quinta-feira, abril 27, 2006

Os arcebispos de Mariana

Comemorando o centenário de sua elevação a Província Eclesiástica
1º de maio de 1906. Aos repiques festivos dos sinos da Sé Catedral da “urbs cellula mater” se uniam o bimbalhar das campanas das demais igrejas do bispado primaz das Gerais: o Santo Padre o Papa Pio X criara a Província Eclesiástica de Mariana, pelo decreto “Sempiternum Humani Generis” da Sagrada Congregação Consistorial.
Contava o Brasil com apenas duas arquidiocese – São Salvador da Bahia e São Sebastião do Rio de Janeiro, às quais se submetiam pouco mais de uma dezena de dioceses. Os distantes territórios dessas circunscrições eclesiásticas dificultavam, deveras, as ações pastorais necessárias para o progresso espiritual dos católicos e manutenção da disciplina.
A Diocese de Mariana, criada pelo papa filósofo Bento XIV, a 6 de dezembro de 1745, pela bula “Candor Lucis Æternæ”, com pouco mais de 40 freguesias, contava, no limiar do século XX, 300 paróquias e em torno de 500 sacerdotes. Novamente, assim como há 160 anos antes, dificultavam o governo diocesano os longínquos limites do bispado, favorecendo a dispersão do rebanho. Mas, nos primórdios da última centúria do segundo milênio da cristandade, a realidade da Igreja no Brasil era outra; não mais dependia das concessões do padroado; ao contrário, já lhe traçava suas metas. O episcopado começava a se relacionar mais proximamente, tendo se reunido pela primeira vez em 1890, preparando-se para o Sínodo Episcopal que se realizou em Mariana, em 1907, para as dioceses do Sul, e em 1911, na Bahia, para as dioceses do Norte. É nesse contexto que São Pio X cria a Arquidiocese de Mariana.
A Província Eclesiástica é um agrupamento de dioceses vizinhas, promovendo a ação pastoral comum dessas igrejas particulares, “de acordo com as circunstâncias de pessoas e lugares, e para se estimularem as relações dos Bispos diocesanos entre si” (cf. CIC cân. 431). Ao ser criada, a Arquidiocese de Mariana teve como sufragâneas as dioceses de Goiás, Diamantina e Pouso Alegre. Com o passar dos anos, outros bispados foram criados e lhos anexaram, como Uberaba e Campanha (1907), Araçuaí (1913), Porto Nacional (1915), Caratinga e Guaxupé (1916), Luz (1918), Belo Horizonte (1921), Juiz de Fora (1924), Leopoldina (1942), São João Del Rei (1960) e Itabira (1965), algumas destas passando à circunscrição de outras províncias eclesiásticas que também foram instituídas com o passar dos tempos. Atualmente, apenas Caratinga, Governador Valadares e Itabira/Coronel Fabriciano são suas sufragâneas.
Com a criação da Arquidiocese de Mariana, o então bispo Dom Silvério Gomes Pimenta, foi elevado à dignidade de arcebispo, pela bula “Cum nos alias”, de 6 de dezembro de 1906. A solene imposição do pálio (insígnia da plenitude do ofício episcopal) aconteceu durante as celebrações do Sínodo Episcopal, em Mariana, a 6 de agosto de 1907, pelo Emmº. Cardeal Arcoverde, arcebispo do Rio de Janeiro, durante cerimônia na mesma Sé onde, 159 antes, se erguera o áureo trono episcopal de Minas.
O primeiro arcebispo, Dom Silvério Gomes Pimenta, nasceu em Congonhas do Campo, a 12 de janeiro de 1840, filho de Antônio Alves Pimenta e Porcina Gomes de Araújo. Órfão de pai aos 9 anos, com cinco irmãos menores e sua mãe, passou sua infância em meio à privação, ao trabalho, às dificuldades decorrentes de sua cor parda e ao desejo de estudar, o que levou seu tio a matriculá-lo no Colégio Matosinhos, em sua terra natal, cursando latim, francês, filosofia e geografia, concluindo-os com notória competência. Sem condições para continuar os estudos, recorreu ao santo bispo de Mariana, Dom Antônio Ferreira Viçoso, que o atendeu, chamando-o ao Seminário, em 1855, e ordenando-o padre a 20 de julho de 1862. As virtudes do jovem sacerdote logo se tornaram conhecidas por todos, como lente dedicado no Seminário, pela sua atuação na imprensa e orador eloqüente. Com a morte de Dom Viçoso, em 1875, foi eleito Vigário Capitular, cujo governo provisório à frente da Diocese mereceu elogios do novo bispo, Dom Antônio Maria Corrêa de Sá e Benevides, de quem foi Vigário Geral e eleito bispo auxiliar em 1890, com o título de Câmaco. Dom Benevides morreu em 1896, sucedendo-o na cátedra marianense o pardo Dom Silvério. No entanto, o governo da Diocese já se encontrava em suas mãos desde que fora eleito bispo auxiliar. Dom Benevides, devido às agruras da enfermidade, constantemente se ausentava da sede do Bispado para ir se tratar na corte. A humildade, a sabedoria, a prudência, o patriotismo e o amor à Santa Igreja fizeram de Dom Silvério um grande homem, ilustre prelado, cidadão honrado, cultor das letras, sem se descuidar, durante toda a sua vida religiosa, do progresso espiritual e intelectual de seus diocesanos.
Empreendeu várias obras para a maior glória de Deus e o engrandecimento da Santa Igreja. Trabalhou pela manutenção do seminário e abertura de novos colégios em sua diocese, incentivou e promoveu obras sociais de assistência aos doentes, velhos e à infância desvalida, organizou o patrimônio das igrejas, empreendeu veementes esforços para regularizar a administração do Santuário de Congonhas, dedicou-se à criação de novas dioceses. Suas Cartas Pastorais e visitas às freguesias fomentaram a piedade dos católicos, animaram o clero no ministério sacerdotal (não obstante as ovelhas arredias, as quais, muitas, retornaram ao rebanho) e transpuseram as alterosas de Minas, tornando-o conhecido além delas. Dom Silvério granjeou a admiração de quantos o conheceram, tornando-se amado e venerado por todos. Foi ele quem abriu o processo de beatificação de seu predecessor e protetor, Dom Viçoso.
Como reconhecimento de suas virtudes, o Imperador Dom Pedro II concedeu-lhe, quando ainda era Vigário Geral da Diocese, as comendas da Ordem de Cristo, em 1881, e Ordem da Rosa, em 1889. Recebeu o título de Conde Palatino, Assistente ao Sólio Pontifício, concedido pelo Papa, e a Comenda da Ordem da Coroa, em 1920, por benevolência do Rei da Bélgica, em gratidão ao auxílio que o arcebispo mandou àquele reino, por ocasião da Primeira Guerra. Membro correspondente da Academia Filosófica de Santo Tomaz de Aquino, em Roma, por seus conhecimentos filosóficos, foi eleito membro efetivo da Academia Brasileira de Letras, em 1919, recebido no ano seguinte, pelo Conde Carlos de Laet, ocupando a cadeira 19.
A personalidade literária de Dom Silvério ficou marcada por seus livros e cartas pastorais, gozando o arcebispo acadêmico da fama de poliglota, conhecedor que era do latim, grego, hebraico, além das línguas vivas que usava correntemente. Publicou poesias em latim. Sua obra maior é a “Vida de Dom Viçoso”, relatando, com muita unção e pureza literária, a vida daquele que foi, sem dúvida, seu maior benfeitor. Como jornalista, o arcebispo fundou e dirigiu, em Mariana, o “Bom Ladrão”, “O Viçoso”, “O Dom Viçoso”, editados sob sua orientação e dirigidos pelos padres José Severiano de Resende, um dos maiores intelectuais que Minas conheceu, e Luís Espechit. Os versos latinos, as cartas pastorais e os artigos na imprensa granjearam-lhe fama, sendo comparado ao Padre Manuel Bernardes e a Frei Luís de Sousa. E foi esse renome que o levou à Academia Brasileira de Letras.
Dom Silvério morreu em Mariana, a 30 de agosto de 1922, sendo enterrado na Sé.
Após sua morte, foi eleito Vigário Capitular da Arquidiocese o arcebispo titular de Beirute e seu auxiliar, Dom Antônio Augusto de Assis. A 23 de fevereiro daquele ano, o arcebispo de São Luiz do Maranhão, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, havia sido transferido para a Igreja Titular de Verissa e eleito auxiliar, com direito a sucessão, do arcebispo de Mariana, mas, como não havia tomado posse ainda, teve que esperar novas bulas da Santa Sé, que só foram despachadas a 10 de novembro de 1922. Dom Helvécio tomou posse por seu procurador, o Vigário Capitular, a 26 de novembro de 1922, e no mesmo dia fez sua entrada solene na Catedral.
O segundo arcebispo chegou à Mariana com fama de “progressista”. Lima Júnior descreve interessante episódio, nas páginas de um romance em que relata costumes da Cidade-Mãe, sobre a chegada de Dom Helvécio. Havia uma tradição, dos tempos do primeiro bispo, Dom Frei Manuel da Cruz, sobre a entrada do bispo na cidade de Mariana. Eram cerimônias revestidas de grande brilhantismo, além do que prescrevia o Pontifical Romano, como que revivendo os faustuosos dias em que se ergueu o Áureo Trono Episcopal nas Minas Gerais. Porém, mesmo contrariando o Cabido, arriscando uma querela com aquela egrégia instituição, Dom Helvécio não aceitou o ultrapassado cerimonial. Chegou a Mariana pelos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil, paramentou-se na sala do chefe da Estação e rumou, em solene préstito, à Sé, onde foi entronizado.
O temperamento aparentemente reacionário do prelado capixaba, nascido em Anchieta (ES), em 1876, formado pelos padres salesianos, gozava de um espírito empreendedor. Instituiu associações para trabalharem em prol das vocações sacerdotais e religiosas, fundou colégios e hospitais em várias cidades, promoveu a vinda de congregações religiosas para a arquidiocese, reorganizou a administração pastoral e financeira da arquidiocese, criou as foranias eclesiásticas, construiu o prédio do Seminário Maior São José e um novo Palácio Arquiepiscopal, denominando-o Vila Getsêmani; concluiu as obras da Igreja de São Pedro dos Clérigos, onde instalou o Museu de Arte Sacra; transferiu a Câmara Eclesiástica, que se encontrava mal acomodada no velho palácio, para a Casa Capitular, doada pelo Cabido à Mitra, entre outras significativas melhorias.
Burlescas e más lembranças, fomentadas por um espírito anticlerical (antagonicamente até mesmo pelo clero), intentam, debalde, conspurcar a memória do insigne arcebispo que tantos benefícios proporcionou à Igreja Particular de Mariana e a Minas, como a expansão industrial na zona metalúrgica, incentivada e aplaudida por Dom Helvécio.
Por ocasião de seu Jubileu de Prata sacerdotal, a 18 de agosto de 1926, o Papa Pio XI concedeu-lhe o título de Conde, elevado à dignidade de Assistente ao Sólio Pontifício.
Uma enfermidade que o acompanhou por muitos anos tentou privá-lo de seu múnus, ante o que foi-lhe concedido um bispo auxiliar, em 1947, sendo eleito o Padre Daniel Tavares Baeta Neves, que já trabalhava como seu secretário. Dom Daniel exerceu o seu ministério, ao lado do amado arcebispo, “cor unum et anima una” – como era o seu lema, até 1958, quando se transferiu para a Diocese de Januária. Para substituí-lo, foi removido da Diocese de Pouso Alegre (MG), como bispo auxiliar com direito a sucessão, Dom Oscar de Oliveira, assumindo o arcebispado após o falecimento de Dom Helvécio, a 25 de abril de 1960.
Nascido em Entre Rios de Minas (MG), em 1912, e formado no Seminário de Mariana, Dom Oscar conhecia bem o seu presbitério; fora cura da Catedral e professor no Seminário Maior. Seu governo iniciou-se em um momento de graves transformações, em decorrência do Concílio Ecumênico, crises políticas no país e alterações comportamentais. Contudo, nada disso prejudicou o seu ministério e, quando tentaram impor-lhe alguma pecha que não condizia com sua conduta, logo se via nele o lídimo sucessor dos Apóstolos, primando pela missão de conduzir sua Igreja Particular à unidade com a Igreja Católica, constituindo um só rebanho e um só pastor a caminho da Jerusalém Celeste.
Assim como os seus predecessores, zelou pelos seminários e fomentou a Obra das Vocações Sacerdotais. Preparou a criação de duas novas dioceses e erigiu novas paróquias. Construiu um outro prédio para o Seminário Menor, escolas, faculdades e hospitais. Na Sé, reuniu os restos mortais dos bispos de Mariana na cripta que fez construir no subsolo do templo e conseguiu a restauração do bicentenário órgão de tubos. Cuidou do acervo histórico da arquidiocese, alertando sobre sua importância e orientando sobre a sua preservação, abriu museus, organizou o arquivo eclesiástico, reunindo na Cúria os livros de registros paroquiais, evitando que desaparecessem. Dispensou especial atenção aos veículos de comunicação, como auxiliares no processo de evangelização, através da Rádio Difusora de Congonhas e do jornal “O Arquidiocesano”. Escritor apreciado e sensível poeta, publicou diversos livros, além de artigos em jornais e revistas. Foi recebido pela Academia Mineira de Letras e pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Instituto Histórico de Minas Gerais e de São Paulo, além de outras instituições congêneres.
Cumprindo a uma disposição canônica, Dom Oscar renunciou ao governo da arquidiocese, ao completar 75 anos de idade, sendo substituído por Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, que tomou posse a 28 de maio de 1988. Dom Oscar retirou-se para sua terra natal, onde faleceu a 24 de fevereiro de 1997.
Nascido em tradicional berço carioca, que remonta famílias aristocráticas nordestinas, a 5 de outubro de 1930, desde cedo Dom Luciano mostrou-se determinado em seus propósitos e um deles, tão logo gozou do uso da razão, foi o de ser padre. Para isso, além da graça divina, contribuiu deveras a formação religiosa que lhe legaram os seus pais, Cândido Mendes de Almeida e Emília Mello Vieira Mendes de Almeida, proporcionando-lhe boa educação em colégios católicos, até que ingressou na venerável Companhia de Jesus. Determinara ser mais um soldado na legião aliciado por Santo Inácio de Loiola, sedento por tudo fazer para a maior glória de Deus e salvação das almas.
Durante sua formação sacerdotal, sem tardança se notaram suas capacidades intelectuais, despontando-se como primoroso filósofo, seguindo, então, para a Cidade Eterna onde prosseguiu seus estudos, ordenou-se presbítero, doutorou-se e retornou ao Brasil, já após o Concílio Vaticano II, sendo designado à formação de religiosos no escolasticado da Companhia de Jesus. Muito sensível às necessidades humanas, logo se compadeceu pela situação de muitos que se lhe apresentavam carentes de assistência espiritual e material, quando não pôde deixar de atender a esse apelo que o inseriu entre aqueles que optaram pelos pobres.
A partir daí, envolveu-se com as organizações de classes, as CEBs, não se deteve ante questões políticas (quando o país vivia sob a austeridade de um governo militar) e acabou junto ao episcopado, emprestando seu brilho àquela instituição. E foi lá, na CNBB, que o Papa Paulo VI o resgatou para o múnus episcopal, em 1976, designando-o auxiliar do arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, com quem trabalhou até sua nomeação para o arcebispado de Mariana. Enquanto isso, ocupou cargos de relevo na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e na Conferência Episcopal Latino-americana, além de membro do Pontifício Conselho Justiça e Paz e do Conselho da Secretaria do Sínodo dos Bispos.
Como arcebispo primaz de Minas, Dom Luciano deu um novo impulso pastoral, organizando a arquidiocese em cinco regiões, promovendo assembléias, reestruturação dos conselhos arquidiocesanos e dos seminários, elaboração de planos de evangelização, investimento na expansão do setor de comunicação e nas obras sociais, sem se esquecer da necessidade de preservação do patrimônio histórico e cultural que se encontra sob a tutela da Igreja, guiando o seu rebanho como um fanal, predito por seu antecessor no dia de sua posse: “Vem ele iluminar do cimo destas altaneiras montanhas com a Luz de Cristo, Cristo Luz do Mundo”.
Esses são os preclaros antístites que dignificam a descendência apostólica dos primeiros príncipes da Igreja, dando mostras de denodada dedicação ao múnus episcopal que lhes foi confiado à frente da arquidiocese-mãe de Minas, glória fúlgida da Esposa Imaculada de Cristo.
27/04/2006