quinta-feira, setembro 25, 2008

Não matarás

A legislação divina, em seu quinto artigo, veda ao homem ofender a existência em geral, seja da própria vida ou a de outrem, neste caso a dupla vida, do corpo e da alma: "Não matarás" (Dt 5,17). Mas um outro mandamento vem de encontro a esse, o oitavo: "Não dirás falso testemunho contra o teu próximo" (Dt 5,20). O primeiro sentido, claro, é o de não proceder a depoimento falso, mentiroso. Todavia, numa interpretação larga do artigo analisa-se a mentira, a difamação e a injúria. A que fere deveras mortalmente talvez seja a difamação, prejudicando, injustamente, a reputação do próximo, tendo como arma a língua; como projétil o verbo.

Os meios que o difamador lança mão para alcançar seus fins são a calúnia, a maledicência ou murmuração e a delação, em benefício de interesses mesquinhos ou pela simples satisfação de ferir a fama alheia. - Quantas pessoas são, por isso, prejudicadas, quantas honras maculadas, quantos corpos enfermos e quantas almas feridas pelo veneno desses "diabolos"! Por mais que insistam em justificar seus atos, jamais deixarão de ser assassinos morais, pois as conseqüências de suas atitudes são sempre más.

Na hierarquia dos difamadores há os insignificantes, a quem pouco crédito se dá, pois não gozam de uma reputação capaz de endossar suas atitudes. Os conspícuos, morigerados e reservados, por sua vez, são perigosos, valendo-se de um falso prestígio para que suas palavras causem impressão. Porém, os piores de todos são os que denominaríamos "fariseus hodiernos": pérfidos cristãos, mostrando-se tementes a Deus e sinceros, enquanto, na verdade, não passam de celerados, promotores da discórdia, assassinos de almas; pena esquecerem-se da admoestação evangélica: "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus" (Mt 7,21). Quanto a eles, julgarem-se sinceros é um desrespeito aos probos e cultos, pois a sinceridade só vale se amparada na caridade, e esta virtude a desconhece essa corja de difamadores.

O homem deve, sim, falar sempre a verdade, mas não todas as verdades - isto é um princípio moral, o que não quer dizer que deva mentir. A sinceridade manda pensar tudo o que se irá dizer, e não dizer tudo o que se pensa. A discrição manda calar o que não é oportuno, manda ponderar as palavras e silenciar os segredos. A sinceridade e discrição são duas virtudes preciosíssimas por igual. Se fossem abstraídas pelos difamadores de plantão, semeadores da discórdia, talvez a sociedade seria mais justa e fraterna.

sexta-feira, setembro 19, 2008

A origem das espécies

Foi anunciada, na última semana, a realização de um congresso, no Vaticano, em março de 2009, sobre “Evolução biológica: factos e teorias”. A proposta é debater com especialistas em paleontologia, biologia molecular, antropologia cultural, filosofia e teologia, católicos e não católicos, que fé e a teoria da evolução não são incompatíveis. Será uma abordagem crítica da obra de Charles Darwin, 50 anos depois da publicação de “A Origem das Espécies”, aprofundando o tema de um modo interdisciplinar.
Questões relativas à polêmica teoria da evolução de Darwin tem sido, sempre, evocadas pelo Santo Padre. Na celebração da Santa Missa que inaugurou o seu pontificado, em abril de 2005, o Bispo de Roma já alertava que não sermos o produto casual e sem sentido da evolução, mas “fruto de um pensamento de Deus”, afirmou. E há pouco, durante sua visita à França, em exortação aos intelectuais da Filha Dileta da Igreja, o Papa indicou que “na origem de todas as coisas não deve ser colocada a irracionalidade, mas a razão criativa; não o acaso cego, mas a liberdade”.
Aporias existentes, tanto pela complexidade da teoria, quanto pelas divergências ideológicas e científicas, é que sugerem essa aproximação dos contraditores – daí serem convidados católicos e não católicos. O discernimento da racionalidade polimórfica que, desviada do reto sentido cristão, perde-se na sujeição a inflexões absurdas, decorrentes de um desordenamento intelectual ou até mesmo da soberba de querer ser como deuses, autores da criação de novos conceitos, independentes de algum comprometimento teológico, principalmente, senão presos à ambição somente de seu ego, muito mais do que um ateísmo, um antiteísmo.
Uma interpretação exegética da Bíblia um tanto fabulosa, ou decorrente das limitações de antanho, em todos os sentidos, é que provavelmente tenha possibilitado o desenvolvimento de teorias que se precipitaram em absurdos. Sobre isso, basta atentar para o trabalho das comissões bíblicas, desde os tempos de São Pio X, até hoje, e se apreenderá uma evolução bem mais clara, sadia, definida da caminhada do homem, desde a sua criação, tendo Deus com princípio, motivo e fim último. Compreender-se-á, então, pela fé, que a Criação “é o ato pelo qual Deus, do nada, deu e mantém a existência de tudo quanto existe”.

sexta-feira, setembro 12, 2008

Emancipando-se

No próximo dia 19 de setembro, Conselheiro Lafaiete comemora seus 218 anos de emancipação política. Em meio às festas que marcam a efeméride que sugere a conquistada de liberdade e autonomia administrativa, cabe uma reflexão sobre o destino do antigo Arraial dos Carijós. Essa emancipação não se restringe àquele instante histórico, cristalizado no nostálgico 1790, em que se concretizou o sonho do povo de Carijós, quando se erigiu a Real Vila de Queluz. Todo o aparato formal, a presença do governador general Visconde de Barbacena e da nobreza, assistidos pelo povo na instalação do Senado da Câmara, foi como que o descortinar do porvir do que viria ser a heróica Cidade de Queluz, a pujante Conselheiro Lafaiete.

Mas esse olhar que nos lançaram nossos antepassados depositou uma grave responsabilidade sobre sua posteridade. Aquela emancipação da Vila de São José, distante tantas léguas, cujos governantes se esqueciam das necessidades de Carijós, enxergando-o apenas como um arraial distante, sem possibilidades de progresso, em decorrência de suas pobres fontes de subsistência, “banhado por um rio de águas sujas” – como alegaram os membros do Senado daquela Vila, aquela emancipação, mais do que ser comemorada, deve ser reafirmada a cada dia por todos os lafaietenses. Essa emancipação sugere, além do sentido de liberdade, a interpretação de um comprometimento com o desenvolvimento; se não fosse essa perspectiva, Queluz não se teria elevado.

O momento torna-se, por isso, muito oportuno. Enquanto candidatos a prefeito e a vereadores peregrinam pela cidade em busca de votos, devem os lafaietenses observar bem o que eles propõem para assegurar a emancipação do município. A emancipação política, elegendo cidadãos e cidadãs probos, capazes de honrar o mandato que lhes for confiado; emancipação da educação e da cultura, discernindo bem o potencial dos valores locais e mobilizando-os; emancipação da saúde, garantindo atendimento eficiente e a contento dos munícipes; emancipação comercial e industrial, proporcionando estrutura adequada para essa que é a principal fonte de renda do município; emancipação dos direitos dos cidadãos, assegurando-lhes segurança e promovendo a ordem pública. Assim, os lafaietenses, muito mais do que comemorar uma data histórica, estarão festejando sua constante emancipação.

Feriados

Os feriados são os dias do ano, geralmente, mais aguardados. Podem não ter nada de diferente, mas a expectativa de um dia a mais de descanso (quando caem na segunda ou na sexta-feira), ou uma “quebra” na rotina da semana (na quarta-feira, por exemplo), que talvez seja o motivo a incitar os mandriões, atalaias do descanso. A origem desse dia de descanso é, antes, na sua dedicação a algo; ou seja, interrompe-se o trabalho para, então, ocupar-se com algo específico. Os reis mandavam interromper os trabalhos para comemorar uma conquista, para festejar algum nascimento ou bodas na Casa Real, até mesmo a morte de um membro dela. Essa festa podia se estender por até uma semana, fosse com música e dança, ou com choro e cera. As solenidades religiosas também alcançaram, muitas, esse “privilégio”, mercê da religiosidade popular inflamada. São os conhecidos dias-santos (alguns canonicamente definidos “de guarda”).
Esse costume prevalece até hoje. O número dos dias santificados, no Brasil, foram reduzidos, tanto pela impossibilidade de tantos feriados ao longo do ano, quanto, até mesmo, para não criar polêmicas numa sociedade onde se admite a liberdade de culto religioso. Alguns, no entanto, foram mantidos, pela sua tradição e pela importância de seu reconhecimento. Alguns feriados de origem religiosa que ainda se mantêm são o de 1º de janeiro, Sexta-feira Santa, Corpus Christi, Natal e comemoração do santo padroeiro do município. Pode-se considerá-los como uma deferência dos legisladores para com os fiéis católicos, visto alguns países do Velho Mundo já não mais concedê-los todos, não obstante a maioria das pessoas não pararem o seu trabalho nesse dia para comemorar a data, seja ela cívica ou religiosa.
Em Conselheiro Lafaiete, dois feriados de origem católica constam do calendário municipal: o da solenidade do Sagrado Coração de Jesus e o de Nossa Senhora da Conceição. Este último é muito antigo, remonta aos tempos coloniais. O rei Dom João IV decretou, em 1648, consagrou o reino de Portugal a Nossa Senhora da Conceição, proclamando – antes mesmo da Igreja Católica - o dogma sacrossanto: “ex omni parte inculpata”, nos dizeres de São João Crisóstomo. Dom João V ordenou que se celebrasse a festa da Imaculada Conceição, a 8 de dezembro, “com grande pompa e respeito, comparecendo as vereanças e capitães-generais, bem como todas as Irmandades e Confrarias”. Em Lafaiete, portanto, desde os tempos de Carijós, essa solenidade revestiu-se de grande piedade e de manifestações de alegria, não apenas pela determinação régia, mas principalmente por ter a Virgem da Conceição como sua padroeira. O beato João XXIII, pelo Breve Apostólico “Instante”, de 2 de junho de 1961, declarou a Virgem da Conceição celeste e principal patrona da cidade e do município de Conselheiro Lafaiete e pelo Breve Apostólico “Quidquid ad pietatem”, de 17 de agosto de 1961, concedeu a imposição de uma coroa de ouro na sua imagem, o que ocorreu em 15 de agosto de 1963.
O motivo de abordar este tema hoje deve-se a uma infeliz proposta que teria sido feita a um dos candidatos a prefeito, durante um debate na última semana. Indagaram-no sobre a possibilidade de se extinguir o feriado de 8 de dezembro, para que não haja interrupção do comércio num momento tão promissor de vendas, com vistas ao Natal. A ingênua proposição tomara tenha sido tão simplesmente impensada. Caso contrário, seria muito triste constatar essa falta de respeito à liberdade de culto, uma ignorância das tradições históricas e até um maleável senso de desacato aos poderes constituídos. Felizmente, o inquirido descartou a sugestão prontamente.

sexta-feira, setembro 05, 2008

Religião nas escolas

A laicização do Estado e de toda a organização governamental é perniciosa à ordem social. Esse processo que vem se arrastando há mais de dois séculos, suscitado no Velho Mundo, conquistou simpatizantes no Brasil na segunda metade do século XIX. Disseminando-se por entre os meios intelectual e político, esse sistema ateu granjeia adeptos, impedindo o aprofundamento da fé, desorientando a conduta ética e moral. O ensino foi o principal alvo, privando as crianças do que o Papa Pio XII indicou ser a “pedagogia da fé” (encíclica “Mystici Corporis Christi”, 1943). No momento oportuno em que as condições da natureza humana são mais acessíveis para a assimilação da fé, por meio da participação da inteligência e da vontade de permitir a ação desse dom, tolhem os dotes naturais da necessidade imanente da busca de Deus.

A pedagogia moderna da educação não admite a observância de uma disciplina, seja ela física ou intelectual, com o pretexto de ser traumatizante para as crianças. Não vêem o mal que pode causar a flexibilização do ensino. Observa o biólogo Christian de Duve, Prêmio Nobel em 1974, que “não se pode aprender a pensar sem certo esforço, sem alguma medida coercitiva, imposta inicialmente pelo exterior, até que se tenha aprendido a ter a iniciativa do bem por si mesmo. (...) A meu ver, é daí que vem o irracional, essa fraqueza na utilização crítica da razão e a ausência de rigor no pensamento” (SALOMON, Michel, “L’Avenir de la Vie”, Paris, Seghers).

Para se chegar a Deus, além da graça, necessita-se da compreensão racional de sua existência. Isso somente o ensino religioso nas escolas poderá proporcionar de forma explícita e sistemática, como adverte o papa Paulo VI num de seus Documentos: “O ensino religioso, embora não se esgote nos cursos de religião integrados nos programas escolares, deve ser ministrado na escola de modo explícito e sistemático, a fim de que não se venha a criar na mente dos alunos um desequilíbrio entre a cultura geral e a cultura religiosa” (“Escola Apostólica”, 19/3/1977, cap. IV).

Interessantes essas duas condições indispensáveis que o Papa Montini aponta. O ensino explícito, ou seja, o ensino da religião com o intuito de se formar cristãos convictos, não uma reflexão das experiências de vida, ou sobre temas atuais e polêmicas questões sociais, muito menos introspecções filosóficas ou rudimentos morais e éticos. O ensino sistemático é para assegurar o seu desenvolvimento, uma seqüência pelos anos escolares que possibilitará o aprofundamento da compreensão sobre a existência de Deus e de Sua revelação, enquanto se vai avançando pela via espiritual.

“A escola sem Deus é um caminhar como o de alguém que perdeu o endereço da casa paterna. Será uma escola que não sabe responder a uma pergunta fundamental sobre si mesma: para que educar?”, assegura o pedagogo cristão Dom Lourenço de Almeida Prado – OSB. Esse é o vazio a que chega a pedagogia moderna, cujos acertos ainda são insuficientes para reparar o dano que o ateísmo sugerido tem causado às crianças e aos jovens.