quarta-feira, maio 27, 2009

Lembranças de maio...

“Neste mês de maio,
Lindo, encantador,
Juntas entoamos,
Mãe, vosso louvor!”
Envolve-nos uma aura de saudade e de devoção ao ressoar, desde os dias de nossa meninice, o canto alegre das crianças engalanadas para coroarem a Virgem Maria. É a piedade filial que se expressa dessa forma, numa antecipação do gozo eterno que se terá quando, enfim, participarmos das alegrias perenes na Pátria celeste. Finda nossa caminhada neste mundo, nos vestíbulos do santuário da bem-aventurança, certamente já identificaremos, evolando pelas planuras celestes, semelhante cântico que, outrora, nos antecipara àquele momento de graça e de esplendor. O mavioso entoar das meninas vai se figurando, melhor definido, nos sonhos de José do Egito, nas visões apocalípticas de São João.
A cada ano, renova-se esse ritual que, não fossem os exageros tecnológicos que se vão lhe acrescentando, além de interesses outros que não sejam a mais sincera e ingênua manifestação de veneração à Virgem Maria, continuaria a ser a mais expressiva loa dos corações enlevados pela devoção. Ah, maio, em que tudo nos faz desejar a pureza dos pequenos e bendizer a Deus, “porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos” (Mt 11,25). Se no velho mundo o mês das flores foi dedicado a Nossa Senhora, pelo clima agradável e a natureza pululando vidas multicores pelos campos; os dias de outono abaixo dos trópicos nos atentam à frieza das atitudes humanas, tocadas pela decadência do pecado, incitando-nos a desejar, com mais convicção e sinceridade, o amor abrasador que impele até Deus.
Perde-se pelos séculos a origem dessa delicada manifestação de carinho, a coroação da imagem da Virgem Santíssima, ilustrando as celebrações do Mês de Maria animadas pelos padres jesuítas, em especiais tratados editados ainda no século XVIII. Em Minas, esse costume salutar para a alma introduziu-o as Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, quando se estabeleceram nas alterosas em meados do século XIX. Desde então, revivem-se, a cada ano, as manifestações de filial devoção dos católicos fervorosos que, em sentimento, se unem às vozes pueris em súplica à Santa Mãe, no anelo de salvação:
“Céu de Maria,
Lindo, estrelado...
Deixa o meu cantinho
Lá no céu guardado.”

sexta-feira, maio 22, 2009

Calúnias ao vento

Outrora, quando os meios de comunicação eram ineficientes e as investigações demoradas, quando não burladas, facilmente se disseminava uma calúnia. Assim aconteceu com os cavaleiros templários, alvo da ambição de Felipe IV da França, cognominado O Belo, que em 1307 conseguiu exterminar a Ordem e confiscar os seus bens, causando sofrimento a tantas pessoas que assistiram, atônitas, as atrocidades cometidas. Entre tantas acusações impetradas contra os monges-guerreiros, incitadas pelo monarca francês, estava a de idolatria a uma “cabeça com barba”.
Recentemente, o L’Osservatore Romano publicou um interessante artigo da pesquisadora Barbara Frale, estudiosa do tão cobiçado Arquivo Secreto do Vaticano, em que ela conclui que a “cabeça com barba” venerada pelos templários nada mais era do que o Santo Sudário. Em “Os templários e o Sudário – Os documentos demonstram que o tecido lençol foi custodiado e venerado pelos cavaleiros da Ordem no século XIII”, a pesquisadora minuciosa discorre sobre a trajetória da instituição, ereta com a finalidade de custodiar os lugares santos. Na consultas dos documentos diversos, Frale encontrou no processo contra os templários a descrição do ingresso de Arnaut Sabbatier, em 1287, no grêmio dos templários.
De acordo com o documento, Sabbatier teria sido conduzido a um local só acessível aos monges-soldados do Templo, onde lhe teria sido apresentado um lençol de linho com a figura de Nosso Senhor impressa. Obedecendo às disposições do cerimonial, ele teria osculado-o três vezes na altura dos pés. Esse lençol de linho Barbara Frale não duvida que fosse o Santo Sudário, inclusive baseando-se nos estudos de Ian Wilson, da Universidade de Oxford, especialista na sagrada relíquia. Wilson afirma que a relíquia teria desaparecido após o saque da capela dos imperadores de Bizâncio, em 1204, reaparecendo no espólio do templário Geoffroy de Charney, que foi queimado juntamente com o grão-mestre da Ordem, Jacques de Molay, por determinação de Felipe IV.
Inúmeras calúnias foram promovidas e disseminadas para ignomínia dos Templários, inclusive fomentando a imaginação de tantas pessoas, construindo fábulas absurdas, antagônicas à realidade dos fatos, diferentes dos sinceros propósitos daqueles cavaleiros. Uma delas é o famigerado “O Código da Vinci”, cujo correr da pena de Dan Brown foi impulsionado pela ânsia de sensacionalismo, sem um sólido embasamento histórico, senão um cruzamento de suposições levianas, depondo contra a verdade dos fatos e a idoneidade das personagens reais e das instituições.
O trabalho da professora Barbara Frale é digno de todos os encômios, pelo bem que proporciona à humanidade, desvendando o passado ofuscado não só pelas brumas do tempo, mas pela tirania de determinados governos que, à custa do sacrifício da honra e da verdade, manchou a si próprio com o sangue inocente dos bons, lançando ao vento as penas da difamação. Aliás, essa mesma pesquisadora, há poucos anos, foi quem encontrou o célebre Pergaminho de Chinon, por meio do qual o Papa Clemente V exonera de culpa os templários. Permita Deus, o trabalho da doutora Frale não seja apenas uma referência, mas um exemplo de dedicação, de seriedade e de comprometimento para com a história e com a verdade.

sexta-feira, maio 15, 2009

El Rei voltará!

A exclamação de uma casta saudosa e esperançosa ainda ecoa pelas terras lusitanas: “El Rei voltará!” Já não mais uma indagação, mas a certeza de que um dia, quando estiverem ainda “a ver navios”, ei-lo que surgirá com toda a sua majestade e, até certo ponto, antagônica inocência. O jovem Rei que desaparecera na célebre Batalha de Alcácer Quibir, na África, protótipo de um monarca dotado das virtudes necessárias para esse múnus, passou ao olimpo da imortalidade por simplesmente ter desaparecido. Não se mostrara um grande líder - era jovem demais para fazê-lo. Mas, apenas a valentia de partir e ir lutar para maior glória de Deus, reforçada, quiçá, pelo testemunho daqueles que o rodearam, não foi o suficiente para transformá-lo em um mito, sobrevivendo, até hoje, no imaginário português, especificamente, desde os meados do segundo milênio; todo um prelúdio histórico e um instante oportuno possibilitaram, do desaparecimento de um rei, o surgimento de um mito.
Esse episódio envolvendo religiosidade e patriotismo marca o surgimento de uma nova maneira de esperar, ou pelo menos a configura desta forma. A esperança que o povo português passa a alimentar a partir daquele verão de 1578 decorre não apenas do desaparecimento de um “rei querido”; mais que isso, fere-lhe o patriotismo, sucedendo-se uma crise dinástica que perdurou por cerca de seis décadas. E esse é o principal motivo que faz do rei menino um mito, associando-se à sua imagem uma ideologia messiânica que atravessa, de forma singular, a história de Portugal, desde o Século XVI, acreditando no advento iminente de um rei libertador. Aí, então, inaugura-se o “sebastianismo” que, além da fé no regresso de El Rei, é um conjunto de temas messiânicos sucessivamente reelaborados em contextos de crise e de indefinição política; aliás, usado também como arma, num avivamento dos valores nacionalistas do povo, baseando-se nas profecias do sapateiro de Bandarra, e reiterado nos sermões do Padre Vieira, no contexto das invasões e no miguelismo, em Antônio Pires Sardinha, Fernando Pessoa, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão, entre outros; enfim, no imaginário popular, onde o sebastianismo assumiu uma enorme importância, dando expressão a um desejo persistente de libertação da miséria e opressão quotidianas. A tragédia, o sofrimento e a esperança são que alimentam o sebastianismo há séculos; na angústia de um povo, a crença no porvir.
Sem perder o controle da compreensão da mentalidade e da estrutura que sustentam esse mito, há de sempre buscar a influência que tal sentimento vem exercendo no sentimento de portugueses e, por legado, dos brasileiros em alguns estudos. Dom Sebastião apresenta-se como uma figura controversa, inspirando admiração e ódio ao mesmo tempo, diferentemente para cada pessoa, indo de messias a cretino, de salvador a demente, inspirando paixões e atiçando polêmicas. Isso, porque estudam-no enquanto homem, e não como um mito, pois é desta forma como ele se apresenta, tendo hoje se tornado um fenômeno social e elemento inerente da alma humana. Daí compreender-se-á por que, no âmago de cada um, desde aquele surto apocalíptico dos quinhentos, ainda suspira a esperança de que “El Rei voltará!”

quinta-feira, maio 07, 2009

O Santo Condestável

Quase seiscentos anos após sua morte, só agora, para gáudio dos portugueses – e por que não também dos brasileiros –, foi canonizado o carmelita Nuno de Santa Maria (nascido Nuno Álvares Pereira – 1360-1431). Um dos grandes heróis lusitanos, Nuno Álvares, que recebeu o título de “Condestável do Reino” por Dom João I, o Mestre de Avis, apresenta-se desde a sua época aos homens de fé como exemplo de cristão exemplar e súdito fiel, defendendo sua religião e sua pátria, convicto de sua missão. Foi um militar destemido, mas, antes, um católico fervoroso que, tendo encerrada sua carreira, recolheu-se na vida religiosa e, nutrindo-se da espiritualidade carmelita, tornou-se exemplo de humildade, trabalhando na portaria do convento que mandara erigir em Lisboa e como esmoler, atendendo aos pobres; aliás, dizem que aí se iniciou a “sopa dos pobres”, que ele servia aos que batiam à porta pedindo-lhe um adjutório.
O nacionalismo acendrado do bom povo português tende a cultuar o mais novo lusitano elevado à glória dos altares pelos seus feitos notáveis, como vencedor de grandes batalhas que garantiram a unidade do Reino, como a de Aljubarrota, cantada por Camões n’Os Lusíadas. Era o modesto Portugal enfrentando o brutal exército de Castela, contando mais com a coragem e a austeridade de seu comandante, Dom Nuno, do que com os recursos bélicos, tão primitivos ainda naquela época. Alguns de seus biógrafos, numa interpretação sobrenatural de sua vida, creditam essas vitórias à sua fé e ao mais puro desejo de assegurar a catolicidade de sua terra. Parecia antever as tristes divisões marcadas pelo Cisma do Ocidente, em que Castela, por interesses políticos, aliou-se ao anti-papa de Avinhão, enquanto Portugal manteve-se fiel ao Bispo de Roma.
Mas é ao final de sua vida que empreende a mais terrível batalha, atento, certamente, à admonição de São Paulo: “não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares” (Ef 6,12). Preparou-se, então, com as armas espirituais, ou seja, a armadura da justiça, a espada do Espírito, o escudo da fé, a oração, a disponibilidade para anunciar o Evangelho na construção de um reino de paz, perseverante na prática do bem. Ao cerrar os olhos para este mundo, enquanto entregava sua alma inteiramente a Deus, traduzia-se seu necrológio em testemunho de uma vida ornada de virtudes, reconhecidas pelo Papa Bento XV, em 1918, quando o beatificou, e agora pelo papa Bento XVI, que o canonizou.
A figura de São Nuno de Santa Maria propõe-nos a tomada de decisões desprendidas de quaisquer interesses, senão os de fazer o bem pelo amor de Deus. É desta forma que ele ainda se nos apresenta, de um caráter íntegro, de convicções coerentes, de atitudes santas, no recolhimento da cogula do devotamento e da humildade, aquecido pelo amor abrasado de Jesus, guiando-se pela luz do Evangelho.
São Nuno de Santa Maria, rogai por nós!