sexta-feira, março 27, 2009

As crianças de hoje

Costuma-se ouvir: “No meu tempo as cousas eram diferentes!” Exclamação comum em diversas ocasiões. Não precisa ser do tempo do Onça para se notar as nuanças no trato, nos modos e na moda. Se por séculos as boas maneiras foram por muitos bem assimiladas e repassadas de pai para filho, nas últimas décadas essa capacidade pouco se a admite nas relações familiares, diretamente entre os varões e seus rebentos buliçosos, que logo querem se desprender da rama para, onde caírem, tentarem se enraizar e ter vida própria. Mais uma vez, deparamo-nos com o anseio por liberdade. O homem foi criado livre, é livre, mas não contenta com essa liberdade; quer sempre mais.

As crianças de hoje são bastante diferentes das de antanho. Talvez pelo excesso de informação que absorvem dos meios de comunicação, elas se intrometem nas palestras, sem nenhum pudor, nem temor de repreensão. Os temas preferidos são aqueles que, até há pouco, era “conversa de gente grande”. Esses são geralmente as mais observadas, ainda quando se trata da vida alheia, de futilidades mundanas, gostos e desgostos pessoais, enfim, nada mais profundo. Lamenta-se isso, pois ocupam-se com cousas pouco ou nada edificantes em detrimento da infância e da adolescência, quando o mundo vai se abrindo lentamente, num despertar rosicler da inocência encantada, delineando a realidade da existência nos vestíbulos da maturidade.

Aliás, exemplo de uma aparente maturidade precoce são os telefones móveis (celulares). A vontade de ter um é tamanha que até as fábricas de brinquedos já lançaram modelos que apitam, tocam músicas, fluorescentes, só não comunicam, motivo pelo qual não atrairam tanto os pequenos. Eles querem os aparelhos de ponta, que fotografam, filmam, armazenam, acessam e-mails e outros recursos tantos, além de sua finalidade primeira, que é falar com uma outra pessoa à distância. O que parece uma brincadeira ou um capricho pueril pode se tornar um risco medonho. Daí a importância dos pais reverem seus “métodos” para educar os filhos, sem tantos mimos, menos ainda condescendências inconvenientes aos jovens. Cada cousa a seu tempo.

Pode parecer uma objeção deste articulista à psicologia moderna. No entanto, é apenas um comentário sobre algo corriqueiro que se tem consentido às crianças e aos jovens, sem vislumbrar as conseqüências perniciosas, além de alguns benefícios. Antes de consentir as vontades deve-se dedicar à educação, formação e orientação dos pequenos e dos adolescentes sobre os cuidados necessários, sem ameaças fantasmagóricas, simplesmente atentando-os para a realidade em que se vive, seja ela social, cultural ou econômica. É apenas um modo de preparar melhor os filhos para o mundo que se move ao sabor da corrupção dos valores e dos avanços tecnológicos.

sexta-feira, março 20, 2009

Cultivando a paz

Como nos anos anteriores, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apresentou um tema muito atual como proposta de reflexão na Campanha da Fraternidade deste ano, durante a celebração litúrgica da Quaresma. Para se contrapor a uma realidade medonha e sem perspectiva, Isaías clama desde os tempos bíblicos que “a paz é fruto da justiça” (Is 32,17). Contrapõe-se, sim, pois o estado de segurança, sob todos os aspectos, já não é possível ser assimilado em sua lata abrangência. O estado de segurança já não se o vive, mas sim de insegurança na família, na sociedade, até nas convicções que se tornam tíbias e sem fundamento.
Quando se depara com o tema da Campanha – “Fraternidade e Segurança Pública” –, é possível que poucos, poucos mesmo, entendam todo o contexto em que se insere o objeto dessa reflexão. A segurança pública é muito mais do que uma instituição responsável por manter a ordem na sociedade. A segurança pública é algo que se começa a trabalhar em casa, no seio da família, numa convivência sadia, sem nenhuma forma de agressão verbal, nem física, devendo os pais assegurar um ambiente tranqüilo e edificante. A escola, por sua vez, seria uma colaboração preciosa nesse processo de formação e de conscientização fraterna e solidária. Assim, disseminar-se-iam os sólidos princípios e inconfundíveis conceitos que asseguram o discernimento comum dos lídimos valores em que se funda a civilização cristã. Mesmo parecendo uma utopia, nada custa-nos trabalhar – não sonhar – para que essa sociedade perfeita um dia se efetive.
Na atual circunstância, não se conquistará a paz imediatamente. Será um longo processo, porém é mister que se o inicie. Uma aparente estabilidade imposta à força de armas ou de intimidação diplomática não é um estado de paz. “O fruto da justiça é semeado em paz por aqueles que praticam a paz” (Tg 3,18), portanto, devem os governantes assegurá-la, dando condições de uma vida digna, com toda a assistência necessária para população, abrindo-lhes possibilidade de crescimento em todos os segmentos. Orientados sobre os perigos que corrompem a harmonia social, reflexo de um bem-estar pessoal que se repercutirá por todo o ser, influenciando uns aos outros, exalar-se-ão os sentimentos de amor inspirados pela graça, desenvolvendo a prática do perdão e da misericórdia.
Como tem alertado o papa Bento XVI insistentemente, somente uma humanidade em que reine a civilização do amor poderá gozar duma paz autêntica e duradoura. Portanto, cabe a cada um começar fazendo a sua parte, dominando seus instintos, orientando-se de acordo com os sólidos princípios cristãos, na solidariedade, no combate a tudo aquilo que corrompe o homem e o mundo. Aí, sim, estaremos avançando a passos largos rumo a um estado em que a paz deixará de ser inalcançável, mas sazonado fruto da justiça.

quinta-feira, março 12, 2009

Na luta pela existência

A ignorância das massas e o açoite despropositado da mídia conseguiram inverter os valores na polêmica sobre o aborto a que se submeteu uma menina de nove anos, em Pernambuco. Neste caso, apenas, é possível avaliar o nível de formação da população, indistintamente. Não importa, nesta observação, a classe social, o grau de instrução, muito menos a religião que se professa. Como que nas previsões apocalípticas, o mundo todo se revolve confuso e o certo passa a ser considerado errado e o detestável torna-se preferência comum.
Na beligerância que levantam as hostes desumanas, movidas por um execrável anticlericalismo, lançam mão de todas as armas para corromper a civilização cristã, promovendo a destruição do homem. Esse intento diabólico persegue aquele que foi criado à imagem e semelhança de Deus desde a criação, conforme narram as Sagradas Escrituras, com a queda pelo pecado original. Influências malignas sobre o livre arbítrio, dominando os instintos do homem, logram êxito sobre os tíbios, instigam os maus, sacrificam os inocentes, martirizando a graça constantemente concedida e pouco sentida.
A vida é muito mais que um organismo em harmonioso funcionamento; é graça, é missão, é o testemunho da existência de Deus, mavioso canto que exalta a obra da criação. Por isso buscam-se maneiras mil para corrompê-la, seja por meio de teorias confusas com argumentos imprecisos, no desrespeito à dignidade humana, na agressão física, na apologia ao aborto e à eutanásia (agora com a nova denominação de “suicídio assistido” nos Estados Unidos), enfim, todas as formas que violam o direito de existir.
No caso em epígrafe, causa-nos espécie concluir que a imbecilidade das pessoas é que as leva a se escandalizarem com o fato de não se ter aplicado [sic] as sanções da Igreja ao acusado do crime e tê-lo feito àqueles que consideram ter protegido [sic] a vítima. Ora, o hediondo ato per si já se condena; a aplicação da sanção foi, além de uma ratificação do público delito, a confirmação do posicionamento da Igreja Católica com relação à defesa da vida.
Não nos propusemos, nestas linhas, explicar, muito menos justificar, a atitude do Senhor Arcebispo de Olinda-Recife. Sua medida, endossada pela Santa Sé, e suas declarações já o fizeram claramente. “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mc 4,9) e que se posicione com as armaduras da fé e do temor de Deus, confiante na Sua proteção, para o grande combate contra todas as formas de violência que procuram atingir o homem, privando-o da graça e do dom da vida.

sexta-feira, março 06, 2009

Diante da evolução dos tempos

Enquanto me informo por meio do noticiário que na Cidade Eterna uma Conferência Internacional discute a “Evolução Biológica: Fatos e Teorias”, num estudo crítico sobre “A origem das espécies” de Darwin, 150 após sua publicação, entrego-me a devaneios sobre o mundo e o progresso célere que nos assusta a cada vez que acessamos um meio de comunicação. De repente, deparamo-nos até com uma nova interpretação de alguns membros da Igreja, buscando correlacionar a teoria do criacionismo (Deus, criador de todas as cousas, inclusive do homem) com a teoria do evolucionismo (uma mutabilidade progressiva das espécies, por meio da qual teria “surgido” o homem).
Não pretendo nestas poucas linhas tratar desse complexo tema; ele apenas foi motivo para que eu me entregasse, repentinamente, à percepção de um mundo que está se evoluindo assustadoramente. Ao mesmo tempo em que nos escandalizamos com algo, maravilhamo-nos por outro, num misto de escândalo e fascínio a confundir-nos, como se reportássemos à infância e a tudo nos entregássemos atentos e crentes. Talvez seja nostalgia de um tempo que passou sem que percebêssemos e agora sentimos seus reflexos no momento em que, parece-nos, não conseguimos acompanhar a evolução do mundo.
Treinados a um modo de vida plasmado dentro de concepções conservadores, por vezes retrógradas e obsoletas, um temor incontido nos sobressalta com o novo, ainda que distante, inalcançável, além dos nossos sentimentos, célere e multiplicador, manipulado pelas hipóteses científicas e coordenado pela precisão tecnológica. Enquanto observamos, estáticos, sua capacidade múltipla de articulação, delineia-se um monstro devorador ameaçando-nos. Pavor maior, quiçá, seja imaginá-lo solto por esse mundo, sem conseguirmos controlá-lo.
Nesse instante lembramos, então, que pode ser mais uma sinalização da possibilidade de uma criação divina que permite a evolução e a controla a seu modo e sapiência. Sentimo-nos ínfimos grãos de areia na imensidão do universo, presos a um tempo que se bate contra a eternidade, assim como, certamente, muito do que nos assusta também o seja... É quando se nos vislumbra, enfim, uma possibilidade de elevação e, sob um olhar sobrenatural, impulsiona-nos uma necessidade premente de buscar os valores espirituais. Passado e presente de repente se fundem, dissipam-se os fantasmas, evaporam-se os monstros, clareia-se o que era uma escuridão de dúvidas. Arriscamos dar passos mais seguros, avançamos na história, na confiança daquele que tudo pode e que nos fortalece. A propósito, vem-nos à mente singela quadrinha de Mário Quintana:
Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!