos, com cinco irmãos menores e sua mãe, passou sua infância em meio à privação, ao trabalho, às dificuldades decorrentes de sua cor parda e ao desejo de estudar, o que levou seu tio a matriculá-lo no Colégio Matosinhos, em sua terra natal, cursando latim, francês, filosofia e geografia, concluindo-os com notória competência. Sem condições para continuar os estudos, recorreu ao santo bispo de Mariana, Dom Antônio Ferreira Viçoso, que o atendeu, chamando-o ao Seminário, em 1855, e ordenando-o padre a 20 de julho de 1862. As virtudes do jovem sacerdote logo se tornaram conhecidas por todos, como lente dedicado no Seminário, pela sua atuação na imprensa e orador eloqüente. Com a morte de Dom Viçoso, em 1875, foi eleito Vigário Capitular, cujo governo provisório à frente da Diocese mereceu elogios do novo bispo, Dom Antônio Maria Corrêa de Sá e Benevides, de quem foi Vigário Geral e eleito bispo auxiliar em 1890, com o título de Câmaco. Dom Benevides morreu em 1896, sucedendo-o na cátedra marianense o pardo Dom Silvério. No entanto, o governo da Diocese já se encontrava em suas mãos desde que fora eleito bispo auxiliar. Dom Benevides, devido às agruras da enfermidade, constantemente se ausentava da sede do Bispado para ir se tratar na corte. A humildade, a sabedoria, a prudência, o patriotismo e o amor à Santa Igreja fizeram de Dom Silvério um grande homem, ilustre prelado, cidadão honrado, cultor das letras, sem se descuidar, durante toda a sua vida religiosa, do progresso espiritual e intelectual de seus diocesanos.
Empreendeu várias obras para a maior glória de Deus e o engrandecimento da Santa Igreja. Trabalhou pela manutenção do seminário e abertura de novos colégios em sua diocese, incentivou e promoveu obras sociais de assistência aos doentes, velhos e à infância desvalida, organizou o patrimônio das igrejas, empreendeu veementes esforços para regularizar a administração do Santuário de Congonhas, dedicou-se à criação de novas dioceses. Suas Cartas Pastorais e visitas às freguesias fomentaram a piedade dos católicos, animaram o clero no ministério sacerdotal (não obstante as ovelhas arredias, as quais, muitas, retornaram ao rebanho) e transpuseram as alterosas de Minas, tornando-o conhecido além delas. Dom Silvério granjeou a admiração de quantos o conheceram, tornando-se amado e venerado por todos. Foi ele quem abriu o processo de beatificação de seu predecessor e protetor, Dom Viçoso.
Como reconhecimento de suas virtudes, o Imperador Dom Pedro II concedeu-lhe, quando ainda era Vigário Geral da Diocese, as comendas da Ordem de Cristo, em 1881, e Ordem da Rosa, em 1889. Recebeu o título de Conde Palatino, Assistente ao Sólio Pontifício, concedido pelo Papa, e a Comenda da Ordem da Coroa, em 1920, por benevolência do Rei da Bélgica, em gratidão ao auxílio que o arcebispo mandou àquele reino, por ocasião da Primeira Guerra. Membro correspondente da Academia Filosófica de Santo Tomaz de Aquino, em Roma, por seus conhecimentos filosóficos, foi eleito membro efetivo da Academia Brasileira de Letras, em 1919, recebido no ano seguinte, pelo Conde Carlos de Laet, ocupando a cadeira 19.
A personalidade literária de Dom Silvério ficou marcada por seus livros e cartas pastorais, gozando o arcebispo acadêmico da fama de poliglota, conhecedor que era do latim, grego, hebraico, além das línguas vivas que usava correntemente. Publicou poesias em latim. Sua obra maior é a “Vida de Dom Viçoso”, relatando, com muita unção e pureza literária, a vida daquele que foi, sem dúvida, seu maior benfeitor. Como jornalista, o arcebispo fundou e dirigiu, em Mariana, o “Bom Ladrão”, “O Viçoso”, “O Dom Viçoso”, editados sob sua orientação e dirigidos pelos padres José Severiano de Resende, um dos maiores intelectuais que Minas conheceu, e Luís Espechit. Os versos latinos, as cartas pastorais e os artigos na imprensa granjearam-lhe fama, sendo comparado ao Padre Manuel Bernardes e a Frei Luís de Sousa. E foi esse renome que o levou à Academia Brasileira de Letras.
Dom Silvério morreu em Mariana, a 30 de agosto de 1922, sendo enterrado na Sé.
Após sua morte, foi eleito Vigário Capitular da Arquidiocese o arcebispo titular de Beirute e seu auxiliar, Dom Antônio Augusto de Assis. A 23 de fevereiro daquele ano, o arcebispo de São Luiz do Maranhão, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, havia sido transferido para a Igreja Titular de Verissa e eleito auxiliar, com direito a sucessão, do arcebispo de Mariana, mas, como não havia tomado posse ainda, teve que esperar novas bulas da Santa Sé, que só foram despachadas a 10 de novembro de 1922. Dom Helvécio tomou posse por seu procurador, o Vigário Capitular, a 26 de novembro de 1922, e no mesmo dia fez sua entrada solene na Catedral.
O segundo arcebispo chegou à Mariana com fama de “progressista”. Lima Júnior descreve interessante episódio, nas páginas de um romance em que relata costumes da Cidade-Mãe, sobre a chegada de Dom Helvécio. Havia uma tradição, dos tempos do primeiro bispo, Dom Frei Manuel da Cruz, sobre a entrada do bispo na cidade de Mariana. Eram cerimônias revestidas de grande brilhantismo, além do que prescrevia o Pontifical Romano, como que revivendo os faustuosos dias em que se ergueu o Áureo Trono Episcopal nas Minas Gerais. Porém, mesmo contrariando o Cabido, arriscando uma querela com aquela egrégia instituição, Dom Helvécio não aceitou o ultrapassado cerimonial. Chegou a Mariana pelos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil, paramentou-se na sala do chefe da Estação e rumou, em solene préstito, à Sé, onde foi entronizado.
O temperamento aparentemente reacionário do prelado capixaba, nascido em Anchieta (ES), em 1876, formado pelos padres salesianos, gozava de um espírito empreendedor. Instituiu associações para trabalharem em prol das vocações sacerdotais e religiosas, fundou colégios e hospitais em várias cidades, promoveu a vinda de congregações religiosas para a arquidiocese, reorganizou a administração pastoral e financeira da arquidiocese, criou as foranias eclesiásticas, construiu o prédio do Seminário Maior São José e um novo Palácio Arquiepiscopal, denominando-o Vila Getsêmani; concluiu as obras da Igreja de São Pedro dos Clérigos, onde instalou o Museu de Arte Sacra; transferiu a Câmara Eclesiástica, que se encontrava mal acomodada no velho palácio, para a Casa Capitular, doada pelo Cabido à Mitra, entre outras significativas melhorias.
Burlescas e más lembranças, fomentadas por um espírito anticlerical (antagonicamente até mesmo pelo clero), intentam, debalde, conspurcar a memória do insigne arcebispo que tantos benefícios proporcionou à Igreja Particular de Mariana e a Minas, como a expansão industrial na zona metalúrgica, incentivada e aplaudida por Dom Helvécio.
Por ocasião de seu Jubileu de Prata sacerdotal, a 18 de agosto de 1926, o Papa Pio XI concedeu-lhe o título de Conde, elevado à dignidade de Assistente ao Sólio Pontifício.
Uma enfermidade que o acompanhou por muitos anos tentou privá-lo de seu múnus, ante o que foi-lhe concedido um bispo auxiliar, em 1947, sendo eleito o Padre Daniel Tavares Baeta Neves, que já trabalhava como seu secretário. Dom Daniel exerceu o seu ministério, ao lado do amado arcebispo, “cor unum et anima una” – como era o seu lema, até 1958, quando se transferiu para a Diocese de Januária. Para substituí-lo, foi removido da Diocese de Pouso Alegre (MG), como bispo auxiliar com direito a sucessão, Dom Oscar de Oliveira, assumindo o arcebispado após o falecimento de Dom Helvécio, a 25 de abril de 1960.
Nascido em Entre Rios de Minas (MG), em 1912, e formado no Seminário de Mariana, Dom Oscar conhecia bem o seu presbitério; fora cura da Catedral e professor no Seminário Maior. Seu governo iniciou-se em um momento de graves transformações, em decorrência do Concílio Ecumênico, crises políticas no país e alterações comportamentais. Contudo, nada disso prejudicou o seu ministério e, quando tentaram impor-lhe alguma pecha que não condizia com sua conduta, logo se via nele o lídimo sucessor dos Apóstolos, primando pela missão de conduzir sua Igreja Particular à unidade com a Igreja Católica, constituindo um só rebanho e um só pastor a caminho da Jerusalém Celeste.
Assim como os seus predecessores, zelou pelos seminários e fomentou a Obra das Vocações Sacerdotais. Preparou a criação de duas novas dioceses e erigiu novas paróquias. Construiu um outro prédio para o Seminário Menor, escolas, faculdades e hospitais. Na Sé, reuniu os restos mortais dos bispos de Mariana na cripta que fez construir no subsolo do templo e conseguiu a restauração do bicentenário órgão de tubos. Cuidou do acervo histórico da arquidiocese, alertando sobre sua importância e orientando sobre a sua preservação, abriu museus, organizou o arquivo eclesiástico, reunindo na Cúria os livros de registros paroquiais, evitando que desaparecessem. Dispensou especial atenção aos veículos de comunicação, como auxiliares no processo de evangelização, através da Rádio Difusora de Congonhas e do jornal “O Arquidiocesano”. Escritor apreciado e sensível poeta, publicou diversos livros, além de artigos em jornais e revistas. Foi recebido pela Academia Mineira de Letras e pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Instituto Histórico de Minas Gerais e de São Paulo, além de outras instituições congêneres.
Cumprindo a uma disposição canônica, Dom Oscar renunciou ao governo da arquidiocese, ao completar 75 anos de idade, sendo substituído por Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, que tomou posse a 28 de maio de 1988. Dom Oscar retirou-se para sua terra natal, onde faleceu a 24 de fevereiro de 1997.
Nascido em tradicional berço carioca, que remonta famílias aristocráticas nordestinas, a 5 de outubro de 1930, desde cedo Dom Luciano mostrou-se determinado em seus propósitos e um deles, tão logo gozou do uso da razão, foi o de ser padre. Para isso, além da graça divina, contribuiu deveras a formação religiosa que lhe legaram os seus pais, Cândido Mendes de Almeida e Emília Mello Vieira Mendes de Almeida, proporcionando-lhe boa educação em colégios católicos, até que ingressou na venerável Companhia de Jesus. Determinara ser mais um soldado na legião aliciado por Santo Inácio de Loiola, sedento por tudo fazer para a maior glória de Deus e salvação das almas.
Durante sua formação sacerdotal, sem tardança se notaram suas capacidades intelectuais, despontando-se como primoroso filósofo, seguindo, então, para a Cidade Eterna onde prosseguiu seus estudos, ordenou-se presbítero, doutorou-se e retornou ao Brasil, já após o Concílio Vaticano II, sendo designado à formação de religiosos no escolasticado da Companhia de Jesus. Muito sensível às necessidades humanas, logo se compadeceu pela situação de muitos que se lhe apresentavam carentes de assistência espiritual e material, quando não pôde deixar de atender a esse apelo que o inseriu entre aqueles que optaram pelos pobres.
A partir daí, envolveu-se com as organizações de classes, as CEBs, não se deteve ante questões políticas (quando o país vivia sob a austeridade de um governo militar) e acabou junto ao episcopado, emprestando seu brilho àquela instituição. E foi lá, na CNBB, que o Papa Paulo VI o resgatou para o múnus episcopal, em 1976, designando-o auxiliar do arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, com quem trabalhou até sua nomeação para o arcebispado de Mariana. Enquanto isso, ocupou cargos de relevo na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e na Conferência Episcopal Latino-americana, além de membro do Pontifício Conselho Justiça e Paz e do Conselho da Secretaria do Sínodo dos Bispos.
Como arcebispo primaz de Minas, Dom Luciano deu um novo impulso pastoral, organizando a arquidiocese em cinco regiões, promovendo assembléias, reestruturação dos conselhos arquidiocesanos e dos seminários, elaboração de planos de evangelização, investimento na expansão do setor de comunicação e nas obras sociais, sem se esquecer da necessidade de preservação do patrimônio histórico e cultural que se encontra sob a tutela da Igreja, guiando o seu rebanho como um fanal, predito por seu antecessor no dia de sua posse: “Vem ele iluminar do cimo destas altaneiras montanhas com a Luz de Cristo, Cristo Luz do Mundo”.
Esses são os preclaros antístites que dignificam a descendência apostólica dos primeiros príncipes da Igreja, dando mostras de denodada dedicação ao múnus episcopal que lhes foi confiado à frente da arquidiocese-mãe de Minas, glória fúlgida da Esposa Imaculada de Cristo.
27/04/2006

Páscoa

A Santa Igreja se prepara hoje para a grande festa do cristianismo, a Páscoa, em que se conclui o mistério da Redenção. E para melhor celebrá-la, nesta noite se celebra a Vigília Pascal, na qual se convergem todas as celebrações da Semana Santa e, mais ainda, de todo o Ano Litúrgico. Lembrando a grande noite de vigília do povo hebreu no Egito, aguardando a hora da libertação (Ex 12), nela celebram os cristãos a sua própria redenção pelo mistério da Ressurreição de Cristo. Por ela se realiza a grande Páscoa ou Passagem da morte para a vida, ou do estado de perdição para o estado de salvação. É a vitória final de Deus, em Cristo, sobre o pecado, sobre o mal e sobre a própria morte. Na mística, os cristãos apropriam-se da graça desta passagem pelo Batismo, daí,a liturgia batismal nessa celebração.
Chamada pelo santo Bispo de Hipona como “a mãe de todas as vigílias”, a Vigília Pascal é uma soleníssima celebração, muito rica de simbolismo global e de símbolos particulares: as trevas, a luz, a água, o círio pascal, a cor alegre dos paramentos, a manifestação de alegria através do canto e do bimbalhar dos sinos. Integram-na quatro partes, que são a liturgia da luz, com a bênção do fogo novo; o rito da Palavra, quando se relata toda a história da redenção; a liturgia do batismo, com a bênção da água; e, por fim, a celebração eucarística.
Com Cristo ressuscitado, a Luz brilhou nas trevas. Daí a celebração do fogo novo, ou fogo virgem, com o qual se acende o círio pascal, que simboliza o Redentor, conduzido em procissão e diante do qual se canta o Precônio, anunciando solenemente a ressurreição. Todos são convidados a terem nas mãos velas acesas, imitando aqueles servos de que fala o Evangelho (Lc 12, 35-37), os quais esperam, vigilantes, o seu Senhor, que os fará sentar à sua mesa. No rito da Palavra, narram-se os gestos maravilhosos de Deus na história da salvação, desde a Criação do mundo até ao grande gesto da “Nova Criação”, pela ressurreição de Cristo, início e primícias de um mundo novo. As leituras são intercaladas por aclamações, a última das quais é o canto do “Aleluia”. Ao canto do Glória, os sinos, que se encontravam silenciados desde a Quinta-feira Santa, anunciam festivamente a vitória de Cristo.Outro momento importante da Vigília é a liturgia batismal, com o canto da Ladainha de Todos os Santos, bênção da água batismal e aspersão dos fiéis. Nessa ocasião, todos renovam as promessas do batismo, professando publicamente a sua fé. Finalmente, a celebração da Santa Missa, em que a participação de todos ao banquete eucarístico é a mais sincera oferta que se faz a Deus, de um coração puro e contrito, a regozijar pela vitória da Graça sobre o Pecado.
09/04/2006

O testamento e a malhação de Judas

Uma das manifestações populares lusitanas, que se inseriu no folclore brasileiro, é a Malhação de Judas, no Sábado de Aleluia. Judas, apóstolo traidor, cognominado Iscariotes por ser oriundo de Carioth, cidade ao sul de Judá, já um ano antes da Paixão de Jesus teria perdido a fé no Mestre, mas continuava a acompanhá-lo por comodidade e para ir furtando do que ofereciam aos apóstolos. Obcecado pelo dinheiro, antes de se afastar de Cristo, resolveu entender-se com os sinedritas - membros do Sinédrio, conselho supremo dos judeus. Judas assistiu ainda à última ceia, em que Jesus revelou a sua traição, mas foi logo ao encontro dos inimigos de Cristo para cumprir o que tinha combinado e receber 30 dinheiros. Consumada a traição, arrependeu-se, quis restituir o dinheiro, mas, repelido pelos sacerdotes, enforcou-se numa corda.
É a esse trágico fim que um costume originário da Península Ibérica foi radicado em toda a América Latina, desde os primeiros séculos da colonização européia. No Brasil, ilustra esse costume antigo o julgamento de Judas, sua condenação e execução. Antes do suplício, alguém lê o “testamento” do traidor de Jesus, escrito em versos, colocado especialmente no bolso do boneco. O testamento é uma sátira das pessoas e coisas locais, com graça oportuna e humorística para quem pode identificar as figuras alvejadas, em quadras simples, com uma rima fácil e compreensível. Existe, nessa representação, uma inter-relação entre o lúdico/profano e o sagrado, através do qual é possível compreender a aproximação entre o culto religioso e uma espécie de jogo, em que a criação cultural do homem se mistura com os aspectos sagrados por ele evocados.
Em Lafaiete esse costume remonta os tempos de Queluz, não obstante à reação do clero, chegando a ser proibida a queima do Judas, na década de 30 do século passado, julgando tratar-se de uma profanação a exploração de um motivo religioso por motivo de troça. Mas essa censura não perdurou muito, sendo restaurada essa expressão folclórica nas décadas que se seguiram. A escritora Lucy de Assis Silva, em seu recente livro sobre a Rua da Chapada – “Subindo e Descendo a Ladeira” – descreve a Quinta do Judas que era “armada” no Cabo Verde, junto à capela de Nossa Senhora da Paz. Na paróquia de São Sebastião ainda se conserva o costume da queima do Judas, após a cerimônia da Vigília Pascal, a vitória de Cristo sobre o mal, sobre o pecado, sobre a morte. O escritor Gilberto Victorino de Souza chegou a compor, em versos satíricos, o testamento do traidor, que era lido antes de sua queima, legando seus bens às pessoas envolvidas na organização da Semana Santa naquela comunidade.
Uma crônica publicada em um jornal do início do século passado, quando ainda se fazia a queima do Judas na paróquia da Conceição, relata que o encarregado, como nos anos anteriores, arrecadou a quantia necessária junto às pessoas e ao comércio local para que pudesse confeccionar o boneco que, cheio de pólvora, seria queimado após a Vigília. Terminado o ato religioso na Matriz, os fiéis se dirigiram ao Largo do Carmo, onde o famigerado personagem da História Sagrada seria executado. No entanto, lá chegando, só viram o poste ficando ao chão, onde deveria estar pendurado o boneco. Sem entender, alguns procuraram saber o que acontecera e onde estava o responsável, foi quando ele chegou, completamente embriagado; gastara todo o dinheiro entregando-se à sedução de Baco. Quando apontou na esquina da rua do Rosário, cambaleando, subiu a rua do Carmo e chegando ao largo em frente à igreja, deparando-se com as pessoas que aguardavam pela malhação de Judas, gritou: “Se querem queimar alguém, queimem aí o Dr. Fulano (referindo-se a um político local da época, que também aguardava pelo espetáculo), que é tão traidor, além de ladrão, quanto Judas”. Todos se retiraram, calados, como que consentindo...
E isso nos leva a lembrar os versos do celebrado poeta padre Antônio Tomas, acerca da festa da malhação do Judas:

“À sombra da folhagem verde e escura
De um galho preso em mastro levantado
Um Judas pelo vento balançado
Da forca pende, em cômica compostura.

E um bando em frente a exótica figura
Olha e, ao vê-lo em semelhante estado
E o vozeio do povo acelerado
Um bimbalhar dos sinos se mistura.

Eu fico um tanto a meditar e penso
Ante o festivo e insólido alvoroço
Que é falta de critério e de bom senso.

Uma tolice arrematada, enfim,
Tantos Judas havendo em carne e osso
Levar-se à forca um Judas de Capim.”

11/04/2006

Dissenso político

Há palavras que, pela força das coisas, são quase banidas do nosso vocabulário quotidiano. Uma delas é, seguramente, aquela que se insere no título desta crônica, talvez por ter se tornado ato comum na conduta e nas atitudes das pessoas e das instituições, desde há muito tempo. Passa-se, então, a exaltar com a astúcia de quem promove uma revolução ideológica na sociedade a propagação de seu antônimo – consenso, utilizando-o para quase todos os fins e nos mais variados contextos; consensos políticos, sociais, sindicais, consenso sobre tudo e mais alguma coisa. Isso porque o que lhes interessa é o relativismo dos princípios e dos valores, encontrando espaço para tudo e para todos, num mundo livre, igualitário e fraterno.
Não há mal nenhum as pessoas chegarem a “consensos”. Porém, à força de repeti-lo, esquecemo-nos que, antes dele, existe, ou deve existir, o “dissenso”. Ou seja, antes de posicionarmo-nos de acordo, deve-se, portanto, existir a discussão, o debate, a apresentação de idéias e de pontos de vista diferentes. Sem medo de sermos mirados de soslaio, como se fôssemos criminosos, devemos expor nossa forma de pensar – desde que seja coerente, sem permitir que nos tolham a razão e anestesiem a nossa capacidade crítica.
E é o consenso político que me leva a deixar correr a pena, atônito ante a situação acomodada do bem-estar do neoburguês brasileiro, em que a casa (comprada a crédito), o carro (adquirido às prestações) e o telefone celular (também possuído de forma facilitada) leva-o à modorra do comodismo, sobre um leito sustentado pela miséria social, e ao marasmo de uma sociedade sem horizontes. Os brasileiros não podem ficar continuamente tolhidos pelos consensos nacionais, avistando oásis de desenvolvimento e progresso, enquanto uma pequena classe se mantém ébria em sua riqueza efêmera, intocável, e um outro determinado grupo brinca de governar, como crianças que se arvoram aos “cuidados” da casa na ausência da mãe.Não se pode admitir a existência de sentimentos de acomodação. Há de se renovar, sempre, as energias, haurindo-as nos mananciais dos princípios éticos da política e da socialização, alicerçados nos valores mais intocáveis que dizem respeito ao homem. Que se levantem tantos dissensos quantos sejam necessários, para que a ordem e a segurança sejam restaurados no País. Que se propaguem e se discutam tantos dissensos quantos sejam necessários, para que a tal democracia seja praticada, o quanto possível, com a arregimentação de todos os brasileiros, indistintos de classes e opiniões, desde que o intento comum seja o de construir uma federação política e diplomaticamente forte. Que se imponham, se for preciso, goela abaixo desses pseudoliberais travestidos de marxistas que andam por aí, os consensos a que se chegarem pelos dissensos, para que a sociedade brasileira seja restaurada sob os princípios cristãos (como nascera à sombra da Santa Cruz), marchando, aí sim, rumo ao progresso, seguros no processo de desenvolvimento que fará do Brasil uma grande nação.
22/04/2006

Quando pensam que o errado que é o certo...

Causou um certo choque, principalmente aos católicos, o anúncio da intenção da “National Geographic” de publicar uma tradução, em vários idiomas, do evangelho apócrifo de Judas. O manuscrito de 31 páginas, escrito em copta, encontrado em Genebra (Suíça), em 1983, traz muitas controvérsias, crendo os sensacionalistas até darem uma nova versão à História Sagrada.
Antes de tudo, deve-se ter claro que se trata de um manuscrito apócrifo, ou seja, sem autenticidade comprovada; daí, sem nenhum valor doutrinário. Ele não é uma fonte de revelação divina, quando muito, um mero registro de época, onde despontam alguns indícios de correntes ideológicas diferentes (leia-se heresias), que sempre intentaram contra a lídima doutrina cristã. De acordo com o que foi divulgado pela Santa Sé, o texto parece estar datado entre os séculos IV e V, ou seja, cerca de 300 ou 400 anos depois da vida de Jesus. É impossível, portanto, que seja Judas seu autor direto, mas que pode se tratar de uma cópia do “Evangelho de Judas”, citado por Santo Irineu de Lyon no ano 180.
Os Evangelhos Apócrifos sempre foram rejeitados pela Igreja, desde os seus primórdios, por serem controversos entre si e com a fé; mas, nem por isso ela os ocultou ou negou a sua existência. Ao contrário, esses textos foram publicados e estão editados pelo mundo inteiro, como a célebre Biblioteca de Autores Cristãos (BAC), no Reino da Espanha. Eles não são reconhecidos como inspirados por Deus porque simplesmente buscavam satisfazer a curiosidade de alguns ou continham lendas fantasiosas com respeito a Jesus, ou explicavam opiniões particulares de alguns grupos religiosos acerca de Cristo. Não buscavam a verdade mais profunda sobre Deus e sua obra salvadora.
Pelo teor do documento, supõe-se ter ele sido redigido pela seita gnóstica dos cainitas, apresentando Judas Iscariotes de uma maneira positiva, como uma personagem que só obedeceu a uma suposta ordem divina de entregar Jesus para que pudesse cumprir-se a obra de salvação. Isso vai de encontro ao pensamento gnóstico, de que Deus quer o mal no mundo e por isso se explica a ação dos homens maus, como Caim e Judas; ao contrário da doutrina cristã, de que a maldade nasce a partir do mau exercício do livre-arbítrio com o qual Deus nos criou, por respeitar sempre nossa liberdade. Ora, o Criador conhece todas as nossas intenções, inclusive os erros, pecados e decisões equivocadas. Às vezes se vale delas, sim, para obter um bem em seu plano providencial para o homem, mas nunca as promoveria, como acreditavam os cainitas. Os gnósticos pretendiam que a salvação fosse obtida só pelo conhecimento que temos de Deus, não por obra do amor e da misericórdia de Deus, que enviou seu Filho Jesus ao mundo.
Sem um claro discernimento, facilmente cede-se a essas proposições heréticas, que remontam há mais de dois milênios. É preciso, por isso, entender o papel e a pessoa de Judas Iscariotes e daí entender sua missão. Judas foi, como todos os demais seres humanos, um homem criado com o atributo do livre-arbítrio e ele usou de sua liberdade para fazer o mal. O fato do desígnio divino de que Jesus deveria morrer pela redenção da humanidade, não justifica dizer que Deus permitiu a Judas cair no mal e se obrigar a cumprir um roteiro histórico já determinado. Essa interpretação seria concordar com uma opção fatalista da qual não podia se subtrair de nenhuma maneira; senão, aliás, teria nascido com o selo de uma condenação fatal. Quanto ao que se sucedeu ao traidor de Cristo, em seguida à sua prisão, só Deus conhece. Qualquer ser humano pode arrepender-se de seus pecados e erros no último momento de sua existência terrena. O drama de Judas, mais que a gravidade de seu pecado em si, foi sua falta de esperança, o fato de fechar-se em si mesmo, em vez de reconhecer sua falta, chorar seu pecado e voltar ao amor de Deus, como o fez, por exemplo, São Pedro, após ter negado o Divino Mestre.
O fato de o anúncio de um Evangelho escrito por Judas Iscariotes despertar a curiosidade das pessoas, trata-se de uma curiosidade, por parte de alguns, e disposição para um combate anticristão, por parte de outros. Rasgos de simpatia pela figura de Judas pôde ser observada há cerca de 3 décadas, quando foi lançado o musical “Jesus Cristo Super Star”, buscando proporcionar àquela figura histórica um êxito midiático e comercial, numa perspectiva sociológica, comunicacional ou da própria psicologia humana.

Verdade histórica
Só os Evangelhos são considerados como obras inspiradas por Deus e se lhes reconhece uma autoridade especial, além de referência histórica. Os textos de São Marcos, São Mateus, São Lucas e São João são livros canônicos reconhecidos desde os inícios do cristianismo. Seu mérito consiste em sua antiguidade, na autoridade de quem os redigiu e que seus escritos baseiam-se no depoimento de testemunhas diretas de sua obra; testemunhas de seu ensinamento, seus milagres, a condenação, a morte, a sepultura e a própria ressurreição de Jesus. Quanto mais tardios forem alguns escritos, mais duvidosa se torna a autenticidade e fidelidade da transmissão desses fatos até nossos dias. O Novo Testamento em seu conjunto reflete a plena segurança nesta autenticidade e fidelidade. Já o Evangelho de Judas se apresenta sensacionalista e a suposta revelação de dados contradiz o essencial da fé em Jesus Cristo, tema de todos os tempos, não só de agora.
Hoje se fala nos supostos textos de Judas, amanhã se falará em Melécio e Ário; depois proporão a canonização de Lutero e, daqui a séculos, quiçá, de um Boff e Companheiros... Todos com o mesmo valor que tem o Evangelho de Judas: mera especulação. Seguir-se-ão outros tantos textos, em outras descobertas, fantasias ou opiniões particulares de grupos sectários. No entanto, permanecerá indelével a Palavra de Jesus Cristo, o Redentor e Salvador da humanidade, lídimo motivo de uma “profunda fascinação”, inclusive para aqueles que não crêem n’Ele, rejeitam-no ou tentam desprestigiar sua figura e sua mensagem. Jesus não deixa ninguém indiferente, pois, para nós, que temos o dom da fé, é o Único Salvador da História.
20/04/2006