domingo, março 25, 2007

A verdadeira filosofia

Mais uma vez, o Papa Bento XVI apontou o norte sobre a verdadeira filosofia, tão adversa em seus conceitos, em nossos dias, perdendo-se em devaneios de pensadores equivocados que, facilmente, se esquecem daqueles que retamente os precederam. E o Santo Padre, durante sua alocução na audiência pública da última quarta-feira, dia 20, indicou o cristianismo como a “verdadeira filosofia”, citando São Justino, um dos Padres da Igreja que viveu no segundo século.
Enquanto o mundo se rende ao relativismo, o Sumo Pontífice sugere uma aliança entre a fé e a razão – lembrando-se inclusive da magistral encíclica “Fides et Ratio” de seu predecessor, o Servo de Deus João Paulo II. O Papa discorre claramente sobre os laços existentes entre o cristianismo primitivo e a filosofia grega, contra os falsos mitos pagãos, daí citar São Justino, cuja figura e obra “marcam a opção decisiva da Igreja primitiva pela filosofia e não pela religião dos pagãos”, contra quem os primeiros cristãos recusaram qualquer compromisso.
No entanto, é interessante observar o quanto, em nossos dias, as pessoas – principalmente as que se apresentam como cristãs – facilmente se entregam aos falsos ídolos. O problema se agrava no momento em que, além de uma mera admiração, passa-se a proceder, a se conduzir, pelos moldes daquela falsa divindade que se mostra como protótipo de homem. E justamente esses são condenados por São Justino como “armadilhas diabólicas no caminho para a verdade". Ao contrário, a filosofia A filosofia representou "a área privilegiada de encontro entre paganismo, Judaísmo e Cristianismo", disse o Papa, concluindo que, “num tempo como o nosso, marcado pelo relativismo no debate sobre o valores e sobre a religião”, as lições de São Justino “não devem ser esquecidas”.
Quando escreveu a “Fides et Ratio”, em 1998, João Paulo II, abre sua encíclica definindo bem a correlação entre essas duas virutdes: “A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio”. A partir daí, pode o homem aprofundar-se no seu íntimo, vislumbrando nele a grandeza de Deus, sentindo a intervenção divina no caminhar da humanidade.

sexta-feira, março 16, 2007

Língua mater

Na exortação apostólica pós-sinodal "Sacramentum caritatis", o Papa Bento XVI deu um alento de vida à cultura eclesiástica. O Santo Padre pediu para que não se perca o uso do latim na liturgia, "particularmente quando delas participam fiéis de diferentes países e idiomas, hoje cada vez mais freqüentes".
Quando digo que sua declaração é um alento, deve-se à terrível perseguição empreendida contra a cultura religiosa, em todos os seus aspectos, pior ainda, dentro da própria Igreja, por pessoas certamente com pouca ou nenhuma formação humanista, imperceptível até ante a necessidade de um meio de comunicação que possibilite a convivência entre pessoas de nacionalidades diversas. Esses iconoclastas, geralmente inimigos ferozes do "capitalismo selvagem", antagonicamente preferem fortalecer o império norte-americano, optando pela língua inglesa. A perseguição ao latim tanto existiu, com grande influência ainda em nossos dias, que contam-se os poucos religiosos que tenham domínio da língua mater.
Essa realidade foi mais agressiva na América Latina. Por causa de uma necessidade pastoral, adotando o vernáculo nas celebrações, para melhor entendimento e participação dos fiéis, baniram o idioma de Cícero e de Virgílio, definitivamente, do curso eclesiástico e, nesse ínterim, também do currículo escolar. A isso seguiram-se, na Igreja, traduções ambíguas dos textos latinos, que até hoje estão sendo retificados; no Brasil, em particular, reformas ortográficas distanciando as palavras de suas referências etimológicas e de sua correlação com aquela que gerou o português, exaltado por Bilac como a "última flor do Lácio".
Ouvi de um sacerdote, certa vez, referindo-se às difíceis fases da manutenção da disciplina clerical ao longo da história, que "quando um padre cai, arrasta consigo uma multidão". Sem nos atermos ao mérito da afirmação, de fato, com a decadência cultural do clero, verificou-se uma dispersão e até desaparecimento de referências religiosas, consideradas por eles como "antigas", "ultrapassadas", "longe da realidade em que vivemos". Manifestações peculiares da fé popular, herança dos povos ibéricos, perderam-se pela simples vontade de que não se fizesse isso ou aquilo. A beleza do teatro eclesiástico a que se assistia nas cerimônias religiosas, tendo como pano de fundo a riqueza barroca de nossas igrejas, perdeu-se quase por completo; em muitos lugares, nem nos dias festivos. Isso porque, ao verem a miséria, debruçaram-se sobre ela, sem olhar para o alto.
O pedido do Santo Padre refere-se ao uso do latim na liturgia. Aliás, seus antecessores também o fizeram, desde Paulo VI. Mas a palavra de Bento XVI, pela sua posição firme quanto à ortodoxia da Igreja, ressoa com mais austeridade. Por isso, Deus permita, que o clero (a partir de seus formadores) busque associar aos estudos eclesiásticos a cultura humanista, o que incentivará sua busca na sociedade em geral, porque a Esposa Imaculada de Cristo ainda - como sempre o será - é um fanal a guiar a humanidade, padecente e pecadora, confortando-a com a sua doutrina e com a beleza da criação.

O Anticristo

Detive-me, outro dia, diante de um texto de um sacerdote católico, padre Castellani, respeitado pensador argentino, em que descreve o panorama em que surgiria o tão comentado Anticristo. O texto, publicado em 1953, nos apresenta situações que não nos são estranhas, pois parecemos vivê-las. Ei-lo:
“O Homem do Pecado tolerará e se aproveitará de um cristianismo adulterado... Imporá por todas as partes o reino da iniqüidade e da mentira, o governo puramente exterior e tirânico, a “liberdade” desenfreada dos prazeres e diversões, a exploração do homem; e seu modo de proceder hipócrita e sem misericórdia. Haverá em seu Reino uma estrondosa alegria falsa e exterior, cobrindo o mais profundo desespero.
Em seu tempo acontecerão os mais estranhos distúrbios cósmicos, como se os elementos se houvessem revoltado. A humanidade estará numa grande expectativa e reinará grande confusão e dissipação entre os homens. Rompidos os laços de família, de amizade, de lealdade e bom relacionamento, os homens não poderão confiar em ninguém, e correrá no mundo como um tremor frio, um universal e ímpio ‘salve-se quem puder’. Será atropelado o que há de mais sagrado e nenhuma palavra terá mais fé, nem pacto algum terá vigor, senão pela força. A caridade heróica de alguns fiéis, transformada em amizade até a morte, manterá no mundo ilhotas de fé; porém, mesmo ali, ela estará continuamente ameaçada pela traição e pela espionagem. Ser virtuoso será um castigo em si mesmo e como uma espécie de suicídio”.
Parece-me evidente que os processos políticos atuais geraram um mundo sem lideranças. Não há verdadeira liderança nos atuais países porque todo o jogo político local obedece a ordens que não entendemos nem ouvimos. E não há, também, uma liderança mundial, porque o lugar ainda está vago. Seria o lugar dele, do Anticristo? Quando este homem do pecado determinar que chegou a hora de aparecer, será certamente ovacionado por toda a humanidade, pois falará a mesma linguagem, terá o mesmo pensamento de todos. Sua ideologia, sua política, sua ciência, tudo corresponderá ao que os homens pensam e praticam já hoje. Daí temermos que o mundo esteja pronto.
Não estou aqui, qual pitonisa desvairada, a dizer que o fim do mundo está próximo, ou que o Anticristo seja tal ou tal pessoa. O que nos apresentam as linhas do padre Castellani é uma alerta para que nos conscientizemos do perigo que nos cerca. Impotentes que somos diante dessa situação, só nos resta suplicar a misericórdia divina e, antes que cedamos a alguma sedução do mal, pedir: “abi ira tua libera nos, Domine”.

Verdades à tona

Em meio a inúmeras publicações sensacionalistas, para não dizer falsas, tem aparecido boa cousa no mercado, não obstante, muitas vezes, nos seja difícil adquiri-los, em decorrência de uma tiragem reduzida que acaba se esgotando nos grandes centros, isso quando não ficam pela Europa e nenhuma editora daqui se interessa traduzi-la. E alguns temas têm surgido em boa hora, revendo certos momentos da vida dos homens e dos povos que servem como pistas deixadas nos caminhos para a História.
Assim aconteceu com mais uma publicação que, vindo de onde não se esperava, elucida a participação do Papa Pio XII (1939-1958) nas tratativas para conter a perseguição nazista. Ion Mihai Pacepa, antigo chefe da espionagem romena a serviço da KGB, é o autor de um artigo divulgado por uma revista norte-americana, fazendo revelações interessantes que inocentam o Eugenio Pacelli das acusações de conivência com o governo nazista. O trabalho de Mihai Pacepa torna-se mais uma pista, um marco, uma fonte que deverá estar presente, doravante, em toda publicação sobre as acusações sofridas por aquele lídimo Papa da Paz, depois de sua morte.
Todas as defesas escritas, fotos, documentos, com que se tentava convencer os homens de bem de que Pio XII nunca aceitara o Nazismo e nunca fora negligente para impedir o massacre dos judeus ficam como em segundo plano, diante da força do testemunho desse homem. Ion Mihai Pacepa esteve diretamente envolvido na falsificação dos documentos que produziram, em Moscou, a peça teatral "O Vigário", em 1963, que suscitou a difamação de Pio XII. Com suas revelações, agora não há mais como alguém manter as críticas a Pacelli sem aparecer como desinformado e atrasado. Mais uma vez, aparece o comunismo internacional como uma religião do inferno atacando à morte a única Religião verdadeira. Mais uma vez vemos a que ponto chegava a maldade e a mentira daqueles que eram apontados como os salvadores da humanidade, no entanto, nada mais foram do que exploradores e escravizadores dos homens.
Estas farsas conseguiram inculcar no consabido, na opinião pública, que só faz repetir como papagaios aquilo que é manipulado a partir dos centros de domínio da humanidade, que outrora passava por Moscou e hoje parte da ONU, do G8, da Bildeberg e de outras reuniões dos poderosos do planeta: é assim que vai-se perdendo a guerra na luta contra o aborto, obrigados a engolir uma moral anti-cristã, destruidora da família, dominados por um mundo pervertido, comandado pelas forças do mal. Contudo, às pessoas de bom senso, fica a certeza de que Nosso Senhor é quem nos trará a vitória, a seu tempo, se perseverarmos na vida da graça, na oração e no combate que nos é dado a pugnar.

Pena de morte

Propositalmente, deixamos passar o tempo para comentarmos a triste morte do pequenino João Hélio, no Rio de Janeiro, sob o olhar desesperado de sua mãe. Sua morte não é conseqüência, apenas, da violência de nossos dias; é mais uma reprise da matança dos inocentes que, desde os primeiros dias da era cristã, vem se repetindo por causa do interesse, do poder, da satisfação do mal, levando, enfim, à selvajaria social, à “globalização da barbárie”, como o senador Pedro Simon, do Rio Grande do Sul, denominou o momento que vivemos, em inflamado discurso, na tribuna do Senado.
O assassinato de uma criança de 6 anos chocou a Nação e a emoção causada trouxe à tona, em certos meios, o debate sobre a pena de morte. A mídia cuidou em divulgar o caso do menino João Hélio, mas quantos outros tantos sofrem, todos os dias, em casa, na sociedade, no seu íntimo? Quantos foram mortos de forma brutal e quantos se definham aos poucos, até não terem mais forças para o seu último suspiro? O caso de João Hélio foi um alerta à sociedade que, após um mês, já não se lembra tanto mais dele, senão sua mãe que afoga no âmago os mais sentidos suspiros de sua soledade.
Tomando a proposta de pena de morte para uma breve análise, há apenas um ponto de tangência com a ordem moral e que poderia ser assim formulado: na sua luta contra o crime, sobretudo quando o índice de criminalidade se acha em assustadora elevação, pode o Estado usar de meios mais enérgicos, inclusive da pena capital, para restaurar a tranqüilidade e a segurança pessoal no seio da sociedade? Não se pode aplicar uma pena tão severa, se não se deu à sociedade condições plenas para dela não necessitar, em hipótese alguma. As desordens morais, infelizmente, avistam-se nas esferas do poder, alimentando a indignação das classes mais baixas, que apelam pela irreverência e pela subversão.
Há uma responsabilidade muito grande em se aplicar a pena capital, senso, este, impossível de ser abstraído pelos atuais governantes, em quase todo o mundo. Pio XII, o lídimo Papa da Paz, em seus escritos insistiu diversas vezes contra a “liceidade da pena capital”. Não se pode, em nome de uma gelatinosa complacência com os perversos, desarmar e desproteger os inocentes, como tentam fazer algumas organizações; como disse o célebre Gustavo Corção certa vez: “eles realmente — esses amolecedores de tudo — não fazem a menor idéia do verdadeiro e infinito valor da vida humana”. Por outro lado, não se pode, muito menos, lançar mão de recursos extremos que, nas atuais circunstâncias, não fariam justiça.
Por isso, o martírio do pequeno João Hélio há de servir para alerta de nossa sociedade e de sufrágio pela conversão de tantos que semeiam o mal. Assim como Nosso Senhor, no alto do patíbulo, pediu a Deus que perdoasse os seus algozes, seria conveniente a sociedade, ao invés de bradar pela pena de morte, pedir a conversão de tantos criminosos, assim como Santa Catarina de Sena converteu o jovem Tuldo, na véspera de sua execução, e Santa Terezinha o famigerado Pranzini. Todos são chamados à conversão e podem ser instrumentos para a salvação do próximo, mais do que para a condenação.

Tradições religiosas da Semana Santa

Na contemplação da imagem do Cristo ensangüentado e com a cruz às costas, muitos corações endurecidos cedem à contrição
Minas Gerais é uma região rica em tradições religiosas. O destaque é para o Tempo da Quaresma, culminando com a Semana Maior, a Semana Santa. Em muitas cidades, ainda se conservam tradições que remontam ao oceano, trazidos pelos colonizadores. São atos de piedade, muitos deles paralitúrgicos, que sempre contribuíram para alimentar a fé, principalmente dos mais humildes. Apesar da investida bestial, inclusive de alguns membros do clero, contra esses costumes, muitos, por enquanto, conseguem assimilar a importância dessas solenidades, conservando-as e até restaurando-as, onde travou-se a batalha contra os valores culturais e contra a espiritualidade do povo humilde.
Mas não é a intenção deste artigo julgar ou questionar as atitudes dos outros, senão procurar entender todo esse aspecto religioso peculiar do qual se reveste este período, com maior fervor em determinadas localidades e cerimônias específicas. Genericamente, vive-se esta época em função da prática da meditação sobre a morte, humanamente entendida (e não teologicamente), às vezes até em prejuízo da celebração da redenção do homem, que culmina com a ressurreição de Cristo. Porém, deve-se observar que o ambiente e as prescrições religiosas levam a isso; o jejum, o recesso das festas (embora poucos observem, hoje, esse costume), o recolhimento a que os altares nas igrejas, revestidos de panos roxos, convidam, simbolizam o recato pela paixão e morte de Jesus e a admoestação para a prática de penitência, quando, então, o homem volta-se para o seu interior e, mirando o sofrimento do Cristo, enxerga a sua miséria.
É na contemplação da imagem do Redentor ensangüentado e com a cruz às costas que muitos corações endurecidos cedem à comiseração, reconhecendo, misteriosamente, as suas fraquezas e, penitente, põe-se a acompanhar aquele que como um titã, elevado sobre os ombros dos fiéis, avança pelo mar de pecadores que o acerca. É a procissão do Senhor dos Passos, um dos mais antigos costumes oriundos de Portugal, talvez a primeira cerimônia extra-litúrgica de que se tem notícia, antes de se começarem a realizar as procissões do encontro e do enterro. Em Lafaiete, acredita-se que em meados do século XVIII já se fazia a "Festa de Passos", promovida pela Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos, que funcionava na Matriz. A comemoração, em um dos domingos da Quaresma (portanto, antes da Semana Santa), constava de celebração da Santa Missa e procissão com a imagem do Senhor dos Passos, que percorria os passos (pequenos oratórios públicos), onde se fazia breve meditação sobre a Paixão. Esses passos se localizavam um no Largo da Matriz (onde hoje está o prédio da Escola de Música), outro na rua do Carmo (atual avenida Prefeito Mário Pereira, nas imediações do imóvel de número 97) e na rua Direita (atual rua Comendador Baêta Neves, nas proximidades do nº 241); não se sabe se teve mais algum passo, pois são sete os Passos da Paixão. Há referência, também, na última década do século XVIII, no livro de registros de casamentos da freguesia de Queluz, de uma ermida do Senhor dos Passos na Vila.
A imagem do Senhor dos Passos, da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, é uma autêntica peça do barroco mineiro. O artista plástico e restaurador Carlos Magno Araújo, que a restaurou há alguns anos, suspeita que ela seja obra de um santeiro que existiu na região de Ouro Preto, na primeira metade dos setecentos, dada a similitude com outras obras identificadas como sendo dessa oficina. A imagem em roca possui um semblante assaz expressivo, num misto de dor e de compaixão. No rosto, há indícios de que as gotas de sangue sejam rubi, algo pouco comum naquela época nesta região, com semelhantes casos apenas em Ouro Preto, São João del Rei e Sabará.
O fervor religioso, associado à figura do Senhor dos Passos, está intimamente ligado a promessas feitas em virtude de pestes e calamidades. Daí que, para além desta procissão, em períodos mais difíceis, como em tempos de seca ou de alguma epidemia, sua imagem era levada à rua, como forma de "aplacar" o que entendiam ser a ira divina. Todas estas manifestações têm uma carga simbólica acentuada. Na procissão do depósito, por exemplo, a imagem do Cristo ia velada, representando a passagem do Cenáculo para o Monte das Oliveiras, no silêncio da noite, quando a amargura pela hora que se aproxima rodeava o Divino Mestre; apenas quando o préstito chegava à igreja onde ficaria depositada a imagem até o momento da Procissão do Encontro, tirava-se o velário para a veneração dos fiéis. Quando começou a realizar o depósito, também, da imagem de Nossa Senhora das Dores, procedia-se da mesma forma.
A Procissão do Encontro, costume este que só foi introduzido em Minas no século XIX, ainda hoje continua a reunir milhares de pessoas que se reúnem para assistir a essa marcante cena da história da redenção: o instante em que o filho, a caminho da morte, se encontra com sua mãe. Toda a movimentação remete os espectadores a uma época que se confunde entre a veracidade dos tempos bíblicos e o teatralismo lúgubre, peculiar do barroco, como herança mística da Idade Média.
O préstito conduz o andor com a imagem do Senhor dos Passos. Por cinco vezes o cortejo é interrompido diante dos Passos (o total de sete passos conta-se com a igreja onde estava depositado e a outra onde será recolhido); ali se medita a Paixão, por meio da leitura de um texto ou o canto dos famosos "Motetos dos Passos"; aliás, a música sempre teve função relevante nas solenidades religiosas. Até há bem pouco tempo, cantavam-se os motetos de autoria de Antônio de Pádua Falcão, que viveu em Tiradentes (MG) entre os séculos XIX e XX, mas há referências de execução das peças do mineiro Manoel Dias de Oliveira em tempos remotos. Também, na região, compuseram músicas para essa ocasião os compositores João Horta, em Itaverava, e Arlindo Ramos, em Queluz. Em um desses passos da Paixão, a Verônica intervém no drama e, piedosa, apresenta o pano onde se estampara a face ensangüentada de Cristo, com o qual a limpara. Nesse momento, ela busca em Jeremias a expressão da sua dor: "Ó vós todos que passais por este caminho, atendei e vede se há dor igual à minha dor" (Lam 1,12).
No chamado Encontro, o sermão está relacionado com a comovente cena, cabendo ao orador, com sua retórica, arrancar a contrição de seus ouvintes, inspirados pela descrição daquele drama. Ao final, aproximam-se os andores; a imagem do Senhor dos Passos passa adiante e, como que desolada, conduzem a da Senhora das Dores por entre o povo até o Calvário.
Assim se faz(ia) em Minas, onde as montanhas são como expressões diversas da espiritualidade deste bom povo, sempre procurando aproximar-se mais do Céu.