quinta-feira, abril 27, 2006

Os arcebispos de Mariana

Comemorando o centenário de sua elevação a Província Eclesiástica
1º de maio de 1906. Aos repiques festivos dos sinos da Sé Catedral da “urbs cellula mater” se uniam o bimbalhar das campanas das demais igrejas do bispado primaz das Gerais: o Santo Padre o Papa Pio X criara a Província Eclesiástica de Mariana, pelo decreto “Sempiternum Humani Generis” da Sagrada Congregação Consistorial.
Contava o Brasil com apenas duas arquidiocese – São Salvador da Bahia e São Sebastião do Rio de Janeiro, às quais se submetiam pouco mais de uma dezena de dioceses. Os distantes territórios dessas circunscrições eclesiásticas dificultavam, deveras, as ações pastorais necessárias para o progresso espiritual dos católicos e manutenção da disciplina.
A Diocese de Mariana, criada pelo papa filósofo Bento XIV, a 6 de dezembro de 1745, pela bula “Candor Lucis Æternæ”, com pouco mais de 40 freguesias, contava, no limiar do século XX, 300 paróquias e em torno de 500 sacerdotes. Novamente, assim como há 160 anos antes, dificultavam o governo diocesano os longínquos limites do bispado, favorecendo a dispersão do rebanho. Mas, nos primórdios da última centúria do segundo milênio da cristandade, a realidade da Igreja no Brasil era outra; não mais dependia das concessões do padroado; ao contrário, já lhe traçava suas metas. O episcopado começava a se relacionar mais proximamente, tendo se reunido pela primeira vez em 1890, preparando-se para o Sínodo Episcopal que se realizou em Mariana, em 1907, para as dioceses do Sul, e em 1911, na Bahia, para as dioceses do Norte. É nesse contexto que São Pio X cria a Arquidiocese de Mariana.
A Província Eclesiástica é um agrupamento de dioceses vizinhas, promovendo a ação pastoral comum dessas igrejas particulares, “de acordo com as circunstâncias de pessoas e lugares, e para se estimularem as relações dos Bispos diocesanos entre si” (cf. CIC cân. 431). Ao ser criada, a Arquidiocese de Mariana teve como sufragâneas as dioceses de Goiás, Diamantina e Pouso Alegre. Com o passar dos anos, outros bispados foram criados e lhos anexaram, como Uberaba e Campanha (1907), Araçuaí (1913), Porto Nacional (1915), Caratinga e Guaxupé (1916), Luz (1918), Belo Horizonte (1921), Juiz de Fora (1924), Leopoldina (1942), São João Del Rei (1960) e Itabira (1965), algumas destas passando à circunscrição de outras províncias eclesiásticas que também foram instituídas com o passar dos tempos. Atualmente, apenas Caratinga, Governador Valadares e Itabira/Coronel Fabriciano são suas sufragâneas.
Com a criação da Arquidiocese de Mariana, o então bispo Dom Silvério Gomes Pimenta, foi elevado à dignidade de arcebispo, pela bula “Cum nos alias”, de 6 de dezembro de 1906. A solene imposição do pálio (insígnia da plenitude do ofício episcopal) aconteceu durante as celebrações do Sínodo Episcopal, em Mariana, a 6 de agosto de 1907, pelo Emmº. Cardeal Arcoverde, arcebispo do Rio de Janeiro, durante cerimônia na mesma Sé onde, 159 antes, se erguera o áureo trono episcopal de Minas.
O primeiro arcebispo, Dom Silvério Gomes Pimenta, nasceu em Congonhas do Campo, a 12 de janeiro de 1840, filho de Antônio Alves Pimenta e Porcina Gomes de Araújo. Órfão de pai aos 9 anos, com cinco irmãos menores e sua mãe, passou sua infância em meio à privação, ao trabalho, às dificuldades decorrentes de sua cor parda e ao desejo de estudar, o que levou seu tio a matriculá-lo no Colégio Matosinhos, em sua terra natal, cursando latim, francês, filosofia e geografia, concluindo-os com notória competência. Sem condições para continuar os estudos, recorreu ao santo bispo de Mariana, Dom Antônio Ferreira Viçoso, que o atendeu, chamando-o ao Seminário, em 1855, e ordenando-o padre a 20 de julho de 1862. As virtudes do jovem sacerdote logo se tornaram conhecidas por todos, como lente dedicado no Seminário, pela sua atuação na imprensa e orador eloqüente. Com a morte de Dom Viçoso, em 1875, foi eleito Vigário Capitular, cujo governo provisório à frente da Diocese mereceu elogios do novo bispo, Dom Antônio Maria Corrêa de Sá e Benevides, de quem foi Vigário Geral e eleito bispo auxiliar em 1890, com o título de Câmaco. Dom Benevides morreu em 1896, sucedendo-o na cátedra marianense o pardo Dom Silvério. No entanto, o governo da Diocese já se encontrava em suas mãos desde que fora eleito bispo auxiliar. Dom Benevides, devido às agruras da enfermidade, constantemente se ausentava da sede do Bispado para ir se tratar na corte. A humildade, a sabedoria, a prudência, o patriotismo e o amor à Santa Igreja fizeram de Dom Silvério um grande homem, ilustre prelado, cidadão honrado, cultor das letras, sem se descuidar, durante toda a sua vida religiosa, do progresso espiritual e intelectual de seus diocesanos.
Empreendeu várias obras para a maior glória de Deus e o engrandecimento da Santa Igreja. Trabalhou pela manutenção do seminário e abertura de novos colégios em sua diocese, incentivou e promoveu obras sociais de assistência aos doentes, velhos e à infância desvalida, organizou o patrimônio das igrejas, empreendeu veementes esforços para regularizar a administração do Santuário de Congonhas, dedicou-se à criação de novas dioceses. Suas Cartas Pastorais e visitas às freguesias fomentaram a piedade dos católicos, animaram o clero no ministério sacerdotal (não obstante as ovelhas arredias, as quais, muitas, retornaram ao rebanho) e transpuseram as alterosas de Minas, tornando-o conhecido além delas. Dom Silvério granjeou a admiração de quantos o conheceram, tornando-se amado e venerado por todos. Foi ele quem abriu o processo de beatificação de seu predecessor e protetor, Dom Viçoso.
Como reconhecimento de suas virtudes, o Imperador Dom Pedro II concedeu-lhe, quando ainda era Vigário Geral da Diocese, as comendas da Ordem de Cristo, em 1881, e Ordem da Rosa, em 1889. Recebeu o título de Conde Palatino, Assistente ao Sólio Pontifício, concedido pelo Papa, e a Comenda da Ordem da Coroa, em 1920, por benevolência do Rei da Bélgica, em gratidão ao auxílio que o arcebispo mandou àquele reino, por ocasião da Primeira Guerra. Membro correspondente da Academia Filosófica de Santo Tomaz de Aquino, em Roma, por seus conhecimentos filosóficos, foi eleito membro efetivo da Academia Brasileira de Letras, em 1919, recebido no ano seguinte, pelo Conde Carlos de Laet, ocupando a cadeira 19.
A personalidade literária de Dom Silvério ficou marcada por seus livros e cartas pastorais, gozando o arcebispo acadêmico da fama de poliglota, conhecedor que era do latim, grego, hebraico, além das línguas vivas que usava correntemente. Publicou poesias em latim. Sua obra maior é a “Vida de Dom Viçoso”, relatando, com muita unção e pureza literária, a vida daquele que foi, sem dúvida, seu maior benfeitor. Como jornalista, o arcebispo fundou e dirigiu, em Mariana, o “Bom Ladrão”, “O Viçoso”, “O Dom Viçoso”, editados sob sua orientação e dirigidos pelos padres José Severiano de Resende, um dos maiores intelectuais que Minas conheceu, e Luís Espechit. Os versos latinos, as cartas pastorais e os artigos na imprensa granjearam-lhe fama, sendo comparado ao Padre Manuel Bernardes e a Frei Luís de Sousa. E foi esse renome que o levou à Academia Brasileira de Letras.
Dom Silvério morreu em Mariana, a 30 de agosto de 1922, sendo enterrado na Sé.
Após sua morte, foi eleito Vigário Capitular da Arquidiocese o arcebispo titular de Beirute e seu auxiliar, Dom Antônio Augusto de Assis. A 23 de fevereiro daquele ano, o arcebispo de São Luiz do Maranhão, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, havia sido transferido para a Igreja Titular de Verissa e eleito auxiliar, com direito a sucessão, do arcebispo de Mariana, mas, como não havia tomado posse ainda, teve que esperar novas bulas da Santa Sé, que só foram despachadas a 10 de novembro de 1922. Dom Helvécio tomou posse por seu procurador, o Vigário Capitular, a 26 de novembro de 1922, e no mesmo dia fez sua entrada solene na Catedral.
O segundo arcebispo chegou à Mariana com fama de “progressista”. Lima Júnior descreve interessante episódio, nas páginas de um romance em que relata costumes da Cidade-Mãe, sobre a chegada de Dom Helvécio. Havia uma tradição, dos tempos do primeiro bispo, Dom Frei Manuel da Cruz, sobre a entrada do bispo na cidade de Mariana. Eram cerimônias revestidas de grande brilhantismo, além do que prescrevia o Pontifical Romano, como que revivendo os faustuosos dias em que se ergueu o Áureo Trono Episcopal nas Minas Gerais. Porém, mesmo contrariando o Cabido, arriscando uma querela com aquela egrégia instituição, Dom Helvécio não aceitou o ultrapassado cerimonial. Chegou a Mariana pelos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil, paramentou-se na sala do chefe da Estação e rumou, em solene préstito, à Sé, onde foi entronizado.
O temperamento aparentemente reacionário do prelado capixaba, nascido em Anchieta (ES), em 1876, formado pelos padres salesianos, gozava de um espírito empreendedor. Instituiu associações para trabalharem em prol das vocações sacerdotais e religiosas, fundou colégios e hospitais em várias cidades, promoveu a vinda de congregações religiosas para a arquidiocese, reorganizou a administração pastoral e financeira da arquidiocese, criou as foranias eclesiásticas, construiu o prédio do Seminário Maior São José e um novo Palácio Arquiepiscopal, denominando-o Vila Getsêmani; concluiu as obras da Igreja de São Pedro dos Clérigos, onde instalou o Museu de Arte Sacra; transferiu a Câmara Eclesiástica, que se encontrava mal acomodada no velho palácio, para a Casa Capitular, doada pelo Cabido à Mitra, entre outras significativas melhorias.
Burlescas e más lembranças, fomentadas por um espírito anticlerical (antagonicamente até mesmo pelo clero), intentam, debalde, conspurcar a memória do insigne arcebispo que tantos benefícios proporcionou à Igreja Particular de Mariana e a Minas, como a expansão industrial na zona metalúrgica, incentivada e aplaudida por Dom Helvécio.
Por ocasião de seu Jubileu de Prata sacerdotal, a 18 de agosto de 1926, o Papa Pio XI concedeu-lhe o título de Conde, elevado à dignidade de Assistente ao Sólio Pontifício.
Uma enfermidade que o acompanhou por muitos anos tentou privá-lo de seu múnus, ante o que foi-lhe concedido um bispo auxiliar, em 1947, sendo eleito o Padre Daniel Tavares Baeta Neves, que já trabalhava como seu secretário. Dom Daniel exerceu o seu ministério, ao lado do amado arcebispo, “cor unum et anima una” – como era o seu lema, até 1958, quando se transferiu para a Diocese de Januária. Para substituí-lo, foi removido da Diocese de Pouso Alegre (MG), como bispo auxiliar com direito a sucessão, Dom Oscar de Oliveira, assumindo o arcebispado após o falecimento de Dom Helvécio, a 25 de abril de 1960.
Nascido em Entre Rios de Minas (MG), em 1912, e formado no Seminário de Mariana, Dom Oscar conhecia bem o seu presbitério; fora cura da Catedral e professor no Seminário Maior. Seu governo iniciou-se em um momento de graves transformações, em decorrência do Concílio Ecumênico, crises políticas no país e alterações comportamentais. Contudo, nada disso prejudicou o seu ministério e, quando tentaram impor-lhe alguma pecha que não condizia com sua conduta, logo se via nele o lídimo sucessor dos Apóstolos, primando pela missão de conduzir sua Igreja Particular à unidade com a Igreja Católica, constituindo um só rebanho e um só pastor a caminho da Jerusalém Celeste.
Assim como os seus predecessores, zelou pelos seminários e fomentou a Obra das Vocações Sacerdotais. Preparou a criação de duas novas dioceses e erigiu novas paróquias. Construiu um outro prédio para o Seminário Menor, escolas, faculdades e hospitais. Na Sé, reuniu os restos mortais dos bispos de Mariana na cripta que fez construir no subsolo do templo e conseguiu a restauração do bicentenário órgão de tubos. Cuidou do acervo histórico da arquidiocese, alertando sobre sua importância e orientando sobre a sua preservação, abriu museus, organizou o arquivo eclesiástico, reunindo na Cúria os livros de registros paroquiais, evitando que desaparecessem. Dispensou especial atenção aos veículos de comunicação, como auxiliares no processo de evangelização, através da Rádio Difusora de Congonhas e do jornal “O Arquidiocesano”. Escritor apreciado e sensível poeta, publicou diversos livros, além de artigos em jornais e revistas. Foi recebido pela Academia Mineira de Letras e pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Instituto Histórico de Minas Gerais e de São Paulo, além de outras instituições congêneres.
Cumprindo a uma disposição canônica, Dom Oscar renunciou ao governo da arquidiocese, ao completar 75 anos de idade, sendo substituído por Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, que tomou posse a 28 de maio de 1988. Dom Oscar retirou-se para sua terra natal, onde faleceu a 24 de fevereiro de 1997.
Nascido em tradicional berço carioca, que remonta famílias aristocráticas nordestinas, a 5 de outubro de 1930, desde cedo Dom Luciano mostrou-se determinado em seus propósitos e um deles, tão logo gozou do uso da razão, foi o de ser padre. Para isso, além da graça divina, contribuiu deveras a formação religiosa que lhe legaram os seus pais, Cândido Mendes de Almeida e Emília Mello Vieira Mendes de Almeida, proporcionando-lhe boa educação em colégios católicos, até que ingressou na venerável Companhia de Jesus. Determinara ser mais um soldado na legião aliciado por Santo Inácio de Loiola, sedento por tudo fazer para a maior glória de Deus e salvação das almas.
Durante sua formação sacerdotal, sem tardança se notaram suas capacidades intelectuais, despontando-se como primoroso filósofo, seguindo, então, para a Cidade Eterna onde prosseguiu seus estudos, ordenou-se presbítero, doutorou-se e retornou ao Brasil, já após o Concílio Vaticano II, sendo designado à formação de religiosos no escolasticado da Companhia de Jesus. Muito sensível às necessidades humanas, logo se compadeceu pela situação de muitos que se lhe apresentavam carentes de assistência espiritual e material, quando não pôde deixar de atender a esse apelo que o inseriu entre aqueles que optaram pelos pobres.
A partir daí, envolveu-se com as organizações de classes, as CEBs, não se deteve ante questões políticas (quando o país vivia sob a austeridade de um governo militar) e acabou junto ao episcopado, emprestando seu brilho àquela instituição. E foi lá, na CNBB, que o Papa Paulo VI o resgatou para o múnus episcopal, em 1976, designando-o auxiliar do arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, com quem trabalhou até sua nomeação para o arcebispado de Mariana. Enquanto isso, ocupou cargos de relevo na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e na Conferência Episcopal Latino-americana, além de membro do Pontifício Conselho Justiça e Paz e do Conselho da Secretaria do Sínodo dos Bispos.
Como arcebispo primaz de Minas, Dom Luciano deu um novo impulso pastoral, organizando a arquidiocese em cinco regiões, promovendo assembléias, reestruturação dos conselhos arquidiocesanos e dos seminários, elaboração de planos de evangelização, investimento na expansão do setor de comunicação e nas obras sociais, sem se esquecer da necessidade de preservação do patrimônio histórico e cultural que se encontra sob a tutela da Igreja, guiando o seu rebanho como um fanal, predito por seu antecessor no dia de sua posse: “Vem ele iluminar do cimo destas altaneiras montanhas com a Luz de Cristo, Cristo Luz do Mundo”.
Esses são os preclaros antístites que dignificam a descendência apostólica dos primeiros príncipes da Igreja, dando mostras de denodada dedicação ao múnus episcopal que lhes foi confiado à frente da arquidiocese-mãe de Minas, glória fúlgida da Esposa Imaculada de Cristo.
27/04/2006

Páscoa

A Santa Igreja se prepara hoje para a grande festa do cristianismo, a Páscoa, em que se conclui o mistério da Redenção. E para melhor celebrá-la, nesta noite se celebra a Vigília Pascal, na qual se convergem todas as celebrações da Semana Santa e, mais ainda, de todo o Ano Litúrgico. Lembrando a grande noite de vigília do povo hebreu no Egito, aguardando a hora da libertação (Ex 12), nela celebram os cristãos a sua própria redenção pelo mistério da Ressurreição de Cristo. Por ela se realiza a grande Páscoa ou Passagem da morte para a vida, ou do estado de perdição para o estado de salvação. É a vitória final de Deus, em Cristo, sobre o pecado, sobre o mal e sobre a própria morte. Na mística, os cristãos apropriam-se da graça desta passagem pelo Batismo, daí,a liturgia batismal nessa celebração.
Chamada pelo santo Bispo de Hipona como “a mãe de todas as vigílias”, a Vigília Pascal é uma soleníssima celebração, muito rica de simbolismo global e de símbolos particulares: as trevas, a luz, a água, o círio pascal, a cor alegre dos paramentos, a manifestação de alegria através do canto e do bimbalhar dos sinos. Integram-na quatro partes, que são a liturgia da luz, com a bênção do fogo novo; o rito da Palavra, quando se relata toda a história da redenção; a liturgia do batismo, com a bênção da água; e, por fim, a celebração eucarística.
Com Cristo ressuscitado, a Luz brilhou nas trevas. Daí a celebração do fogo novo, ou fogo virgem, com o qual se acende o círio pascal, que simboliza o Redentor, conduzido em procissão e diante do qual se canta o Precônio, anunciando solenemente a ressurreição. Todos são convidados a terem nas mãos velas acesas, imitando aqueles servos de que fala o Evangelho (Lc 12, 35-37), os quais esperam, vigilantes, o seu Senhor, que os fará sentar à sua mesa. No rito da Palavra, narram-se os gestos maravilhosos de Deus na história da salvação, desde a Criação do mundo até ao grande gesto da “Nova Criação”, pela ressurreição de Cristo, início e primícias de um mundo novo. As leituras são intercaladas por aclamações, a última das quais é o canto do “Aleluia”. Ao canto do Glória, os sinos, que se encontravam silenciados desde a Quinta-feira Santa, anunciam festivamente a vitória de Cristo.Outro momento importante da Vigília é a liturgia batismal, com o canto da Ladainha de Todos os Santos, bênção da água batismal e aspersão dos fiéis. Nessa ocasião, todos renovam as promessas do batismo, professando publicamente a sua fé. Finalmente, a celebração da Santa Missa, em que a participação de todos ao banquete eucarístico é a mais sincera oferta que se faz a Deus, de um coração puro e contrito, a regozijar pela vitória da Graça sobre o Pecado.
09/04/2006

O testamento e a malhação de Judas

Uma das manifestações populares lusitanas, que se inseriu no folclore brasileiro, é a Malhação de Judas, no Sábado de Aleluia. Judas, apóstolo traidor, cognominado Iscariotes por ser oriundo de Carioth, cidade ao sul de Judá, já um ano antes da Paixão de Jesus teria perdido a fé no Mestre, mas continuava a acompanhá-lo por comodidade e para ir furtando do que ofereciam aos apóstolos. Obcecado pelo dinheiro, antes de se afastar de Cristo, resolveu entender-se com os sinedritas - membros do Sinédrio, conselho supremo dos judeus. Judas assistiu ainda à última ceia, em que Jesus revelou a sua traição, mas foi logo ao encontro dos inimigos de Cristo para cumprir o que tinha combinado e receber 30 dinheiros. Consumada a traição, arrependeu-se, quis restituir o dinheiro, mas, repelido pelos sacerdotes, enforcou-se numa corda.
É a esse trágico fim que um costume originário da Península Ibérica foi radicado em toda a América Latina, desde os primeiros séculos da colonização européia. No Brasil, ilustra esse costume antigo o julgamento de Judas, sua condenação e execução. Antes do suplício, alguém lê o “testamento” do traidor de Jesus, escrito em versos, colocado especialmente no bolso do boneco. O testamento é uma sátira das pessoas e coisas locais, com graça oportuna e humorística para quem pode identificar as figuras alvejadas, em quadras simples, com uma rima fácil e compreensível. Existe, nessa representação, uma inter-relação entre o lúdico/profano e o sagrado, através do qual é possível compreender a aproximação entre o culto religioso e uma espécie de jogo, em que a criação cultural do homem se mistura com os aspectos sagrados por ele evocados.
Em Lafaiete esse costume remonta os tempos de Queluz, não obstante à reação do clero, chegando a ser proibida a queima do Judas, na década de 30 do século passado, julgando tratar-se de uma profanação a exploração de um motivo religioso por motivo de troça. Mas essa censura não perdurou muito, sendo restaurada essa expressão folclórica nas décadas que se seguiram. A escritora Lucy de Assis Silva, em seu recente livro sobre a Rua da Chapada – “Subindo e Descendo a Ladeira” – descreve a Quinta do Judas que era “armada” no Cabo Verde, junto à capela de Nossa Senhora da Paz. Na paróquia de São Sebastião ainda se conserva o costume da queima do Judas, após a cerimônia da Vigília Pascal, a vitória de Cristo sobre o mal, sobre o pecado, sobre a morte. O escritor Gilberto Victorino de Souza chegou a compor, em versos satíricos, o testamento do traidor, que era lido antes de sua queima, legando seus bens às pessoas envolvidas na organização da Semana Santa naquela comunidade.
Uma crônica publicada em um jornal do início do século passado, quando ainda se fazia a queima do Judas na paróquia da Conceição, relata que o encarregado, como nos anos anteriores, arrecadou a quantia necessária junto às pessoas e ao comércio local para que pudesse confeccionar o boneco que, cheio de pólvora, seria queimado após a Vigília. Terminado o ato religioso na Matriz, os fiéis se dirigiram ao Largo do Carmo, onde o famigerado personagem da História Sagrada seria executado. No entanto, lá chegando, só viram o poste ficando ao chão, onde deveria estar pendurado o boneco. Sem entender, alguns procuraram saber o que acontecera e onde estava o responsável, foi quando ele chegou, completamente embriagado; gastara todo o dinheiro entregando-se à sedução de Baco. Quando apontou na esquina da rua do Rosário, cambaleando, subiu a rua do Carmo e chegando ao largo em frente à igreja, deparando-se com as pessoas que aguardavam pela malhação de Judas, gritou: “Se querem queimar alguém, queimem aí o Dr. Fulano (referindo-se a um político local da época, que também aguardava pelo espetáculo), que é tão traidor, além de ladrão, quanto Judas”. Todos se retiraram, calados, como que consentindo...
E isso nos leva a lembrar os versos do celebrado poeta padre Antônio Tomas, acerca da festa da malhação do Judas:

“À sombra da folhagem verde e escura
De um galho preso em mastro levantado
Um Judas pelo vento balançado
Da forca pende, em cômica compostura.

E um bando em frente a exótica figura
Olha e, ao vê-lo em semelhante estado
E o vozeio do povo acelerado
Um bimbalhar dos sinos se mistura.

Eu fico um tanto a meditar e penso
Ante o festivo e insólido alvoroço
Que é falta de critério e de bom senso.

Uma tolice arrematada, enfim,
Tantos Judas havendo em carne e osso
Levar-se à forca um Judas de Capim.”

11/04/2006

Dissenso político

Há palavras que, pela força das coisas, são quase banidas do nosso vocabulário quotidiano. Uma delas é, seguramente, aquela que se insere no título desta crônica, talvez por ter se tornado ato comum na conduta e nas atitudes das pessoas e das instituições, desde há muito tempo. Passa-se, então, a exaltar com a astúcia de quem promove uma revolução ideológica na sociedade a propagação de seu antônimo – consenso, utilizando-o para quase todos os fins e nos mais variados contextos; consensos políticos, sociais, sindicais, consenso sobre tudo e mais alguma coisa. Isso porque o que lhes interessa é o relativismo dos princípios e dos valores, encontrando espaço para tudo e para todos, num mundo livre, igualitário e fraterno.
Não há mal nenhum as pessoas chegarem a “consensos”. Porém, à força de repeti-lo, esquecemo-nos que, antes dele, existe, ou deve existir, o “dissenso”. Ou seja, antes de posicionarmo-nos de acordo, deve-se, portanto, existir a discussão, o debate, a apresentação de idéias e de pontos de vista diferentes. Sem medo de sermos mirados de soslaio, como se fôssemos criminosos, devemos expor nossa forma de pensar – desde que seja coerente, sem permitir que nos tolham a razão e anestesiem a nossa capacidade crítica.
E é o consenso político que me leva a deixar correr a pena, atônito ante a situação acomodada do bem-estar do neoburguês brasileiro, em que a casa (comprada a crédito), o carro (adquirido às prestações) e o telefone celular (também possuído de forma facilitada) leva-o à modorra do comodismo, sobre um leito sustentado pela miséria social, e ao marasmo de uma sociedade sem horizontes. Os brasileiros não podem ficar continuamente tolhidos pelos consensos nacionais, avistando oásis de desenvolvimento e progresso, enquanto uma pequena classe se mantém ébria em sua riqueza efêmera, intocável, e um outro determinado grupo brinca de governar, como crianças que se arvoram aos “cuidados” da casa na ausência da mãe.Não se pode admitir a existência de sentimentos de acomodação. Há de se renovar, sempre, as energias, haurindo-as nos mananciais dos princípios éticos da política e da socialização, alicerçados nos valores mais intocáveis que dizem respeito ao homem. Que se levantem tantos dissensos quantos sejam necessários, para que a ordem e a segurança sejam restaurados no País. Que se propaguem e se discutam tantos dissensos quantos sejam necessários, para que a tal democracia seja praticada, o quanto possível, com a arregimentação de todos os brasileiros, indistintos de classes e opiniões, desde que o intento comum seja o de construir uma federação política e diplomaticamente forte. Que se imponham, se for preciso, goela abaixo desses pseudoliberais travestidos de marxistas que andam por aí, os consensos a que se chegarem pelos dissensos, para que a sociedade brasileira seja restaurada sob os princípios cristãos (como nascera à sombra da Santa Cruz), marchando, aí sim, rumo ao progresso, seguros no processo de desenvolvimento que fará do Brasil uma grande nação.
22/04/2006

Quando pensam que o errado que é o certo...

Causou um certo choque, principalmente aos católicos, o anúncio da intenção da “National Geographic” de publicar uma tradução, em vários idiomas, do evangelho apócrifo de Judas. O manuscrito de 31 páginas, escrito em copta, encontrado em Genebra (Suíça), em 1983, traz muitas controvérsias, crendo os sensacionalistas até darem uma nova versão à História Sagrada.
Antes de tudo, deve-se ter claro que se trata de um manuscrito apócrifo, ou seja, sem autenticidade comprovada; daí, sem nenhum valor doutrinário. Ele não é uma fonte de revelação divina, quando muito, um mero registro de época, onde despontam alguns indícios de correntes ideológicas diferentes (leia-se heresias), que sempre intentaram contra a lídima doutrina cristã. De acordo com o que foi divulgado pela Santa Sé, o texto parece estar datado entre os séculos IV e V, ou seja, cerca de 300 ou 400 anos depois da vida de Jesus. É impossível, portanto, que seja Judas seu autor direto, mas que pode se tratar de uma cópia do “Evangelho de Judas”, citado por Santo Irineu de Lyon no ano 180.
Os Evangelhos Apócrifos sempre foram rejeitados pela Igreja, desde os seus primórdios, por serem controversos entre si e com a fé; mas, nem por isso ela os ocultou ou negou a sua existência. Ao contrário, esses textos foram publicados e estão editados pelo mundo inteiro, como a célebre Biblioteca de Autores Cristãos (BAC), no Reino da Espanha. Eles não são reconhecidos como inspirados por Deus porque simplesmente buscavam satisfazer a curiosidade de alguns ou continham lendas fantasiosas com respeito a Jesus, ou explicavam opiniões particulares de alguns grupos religiosos acerca de Cristo. Não buscavam a verdade mais profunda sobre Deus e sua obra salvadora.
Pelo teor do documento, supõe-se ter ele sido redigido pela seita gnóstica dos cainitas, apresentando Judas Iscariotes de uma maneira positiva, como uma personagem que só obedeceu a uma suposta ordem divina de entregar Jesus para que pudesse cumprir-se a obra de salvação. Isso vai de encontro ao pensamento gnóstico, de que Deus quer o mal no mundo e por isso se explica a ação dos homens maus, como Caim e Judas; ao contrário da doutrina cristã, de que a maldade nasce a partir do mau exercício do livre-arbítrio com o qual Deus nos criou, por respeitar sempre nossa liberdade. Ora, o Criador conhece todas as nossas intenções, inclusive os erros, pecados e decisões equivocadas. Às vezes se vale delas, sim, para obter um bem em seu plano providencial para o homem, mas nunca as promoveria, como acreditavam os cainitas. Os gnósticos pretendiam que a salvação fosse obtida só pelo conhecimento que temos de Deus, não por obra do amor e da misericórdia de Deus, que enviou seu Filho Jesus ao mundo.
Sem um claro discernimento, facilmente cede-se a essas proposições heréticas, que remontam há mais de dois milênios. É preciso, por isso, entender o papel e a pessoa de Judas Iscariotes e daí entender sua missão. Judas foi, como todos os demais seres humanos, um homem criado com o atributo do livre-arbítrio e ele usou de sua liberdade para fazer o mal. O fato do desígnio divino de que Jesus deveria morrer pela redenção da humanidade, não justifica dizer que Deus permitiu a Judas cair no mal e se obrigar a cumprir um roteiro histórico já determinado. Essa interpretação seria concordar com uma opção fatalista da qual não podia se subtrair de nenhuma maneira; senão, aliás, teria nascido com o selo de uma condenação fatal. Quanto ao que se sucedeu ao traidor de Cristo, em seguida à sua prisão, só Deus conhece. Qualquer ser humano pode arrepender-se de seus pecados e erros no último momento de sua existência terrena. O drama de Judas, mais que a gravidade de seu pecado em si, foi sua falta de esperança, o fato de fechar-se em si mesmo, em vez de reconhecer sua falta, chorar seu pecado e voltar ao amor de Deus, como o fez, por exemplo, São Pedro, após ter negado o Divino Mestre.
O fato de o anúncio de um Evangelho escrito por Judas Iscariotes despertar a curiosidade das pessoas, trata-se de uma curiosidade, por parte de alguns, e disposição para um combate anticristão, por parte de outros. Rasgos de simpatia pela figura de Judas pôde ser observada há cerca de 3 décadas, quando foi lançado o musical “Jesus Cristo Super Star”, buscando proporcionar àquela figura histórica um êxito midiático e comercial, numa perspectiva sociológica, comunicacional ou da própria psicologia humana.

Verdade histórica
Só os Evangelhos são considerados como obras inspiradas por Deus e se lhes reconhece uma autoridade especial, além de referência histórica. Os textos de São Marcos, São Mateus, São Lucas e São João são livros canônicos reconhecidos desde os inícios do cristianismo. Seu mérito consiste em sua antiguidade, na autoridade de quem os redigiu e que seus escritos baseiam-se no depoimento de testemunhas diretas de sua obra; testemunhas de seu ensinamento, seus milagres, a condenação, a morte, a sepultura e a própria ressurreição de Jesus. Quanto mais tardios forem alguns escritos, mais duvidosa se torna a autenticidade e fidelidade da transmissão desses fatos até nossos dias. O Novo Testamento em seu conjunto reflete a plena segurança nesta autenticidade e fidelidade. Já o Evangelho de Judas se apresenta sensacionalista e a suposta revelação de dados contradiz o essencial da fé em Jesus Cristo, tema de todos os tempos, não só de agora.
Hoje se fala nos supostos textos de Judas, amanhã se falará em Melécio e Ário; depois proporão a canonização de Lutero e, daqui a séculos, quiçá, de um Boff e Companheiros... Todos com o mesmo valor que tem o Evangelho de Judas: mera especulação. Seguir-se-ão outros tantos textos, em outras descobertas, fantasias ou opiniões particulares de grupos sectários. No entanto, permanecerá indelével a Palavra de Jesus Cristo, o Redentor e Salvador da humanidade, lídimo motivo de uma “profunda fascinação”, inclusive para aqueles que não crêem n’Ele, rejeitam-no ou tentam desprestigiar sua figura e sua mensagem. Jesus não deixa ninguém indiferente, pois, para nós, que temos o dom da fé, é o Único Salvador da História.
20/04/2006

segunda-feira, março 27, 2006

A História de JK

Há poucos dias, o Brasil acompanhava, pela TV, a história de uma das mais expressivas figuras políticas do país, o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Contudo, a especulação sensacionalista empreendida por esse tipo de produção, mais uma vez, cuidou em relatar a história a seu modo, chegando a quase deixar de lado o protagonista.
Em sua primeira fase, emporcalhou os episódios a personagem fictícia de um coronel estroina, apresentando-o como um protótipo dos latifundiários que constituíam a elite política da República Velha. Enquanto isso, exibia-se o jovem Juscelino como um ambicioso (além do comum nessa fase da vida ao homem), compadecido pelos fracos e apolítico; três conceitos que se chocam numa época em que dependia, intrinsecamente, um dos outros. A ambição, muitas vezes, conduz o homem, por meio da política, à consagração, com o sufrágio das massas.
Os capítulos da minissérie que se seguiram, em sua segunda fase, destacaram o governo empreendedor e ousado de Juscelino à frente da Prefeitura de Belo Horizonte, do Estado de Minas Gerais e, por fim, do Brasil. Todavia, insistiram em apresentar as realizações que já se conhecem, sem resgatar, minuciosamente, o amplo trabalho político e social, inclusive em questões específicas partidárias e regionais, que ilustram sua história e atestam o seu caráter como homem e como político.
Ao contrário, de forma inoportuna, a produção ocupou-se, infelizmente, em transmitir aos milhões de telespectadores, a imagem, por exemplo, de um Benedicto Valladares com um liame comportamental entre pândego e boçal; a União Democrática Nacional (UDN), provavelmente por ser oposição de JK, foi representada como puritana e farisaica, enquanto o Partido Social Democrático (PSD) otimista, por causa de uma admirável pseudounidade de esforços de seus correligionários, trabalhando pelo verdadeiro progresso da Nação. Uma elite social fútil e ociosa e um relacionamento íntimo extraconjugal complementaram a saga do Presidente Bossa Nova.
Se pensaram os produtores em realizar um trabalho que engrandecesse a história pátria, especificamente o presidente Juscelino Kubitschek, esse intento, mais uma vez, frustrou-se.
Pobres daqueles que dependem da TV para se instruir! Continuam, eles, graças ao equivocado enredo de uma minissérie a vagarem pelas trevas da ignorância, tenho conhecido em “JK” apenas o bom mocinho que travou luta contra o mal. Apenas isso, talvez por acreditarem ser suficiente ao povo brasileiro iludir-se com noveletas.Ainda bem, nas páginas da história pátria registram-se os grandes feitos empreendidos pelo diamantinense que conquistou o Brasil - a contragosto de muitos - e revolucionou a instituição política. Por fim, do mesmo como o Velho Profeta morreu sem chegar à Terra Prometida, Juscelino teve como castigo morrer longe de sua terra prometida, sem assistir à celebração da democracia plena no Brasil.
27/03/2006

quinta-feira, março 16, 2006

Intrujice econômica

Outro dia, conversando com um amigo acerca dos limites da ciência, ele vaticinou que a ciência tem mais dúvidas que a fé. Realmente, em algumas vezes isso diz respeito às origens do mundo e evolução do cosmos, noutras diz respeito ao homem, seleção única e irrepetível de milhões de hipóteses expulsas do caminho em direção à vida. E quando o homem se combina em sentimento, em bando, em tribo, em comunidade social ou religiosa, mais complexa se torna - para não dizer impossível - essa ciência rígida sobre comportamentos e previsões.
Ao procurar explicações claras para todas as crises, enreda-se na sua própria linguagem, mistura certezas com suposições, futuros com futuríveis, mesmo nas barras e nos números. Eis, pois, aí, um terreno minado pela surpresa constante dos mercados, pela mala às costas com que andam algumas empresas - como feirantes de rua - a ver onde se engana mais, se explora melhor, se compra barato e se vende mais caro; ainda dizem os pseudo-entendidos ser importante para um equilíbrio econômico. Tudo isso, segundo os tecnocratas, toma nomes empolgantes, modernos, inglesados, científicos, como se se tratasse da descoberta de uma nova fórmula mágica que explica e resolve todos os problemas, menos os dos mais pobres; isso em todos os países do mundo.
Em grandes linhas, temos a experiência do mercado que cria leis, livremente, segundo o apetite dos compradores - inclusive de dinheiro, e esse outro que, inspirado em Marx, parecia, no papel, apaziguar algumas utopias sociais, mas que teve, como se sabe, um estrondoso desfecho de falência, com estilhaços que ainda atingem a muitos. Continuam a esboçar-se mini-sistemas, alguns pedindo à economia o que ela menos gosta de dar: respeito pela pessoa, com ética a preceder a eficácia. O outro caminho é o da sacralização das regras cegas do mercado, salvando a economia e levando na frente quanto e quantos tenha de levar, com total impotência para oferecer a cada ser humano o digno pão de cada dia.
Recentemente, veio à lume o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, reunindo o pensar e o dizer do Evangelho, com incursões pela economia de vários tempos, incluindo o nosso. Marcando, com clareza, os terrenos da eficácia e as áreas sagradas da ética e do homem: “o destino universal dos bens está na base do direito universal ao uso dos bens. Trata-se dum direito natural, inscrito na natureza do homem. É inerente à pessoa, a cada pessoa, e prioritário a qualquer intervenção humana” (nº172).Por isso, observando o ensinamento do Magistério da Igreja, observa-se que a economia não pode ficar entregue a contas de merceeiros globais sem escrúpulos. Desde a ascensão do liberalismo, no século XVIII, os Papas foram veementes em condenar aquilo que poderia influenciar mal a sociedade, além de trazer-lhe graves prejuízos. Antevira o caos a que assistimos, hoje, com maior clareza, os papas Pio IX, Leão XIII, São Pio X e, mais recentemente, João Paulo II, ao condenar o neoliberalismo. Por isso, quão oportuna seria a leitura do Compêndio da Doutrina Social da Igreja e assimilada por aqueles que se encontram com o juízo e o coração enrijecidos pela ganância.
16/03/2006

terça-feira, março 07, 2006

Pai e Pastor

Ninguém poderá discordar deste epíteto que tão bem se aplica à pessoa do arcebispo de Mariana, Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida: Pastor e Pai. Isso se deve, antes, à missão apostólica dos bispos e, depois, ao seu caráter determinado, a seduzir os outros com docilidade, associando-se um ao outro, quiçá, pela admonição de São Paulo a Timóteo: Non enim dedit nobis Deus spiritum timoris, sed virtutis, et dilectionis, et sobrietatis (“Deus não nos deu espírito de pusilanimidade, mas de fortaleza, de caridade e de prudência”). Eis as três virtudes que devem forjar a têmpera moral dos bispos: a fortaleza, a caridade e a prudência.
E não há como negar que nas atitudes do preclaro antístite primaz das Minas reflitam esses três pilares que constituem sua personalidade, ressaltando-se, contudo, a caridade, que se desponta em seu proceder como que um elo unindo, entre si, a fortaleza e a prudência, enquanto lh’o permite a fragilidade humana. Provavelmente, por isso, não poucas vezes, Dom Luciano seja mal compreendido, confundindo-se entre o dispor de sua autoridade e a compreensão paterna. Contudo, é inegável a compreensão cristã das dificuldades alheias e o desejo de que nenhuma ovelha de seu rebanho se perca.
Nascido em tradicional berço carioca, que remonta famílias aristocráticas nordestinas, desde cedo Dom Luciano mostrou-se determinado em seus propósitos e um deles, tão logo gozou do uso da razão, foi o de ser padre. Para isso, além da graça divina, contribuiu deveras a formação religiosa que lhes legou seus pais, proporcionando-lhe boa educação em colégios católicos, até que ingressou na venerável Companhia de Jesus. Determinara ser mais um soldado na legião aliciado por Santo Inácio de Loiola, sedento por tudo fazer para a maior glória de Deus e salvação das almas.
Durante sua formação sacerdotal, sem tardança se notaram suas capacidades intelectuais, despontando-se como primoroso filósofo, seguindo, então, para a Cidade Eterna onde prosseguiu seus estudos, ordenou-se presbítero, doutorou-se e retornou ao Brasil, já após o Concílio Vaticano II, sendo designado à formação de religiosos no escolasticado da Companhia de Jesus. Muito sensível às necessidades humanas, logo se compadeceu pela situação de muitos que se lhe apresentavam carentes de assistência espiritual e material, quando não pôde deixar de atender esse apelo que o inseriu entre aqueles que optaram pelos pobres.
A partir daí, envolveu-se com as organizações de classes, as CEBs, não se deteve ante questões políticas (quando o país vivia sob a austeridade de um governo militar) e acabou junto ao episcopado, emprestando seu brilho àquela instituição. E foi lá, na CNBB, que o Papa Paulo VI o resgatou para o múnus episcopal, em 1976, designando-o auxiliar do arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, com quem trabalhou até sua nomeação para o arcebispado de Mariana, em 1988. Enquanto isso, ocupou cargos de relevo na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e na Conferência Episcopal Latino-americana, além de membro do Pontifício Conselho Justiça e Paz e do Conselho da Secretaria do Sínodo dos Bispos.
Dom Luciano, ao dedicar especial atenção aos mais frágeis, sempre encontrou dificuldades, seja por parte de instituições e até por parte dos poderes constituídos, seja em decorrência da incompreensão daqueles outros menos sensíveis. No entanto, sempre foi resoluto em seus propósitos, sem intimidar-se ante qualquer insinuação ou ameaça, confiante em São Paulo de que “Deus não nos deu espírito de pusilanimidade, mas de fortaleza, de caridade e de prudência”.Por isso, sempre seguiu adiante, assistido pela graça, sem colocar a luz em lugar das trevas, nem as trevas no lugar da luz; sem chamar o mal de bem, nem o bem de mal, conforme pediu a Deus o bispo que o sagrou há 29 anos. Por isso, sempre seguiu a diante, na constância da fé, na pureza da dileção, na sinceridade da paz. Por isso, sempre ouve, por onde quer que passe, a admiração de seu rebanho exclamar: Pastor e Pai.
30/10/2005

Contra-senso religioso

Um contra-senso religioso, resultante de um fanatismo doentio, é o diagnóstico primário que se faz das barbáries cometidas por mulçumanos em nome de Alá. Essa loucura que lhes domina acaba repercutindo em todos os seus atos, em sua convivência familiar e social e nas tratativas políticas e diplomáticas. Ao longo da história e, mais ainda, nos últimos tempos temos assistido a constantes catástrofes resultantes de atitudes desorientadas desses pobres filhos de Maomé.
Uma reportagem publicada, recentemente, na imprensa apresenta um caso específico, do comerciante Jihad Abu Dayade, 41 anos, estabelecido no centro de Gaza com uma loja de autopeças. O chefe de família orgulha-se de ser o genitor de Mohammad Jihad Abu Daya, que aos 18 anos ingressou no Hamas, com o seu apoio, para tornar-se um homem-bomba. Isso é um absurdo, o pai orgulhar-se da insanidade do filho, quiçá por tê-la dele herdado. Isso, sim, é o ópio de um povo, que Marx malfadadamente quis atribuir às religiões. Quanto ao pobre jovem, seu ataque acabou matando dois policiais palestinos que se encontravam no posto de controle de Erez, na Faixa de Gaza.
Lamentavelmente, o fanatismo na casa de Abu Daya não acabou após o fatídico episódio. Os outros quatro filhos do comerciante, sendo três rapazes e uma menina, de idades que variam entre 10 e 23 anos, estão todos orgulhosos do irmão. Ahmed Jihad Abu Daya, de 20 anos, inclusive, compartilha da mesma aspiração de Mohammad: explodir-se para alcançar o paraíso [sic]. Por isso, lares palestinos há inúmeros pais como Abu Daya e milhares de garotos como Mohammad. E o pai, fervoroso, já pôs o destino dos filhos nas mãos de Alá.
Para os cristãos ocidentais, que põem a vida como bem maior, o depoimento de Abu Daya é nauseante. Contudo, ele não está sozinho na Faixa de Gaza. Mais de 400 atentados suicidas foram patrocinados pelo Hamas contra civis e militares, matando centenas e ferindo milhares. Às famílias pobres o Hamas paga o enterro e presta todo tipo de assistência. Para os mais ricos, como Abu Daya, o Hamas se responsabiliza apenas pelo funeral com honras de mártir.Isso é o que acontece quando o homem se distancia de Deus. Os pobres filhos de Maomé se apegaram tanto a seu patriarca que não assimilaram a Bondade Divina e a máxima do amor fraterno que o Verbo Humanado nos trouxe, cuja correlação foi tema da encíclica do Santo Padre, recentemente. O amor perdoa. Ele não é apenas uma palavra proposta a algumas pessoas que sofrem, mas uma revelação de Deus Pai, atingindo, principalmente, a humanidade marcada pelo ódio, pela confrontação e pela vingança, desde os tempos bíblicos. Deus revela seu chamado a um amor que perdoa, não para aliviar, mas para resolver, como salvação de nossa violência humana por caminhos de paz e de reconciliação. Por isso, os católicos ainda insistem em buscar o diálogo religiosos, mesmo com os facinorosos mulçumanos, para que se alcance a paz na plenitude do amor de Deus.
07/03/2006

Aos católicos de Barbacena

Mais uma vez, sobre o orbe, viu-se a mais um ultraje contra uma cara devoção do povo católico: Maria Santíssima. E o que mais pesa ao coração de um filho amante é saber que a língua injuriosa que blasfemou contra a Maternidade Divina foi a de um sacerdote. Eis que, à estação do Evangelho, na Santa Missa celebrada no Santuário de Nossa Senhora da Piedade, na noite de quinta-feira, dia 8 de dezembro de 2005, o pároco daquela freguesia, Padre José Antônio de Oliveira, num acinte à religiosidade sincera do bom povo barbacenense, reverberou contra a doutrina da Santa Igreja e, mais ainda, contra Deus Nosso Senhor, ao desmerecer uma das prerrogativas de Maria Santíssima, concebida sem a mancha do pecado original, imaculada; para o pobre sacerdote, a Mãe de Deus, a Rainha dos Céus, a Mãe do Rendentor, por isso co-redentora da humanidade, não passa de uma Maria de Nazaré, sem merecimento algum.
Mas, Deus louvado, o que pensa e regurgita o insano pároco da Piedade não é o que nos assegura as Sagradas Escrituras e a Tradição, preciosas fontes da Revelação Divina, aquele perene tesouro donde os Santos Padres retiram as jóias caras e mimoseiam, de tempos em tempos, os católicos com essas verdades de fé. E, entre esses dogmas se encontra o da Imaculada Concepção de Maria, proclamado pelo Beato Pio IX, a 8 de dezembro de 1854, confirmando, o Magistério da Igreja, o que as Sagradas Escrituras e a Tradição já asseguravam desde os mais remotos tempos: aquela que seria destinada a ser a Mãe do Salvador foi concebida sem o pecado original, apanágio dos filhos de Eva.
Não seria possível que a Filha predileta do eterno Pai, aquela que deveria elevar-se entre o céu e a terra como co-redentora, tivesse sido, mesmo por pouco tempo, filha da ira e do pecado. Não seria possível que a Mãe do eterno Filho, aquela que deveria dar-lhe a sua própria carne e o seu próprio sangue, para que Ele se fizesse homem, tivesse sido contaminada pelo demônio. Não seria possível que a Esposa do Espírito Santo tivesse sido escrava do inferno e manchada da culpa original. Assim, como Ester se livrara da morte por vontade de Assuero, embora fosse judia, Maria Santíssima foi criada, por vontade de Deus, como assegura São João Crisóstomo, "ex omni parte inculpata". A dignidade de Mãe de Deus exige que ela seja sempre pura, não só sempre virgem, mas nunca tocada pela sombra do mal, a começar pelo mal hereditário do pecado original.
E tal prerrogativa, singular, decorre de sua missão: Mãe de Deus, Mãe do Salvador, cuja invocação ecoa pelos séculos, repetindo-se por toda a eternidade, e ressoará para sempre pela multidão sem número de anjos e de santos, confirmando a profecia: "Ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes" (Lc 1,48). O privilégio da concepção de Maria, livre de toda jaça, é o prelúdio de toda uma oblação a Deus, coroada com o "fiat" desprovido de qualquer pretensão, senão a de fazer a vontade dAquele que é o seu Senhor: "Ecce ancilla Domini" (Lc 1,38).
Regozija, por isso, a humanidade toda, pois, se pelo seu sim Maria tornou-se miraculosamente a Mãe de Deus, a Mãe do Salvador, ela tornou-se, pelo mesmo fato, Mãe de seu Corpo Místico, de todos aqueles que vivem da vida de Jesus neste mundo e na eternidade. Por isso, a Mãe de Deus não pode ter outra missão e santidade senão a de sua Maternidade Divina, porque ela realiza uma tal missão e uma tal santidade em tal plenitude. Ela está associada a seu Filho e à obra dEle mais do que os Apóstolos e os maiores santos; está associada como aquela por quem se realiza os mistérios da Encarnação redentora; está associada como a que foi capaz de dizer "sim" à vontade de Deus de se fazer homem para salvar os homens, para reinar sem fim (e pela cruz) na casa de Jacob. Evidentemente, Maria é a única criatura cuja associação ao mistério do Filho de Deus encarnado, redentor, atinge essa profundidade e intimidade. E não seria associada a tal ponto se não estivesse totalmente preservada em seu próprio corpo imaculado.
São Luís Grignom Maria de Monfort diz que "a Santíssima Virgem, sendo necessária a Deus, ela o é muito mais aos homens para chegarem ao seu fim último". O grande santo mariano explica que Deus necessitou dela, pois foi o meio do qual se serviu para vir a nós. E nós necessitamos dela para chegarmos até ele. "A missão de Maria é a de povoar o céu de santos, preencher os lugares vazios pela queda dos anjos apóstatas. Todas as almas que aspiram a perfeição, a santidade, não se santificarão, senão na medida em que dela (de Maria) receberem as graças abundantes de que precisam" (Padre Dayet). Assim, quanto mais unidos a Maria, mais dependeremos de seu socorro e tanto mais dele haveremos de receber. Maria nos é necessária.
Quanto ao motivo do feriado, questionado pelo pobre pároco da Piedade, deve-se ao fato de um costume, ou melhor, uma reverência aos costumes religiosos. Para quem não sabe, principalmente ao pobre pároco, Nossa Senhora da Conceição era padroeira do Reino de Portugal, onde, aliás, os reis eram aclamados, e não coroados, pois somente Aquela, da Vila de Viçosa, fora coroada como Rainha de Portugal. Ademais, no século XVII, quase dois séculos antes do Beato Pio IX proclamar o Dogma da Imaculada Concepção de Maria, Dom João IV, rei de Portugal, o fez. O Brasil, filho de Portugal, também conservou esta devoção, tomando-a como padroeira, no Império, cujo reconhecimento se fez pela República: Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Padroeira do Brasil. Em Minas, a Virgem Imaculada também é a padroeira do Estado, sendo Ela a padroeira da igreja onde está instalada a Sé de Mariana.
Aqueles que pensam poder passar sem ela, como parece pensar o pobre pároco do Santuário da Piedade, estão na ilusão, pois ela é a medianeira de todas as graças: ad Jesum per Mariam. Pobre pároco da Piedade que, a soçobrar em suas misérias, não lança mãe dEssa intercessora permanente junto ao Trono do Altíssimo, que, certamente, mesmo a desconhecendo como tal, Ela, a Virgem Soberana, a Rainha do Clero, está, com certeza, continuamente sussurrando ao ouvido do Eterno Pai: “Tende misericórdia desse filho que, por muito amar a Trindade Divina, nada mais vê ao seu redor, nem esta que por ele se compadece e pede a Sua infinita misericórdia”.
Por isso, fiéis católicos de Barbacena, uni-vos numa corrente de oração, num ato de misericórdia, pela conversão do pobre pároco do Santuário da Piedade, Padre José Antônio de Oliveira.
09/12/2005

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Os pecados capitais

Existem, na doutrina da Igreja Católica, sete pecados considerados capitais, isso porque, como os define São Tomás de Aquino, deles se originam inúmeros outros pecados. O Doutor Angélico analisa, em sua obra, a experiência acumulada sobre o homem ao longo de séculos. Se o filosofar tomista é sempre voltado para a experiência e para o fenômeno, mais do que em qualquer outro campo, é quando trata dos vícios que seu pensamento mergulha no concreto, pois, reportando-se a Dionísio, malum autem contingit ex singularibus defectis ("para conhecer o mal é necessário voltar-se para os modos concretos em que ele ocorre").
A definição dos pecados capitais ocorreu no século IV, em um processo considerado por alguns historiadores eclesiásticos de organização da experiência antropológica, ao ser feita uma tomografia da alma humana. Então, no que diz respeito aos vícios, surge a doutrina dos pecados capitais, por São Gregório Magno e São João Cassiano, definindo-a com base nas fontes da Revelação, e São Tomás os enumera como: orgulho, avareza, inveja, ira, luxúria, gula e preguiça. Até hoje, embora um relativismo moral "absolva" a consciência de muitos, a Igreja ainda insiste na observância contra esses delitos. Em seu Novo Catecismo, lê-se sobre a doutrina dos sete pecados capitais, fruto da "experiência cristã" (ponto 1866).
É interessante observar que a lembrança desses pecados em um exame de consciência não só prepara o católico para a confissão, mas também serve como fonte de identificação para o defeito dominante que determina os outros, chamado de pecado hegemônico. Essa doutrina, que, como tantas outras descobertas antropológicas dos antigos, está hoje esquecida, bem poderia ajudar ao homem contemporâneo em sua desorientação moral e antropológica. Os pecados capitais vão além do nível individual. Iniciando-se no coração da pessoa, eles se concentram em determinados ambientes, instalando-se em determinadas instituições.
Para melhor situar essas faltas em nossos dias, temos o exemplo da corrupção que vigora nos meios políticos, que se identifica como a avareza, aniquilando o interesse generoso e correto para o desenvolvimento e os cidadãos da nação, em prol de benefícios financeiros próprios. Na realidade urbana, o aumento da violência relaciona-se à ira e à gula, esta representada pelo uso de drogas e o consumo exagerado de bebidas. Aliás, o Príncipe dos Apóstolos já alertava os primeiros cristãos: "Vigiai e sede sóbrios", fortalecendo o espírito a fim de evitar que os pecados capitais tomem conta da vida das pessoas.
Estudar e entender os pecados capitais é um grande proveito para o progresso espiritual e santidade do católico, ao reconhecer suas fraquezas e, por meio de práticas penitencias, buscar viver as virtudes cristãs. Entretanto, só com humildade, a exemplo de tantos santos, alcançar-se-ão as virtudes. Santa Teresa D'Ávila considerava a humildade como o chão das virtudes: "Qualquer virtude sem humildade cai, pois fica no ar sem ter em que se prender; assim ela não cresce, tão pouco se desenvolve".É por depender da humildade que os homens abrem mão das virtudes, da graça divina, e continuam a rastejar pelos vales dos vícios...
05/01/2006

Posições antagônicas

O Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira, por influências de família e pelo meio em que viveu, desde cedo se mostrou um liberal. Ao ingressar nos meios acadêmicos na Faculdade de Direito, em São Paulo, Lafayette pôde absorver melhor todo esse pensamento, professando-o de tal forma que se acabou, quiçá, naquele momento, cético, regendo-se pela cartilha dos pensadores modernos de então. Mas, em nenhum momento, perdeu-se, por isso, em delírios, afrontando as instituições e desacreditando-se dos conceitos naturais em que se apóiam a ética e a moral.
Passados os arroubos racionalistas que o envolveram, conseguiu, contudo, um tal discernimento que o levou a interpretar bem sua escola e aplicá-la em seus trabalhos, a ponto de tornar-se um piedoso racionalista, parafraseando um amigo que considera ter sido Salazar um “piedoso agnóstico”. Suas especulações intelectuais fluíram de sua pena em seus artigos jornalísticos, pareceres jurídicos, ensaios etc., concluindo-se, daí, que o aticismo de sua dialética e a firmeza de seus atributos como humanista não eram de uma mente confusa e de opinião susceptível a mutações, senão de uma inteligência larga e de discernimento imediato. Em toda a sua obra literária e jurídica verifica-se o homem de cultura invulgar com profundo conhecimento das diversas correntes do pensamento humano.
Este pequeno preâmbulo sobre sua cultura filosófica e humanista deve-se à curiosidade de entender sua opinião, à primeira vista, antagônica com relação à República, pois em seu pensamento tinham os argumentos que o levara a tornar-se republicano; por isso não se aliou, posteriormente, aos positivistas. Membro do Partido Liberal, que caiu em 1868, foi um dos signatários do Manifesto Republicano, elaborado por Quintino Bocaiúva, em 3 de dezembro de 1870.Passaram-se quase 20 anos. Nesse período, o ilustre queluzense participou ativamente da política do Império do Brasil, com grande apreço de Dom Pedro II, mesmo sendo republicano... E sua concepção de uma República no Brasil conhecemo-la ao ser instaurado o sistema no país, a 15 de novembro de 1889. Estava nos Estados Unidos, como Ministro Plenipotenciário na 1ª Conferência Pan-americana, quando, em missiva à sua idolatrada esposa Francisca de Paula Freitas Coutinho, Lafayette revela sua posição sobre o novo regime: “Mal acabava de saber da tristíssima morte do nosso querido Júlio [seu cunhado], quando me entra pela sala o Dr. Costa, anunciando-me a notícia dos extraordinários e inesperados acontecimentos do Rio de Janeiro. (...) Se nos tivessem dito que essa terra tinha desaparecido debaixo das águas do mar, a nossa estupefação não seria maior! (...) Como compreendes, eu, em hipótese nenhuma, aceitaria a renovação do mandato. (...) Não posso seguir para aí, como tanto desejo, porque valeria o mesmo que ir meter-me na boca do lobo. O governo revolucionário que aí fundaram está exercendo uma perfeita ditadura. A sua única lei é a sua vontade. E nesse governo há um homem que seria capaz de assassinar-me. (...) Eu estou com o meu espírito perfeitamente tranqüilo”. Esta era a opinião de Lafayette sobre a República imposta no Brasil, comemorada na última semana.
14/11/2005

Patrimônio Histórico

Em Lafaiete, são poucos os monumentos setecentistas e oitocentistas sobreviventes à epidemia iconoclasta que acometeu os reservatórios da cultura de nosso povo, com maior violência no século das luzes que findou há pouco, visto muitos não terem se interessado, colocando abaixo essas testemunhas co-participantes de nossa História.
A sadia soberba que ora floresce no meio intelectual da bicentenária Queluz tem despertado deveras o interesse pelas cousas que não só refletem o fausto de um período, como marcam uma determinada época. Uma eclosão de valores, sentimentos, idéias, nos detalhes de um altar, nas cores e ornamentos dos painéis, na imponência das construções abastadas e na singeleza daquelas outras, erguidas com modéstia, mas, cada qual, com sua peculiaridade e seu valor, seja ele artístico ou histórico. Houve as construções realizadas em momentos de muita fartura, como também aquelas feitas a longo e custoso prazo, já em um tempo de decadência e às vezes até de miséria.
Encontramos inúmeras justificativas para o desaparecimento de grande parte de nosso patrimônio; umas compreensíveis - se assim podemos dizer -, outras inadmissíveis. Consideremos compreensível a perda de um monumento por falta de estrutura, em uma época em que ainda não existiam recursos tão avançados - muito comuns na atualidade - e aqueles outros que se perderam pela crueldade do fogo e das intempéries. É inadmissível, porém, a perda de um monumento por descuido de seus proprietários, para ceder lugar a novas construções, o que foi muito comum no início do século 20, quando a moda era o palacete em estilo neoclássico; aliás, esses já velhos palacetes, que também não deixaram de marcar época, hoje estão dando lugar às construções de cimento armado, sem nenhum gosto artístico. Há, também, os costumeiros casos de famílias tradicionais que, após talharem e retalharem seus fabulosos espólios, deixaram cair nas mãos dalgum desavisado herdeiro um edifício histórico que ele jamais soube como preservá-lo, além do desinteresse e da falta de condição financeira; restando, então, ao finório negocista, vender o bem de família herdado. O comprador, sem motivos sentimentais para conservar o imóvel, e muitos menos preocupado com preservação de patrimônio, o põe abaixo, muitas vezes interessado em um dinheiro fácil ou presunçoso em exibir mais uma construção em novo e moderno "design".
Por causa desse desespero, desapareceram muitos sobrados e sedes de fazendas, sendo, alguns deles, reconstruídos em outros lugares. Por estas Minas, quantas igrejas foram abaixo e seus altares, imagens, vasos sagrados etc., uns levados a leilões, outros vendidos - e até presenteados - no que chamamos de "na calada da noite", hoje recolhidos em antiquários por esses brasis e pelo mundo afora!... É uma responsabilidade muito grande a preservação dessas edificações e seus patrimônios, o que não poderá ser, jamais - em uma época de grande tecnologia, com recursos surpreendentes -, motivo para deixarem o destino dos monumentos que ainda restam à sorte das intempéries da natureza e do homem, esta última a mais cruel e avassaladora.Em Lafaiete, muito pouco resta dos séculos 18 e 19 e até os estilos do último século já começaram a sofrer ataques. Tudo isso em conseqüência de uma má formação cultural da população. Que as autoridades competentes lutem pela preservação do pouco que ainda resta, antes que seja tarde demais.
17/11/2005

Coisas da natureza humana

Chegou-me às mãos, recentemente, por curiosidade de um bom amigo desejoso de esclarecimentos, um jornaleco de determinada seita religiosa (aliás, nem sei se pode-se denominá-la seita, pois não se sabe de qual ventre foi parida) com infundados ataques contra a Igreja Católica. Não sou autoridade designada para falar em nome da Esposa Imaculada de Cristo, mas sou cristão e o fato de sê-lo me exime de todo respeito humano, impulsionando-me a defendê-la, por ser ela Mãe, como a define os Padres, Santos e Concílios.
Foram três os temas abordados de forma infeliz. O primeiro atribuía as desestruturações sociais, principalmente, dos países de terceiro mundo à calonização católica, inclusive afirmando que a Igreja não promovia e nem permitia a educação desses povos. Ora, isso não passa de parolice maldizente; esquecera-se o desditoso articulista, ou nunca soube (por tratar-se de um mal informado de quatro costados) que foi a Igreja quem promoveu a fundação das grandes universidades, ainda na Idade Média, e que às colônias dos reinos cristãos acorriam os missionários para levar a luz da Verdade e todo o tipo de formação necessária aos gentios. Ainda na mesma execrável página, o autor do tão repugnante texto não poupou críticas ao Tribunal do Santo Ofício e a questões de disciplina eclesiástica.
Nunca a Igreja, santa em seu Fundador e sempre pura na sua doutrina e na sua moral, deixou de encaminhar os seus filhos para a prática das mais belas e até das mais heróicas virtudes. E, por isso, não obstante as fraquezas da humanidade e a grande força das paixões, jamais deixou de haver entre os católicos uma grande multidão de santos, de apóstolos, de mártires, de homens de grande e nobre caráter, incapazes de baixezas e prontos a levar a cabo obras da mais elevada perfeição e da mais sublime caridade. Mas não deixa o cristão de ser um homem livre, e nem a graça do batismo, nem também a do sacerdócio aniquilam as propensões que o puxam para o mal. Mesmo no Colégio Apostólico houve quem atraiçoasse o Divino Mestre. E no correr dos séculos houve sacerdotes, bispos e até Papas, que faltaram às obrigações do seu estado.
E o que se segue daí? Que é falsa a sua doutrina? Mas nunca a esta doutrina nem à Igreja docente foi jamais concedido o privilégio da impecabilidade. Deduz-se ser impotente para produzir os frutos de virtudes, que ela própria preconiza? Ainda nos tempos mais corruptos contou entre seus filhos santos eminentes que conseguiram reagir contra a corrupção dominante e reformar a sociedade. Em lugar, porém, de admirarem estes prodígios de virtude, operados pela graça sobrenatural num sem número de almas, apesar da impetuosidade das paixões, dão-se os inimigos do catolicismo, com grande afã, a rebuscar, através dos séculos, os abusos e faltas, necessariamente inerentes à frágil natureza humana, para delas fazerem o grande cavalo de batalha na sua guerra contra a religião e para perpetuamente as estarem lançando em rosto à Igreja. Para esses homens não tem importância alguma a obra de regeneração social que ela efetuou: nem eles atentam na luta incessante que ela tem de sustentar contra tudo quanto se opõe à lei divina. Os crimes de alguns celerados, que receberam o batismo, são o grande arsenal para esses farejadores de escândalos. Por isso, não se deve dar crédito a esses pobres coitados que, sem estarem seguros na Barca de Pedro, facilmente, mais cedo ou mais tarde, se soçobrarão nas águas revoltas do oceano de dúvidas, de incompreensões e de amarguras em que navegam. Pobres loucos!
21/102/2005

À minha professora

Neste dia, especialmente dedicado ao professor, não poderia deixar invadir-me o âmago uma saudável nostalgia e, pedindo licença à Reformadora do Carmelo, Teresa d'Ávila, cuja solenidade a Santa Igreja lhe dedica o 15 de outubro, reverenciar aquela que tanto marcou minha formação. Não me permito esquecer outras que, também, assinalaram meus primeiros anos de estudo; mas a uma dedico especial afeto e gratidão. Se não a vejo, se não a procuro, decorre das imposições da azáfama hodierna; contudo, sempre me lembro daquela caríssima professora do curso primário.
Por isso, permita-me o prezado leitor tributar minha homenagem àquela que, como "os velhos troncos, plácidos ermitas, / riem no riso em flor das parasitas", sustentava seus alunos no albor de seus anos pueris, alimentando-nos com sua seiva, o saber. E me vem à mente a sentença do glorioso advogado da casta Suzana dos Escritos Sagrados: Qui ad justitiam erudiunt multos, quasi stellæ in perpetuos æternitates (Dan 12,3) - "Os que ensinam a muitos o caminho da justiça, brilharão como estrelas por toda a eternidade". A feliz e bela comparação contida nesse hemistíquio do profeta Daniel é a mais sincera expressão da vastidão de minhas lembranças. Por mais límpido e luminoso que esteja o cerúleo pálio, destaca-se, nele, vivamente, a cintilação dos astros. E o vate hebreu, estabelecendo um confronto entre a ciência e o magistério, entre o saber e o ensinar, assegura que os doutos, que os sábios, brilham como o firmamento, mas os mestres, os que ensinam, brilham "como as estrelas". Tal a gloriosa idéia que a humanidade sempre formou do magistério, que encontramos Alexandre Magno dizer-se mais devedor a seu mestre Aristóteles do que a seu pai, porquanto, se este lhe dera a vida, ensinara-lhe aquele a bem viver.
Meu reconhecimento, hoje, além de sê-lo pelo que lucrei naqueles dias em que estive sob os cuidados de minha professora, é por compreender o devotamento que ela sempre demonstrou ter à sua missão e ao sublime objeto do magistério primário e de toda a pedagogia: a criança. Éramos inocentes, dávamos os primeiros passos no mundo da razão e ela era um claro fanal a guiar-nos nas sendas, às vezes obscuras, do conhecimento, a esboçar-nos o caráter de cada um, atenta ao princípio cristão res sacra puer - "a criança é sagrada", sem, contudo, derreter-se em mimos, afagos e concessões; ao contrário, firme e enérgica, com respeito e carinho, esmerando-se no dever de preparar lídimos cidadãos. No exercício desse seu ministério, para conseguir tão sublime ideal, lançou mão de todos os meios pedagógicos, porém prevaleceu aquele que corrobora os demais: o exemplo, confirmado a máxima de Sêneca: longum iter est per præcepta, breve et efficax per exempla - "longo é o ensino pelo preceito, breve pelo exemplo".
Bendita seja, pois, minha professora, cujo exemplo soou-nos, melhor que toas as melopéias do mundo, qual uma ária de dedicação ao ensino, de devotamento aos seus alunos, de suas conquistas na formação do caráter e no preparo de cidadãos brasileiros. Parecia seguir a admonição de São João Bosco: "Que o mestre faça-se amar, se quiser fazer-se respeitar", pois conseguiu tornar-se inesquecível nas reminiscências de seus ex-alunos.
Por isso, neste dia, quisera resgatar a inocência do coração infantil, com o qual senti, outrora, as impressões da vida, para externar minha gratidão à minha professora. Sendo-me, porém, impossível, perpetuo este meu sentimento nesta página.- Muito obrigado, Dona Diva Palomba Batista!
15/10/2005

Coisas da natureza...

Vivemos dias tumultuados. Avanços tecnológicos, conquistas espaciais, a informática se modernizando a cada minuto, a preocupação econômica, tanto das grandes potências quanto das tíbias nações, com as bolsas de valores que sobem e que descem, a política liberal sempre usufruindo desses momentos para dar suas investidas e desfalques; o corre-corre maligno contaminando a Humanidade que, preocupada em se modernizar, voando ao encalço do progresso, muitas vezes se distancia de suas origens, dos princípios que devem reger sua vida, das obrigações para com a família, com a Pátria... enfim, não se lembra mais de Deus. E por que lembrar-se de Deus?
A participação e presença eterna de Nosso Senhor na vida da Humanidade não é mais lembrada. A adoração única, interior, exterior e pública devida somente a Deus vai sendo esquecida e substituída pela irreverência, pelo sacrilégio, pelas superstições imbecis que tanto escravizam aqueles que as temem, pela idolatria a deuses pagãos que se escondem sob a ideologia charlatanesca e ritos heréticos, travestidos de um misticismo banal. O Deus que criou o homem à sua imagem e semelhança, o Deus que falou pela boca dos Profetas do Antigo Testamento, o Deus que se humanou e, pela sua morte, redimiu o homem, o Deus dos grandes Santos e Pontífices de sua Igreja, o Deus que é a única esperança, o único Senhor, já não mais reina no coração dos homens. Caminha o mundo para uma apostasia que, ao alçar seu pendão, convoca ao recrutamento os míseros filhos de Eva que não se deixaram atingir pela graça do Deus Redentor, amando, portanto, mais as trevas do que a Luz. Daí, vem-nos à mente o ensinamento do Magistério da Igreja, de que todos os males físicos e materiais que não provêm do homem, é desígnio de Deus.
Temos sido, nos últimos tempos, testemunhas de catástrofes decorrentes das fraquezas humanas, bem como daquelas que não se acha explicação. Então, estagnado ante a tragédia, o homem não se encoraja em meditar o que pode ter levado a ocorrer o tal infortúnio. Ora, se Deus usa das causas segundas em seus desígnios, logo os acontecimentos, em diversas partes do mundo, resultantes de uma ordem da natureza alterada (pelo homem), podem ter sido permitidos pelo Criador. Mas, com que intento? Seriam um sinal divino pelas desordens moral e social que assolam o mundo, num sacrilégio coletivo cometido contra Nossa Senhor?
O comodismo de muitos, principalmente dos mais esclarecidos, tem dado oportunidade para graves escândalos contra a natureza e contra a Fé. Enquanto isso, disseminam-se ideologias ambíguas, muitas delas outrora condenadas. Se a humanidade caminha para a apostasia, os governantes, inclusive a Igreja, têm sua fração de responsabilidade nesse triste processo e no comprometimento do destino daqueles que, cegamente, abraçam a modernização. Por isso, tudo nos leva a crer que os últimos acontecimentos que a priori são catástrofes da natureza, bem como outros impressionantes acontecimentos inexplicáveis, sejam um sinal de Deus.“Ab ira tua, libera nos Domine.”
05/10/2005

Alma brasiliense

Perde-se, com o passar dos anos, como acontece como muito vocábulos da língua portuguesa, o sentido puro do que seja a Pátria e do senso de patriotismo. Neste exemplo, especificamente, há quem acredite existir até um interesse, de determinado(s) grupo(s), promotores de uma confusão ideológica, numa mitificação de valores essenciais à vida e à formação da sociedade. Mas não atentam para a necessidade de identificação que um povo tem, desde sempre, das mais priscas eras, a ponto de desenvolverem-se movimentos extremistas, por causa desse zelo, dessa exigência da alma humana, desse orgulho que o homem traz consigo desde o ventre materno, que é esse nacionalismo.
A origem desse sentimento nasce junto à necessidade do homem de viver em sociedade. Nenhum homem esgota em sua vida e com as suas aptidões todas as virtualidades da alma humana. Para bem manifestar a grandeza e a beleza da alma humana, na exaustão de suas possibilidades, o homem necessitou multiplicar e diversificar-se. Logo, a perfeição do homem vê-se na humanidade desdobrada, embora ela seja insuficiente. Para bem exibir diante do universo e das galerias angélicas toda a riqueza do animal/racional, ou da alma feita à imagem e semelhança de Deus, necessitou-se, ainda, recorrer à História e ao contraponto das civilizações, diferenciar os agrupamentos humanos em tipo, com línguas, costumes e cultura diversificados. Daí, o fundamento natural da pátria, onde se atende a uma vocação comum, nutre-se uma cultura comum, expressa não apenas pela língua comum, mas por todo o jogo de símbolos, de significações multiplicadas resultantes das alegrias comuns e dos sofrimentos comuns, imersos na profundidade das almas por sinais comuns.
Percebe-se, então, esse envoltório humano, cultural, sociológico, histórico, geográfico tal um campo de forças que nos penetra e que se cruza dentro de nós, fazendo-nos ser como somos, conforme sentimos e amamos. Nossos envoltórios, a família, o bairro, a pátria, são obras emanadas de nossas almas e são elas que refluem e modelam nossas almas. Há por fora de nós um enorme Brasil exterior; há dentro de nós um Brasil interior de sentimentos e de virtudes que devem ser cultivadas e apuradas para que o Brasil exterior seja melhor e mais Brasil, cada vez melhor, para formar as almas de seus filhos.Nestes dias, precisa-se cultivar essa piedade, esse respeito pelo grande quinhão que nos coube na prodigiosa aventura do gênero humano, não para excluir-se e fechar-se, mas para que o amor pátrio seja difusivo e transforme-se em amor universal.
19/09/2005

Um rio de lamas... de dinheiro

O que faltava para completar (e complicar) os episódios que levaram à formação de uma CPI no Congresso Nacional, o que está prendendo a atenção de grande parte dos brasileiros nas últimas semanas, o que faltava no elenco dos personagens entrou em cena, por último, quando pensava aproximar-se o grand final: uma caftina.
Assemelham-se os escândalos a episódios históricos e romanceados, envolvendo o poder, os nobres e, como numa época em que em que o patamar da mulher se encontrava sempre abaixo ao patamar do homem, uma delas se envolve na trama do poder com elementos sedutores da sensualidade, formando o tríplice contentamento da natureza decaída: o poder, o dinheiro e o prazer carnal; o poder, como o mundo, a seduzir; o dinheiro (como instrumento do demônio) tentando; e a carne... é fraca.
No drama que se desenrola em Brasília, não diferente de uma escola teatral renascentista, em que a interpretação vai além de uma simples encenação da peça, apresentam-se o poder e toda a sua entourage, os “mecenas” da política, ou melhor, do poder e a messalina usufruindo de ambos. Para uns, o aparecimento da Sra. Jane não passa de uma especulação sensacionalista, até de auto-promoção; para outros ela pode ser uma fonte preciosa. Não que seu depoimento, se for intimada a fazê-lo, colocará um final na questão. Suas palavras poderão envolver mais pessoas, complicando ainda mais a situação.
E tudo isso por causa da ambição, de todas as formas como for possível se envolver: a ambição pelo poder, a ambição pelo dinheiro. O poder, pelo qual os homens começaram, desde sempre, a guerrear; o dinheiro, como aquela pela qual Judas vendeu o seu Rabi. Isso sempre existiu, seqüela do pecado original dos primeiros pais; sempre existiu onde envolve a luta pelo poder. Mas no Brasil, onde a ambição e a corrupção sempre encontravam campo vasto para florescer, a cada dia mais é impossível não protestar justiça e decência.Num país onde as diferenças sociais são muitas e enormes, isso tudo é inadmissível, primeiro por questões históricas, quando episódios semelhantes deveriam servir de paradigma para que não se repetissem, segundo porque brada a ira dos céus o rio de dinheiro que corre a desaguar nas contas dos poderes, enquanto programas voltados para a saúde, educação e assistência social, principalmente, são entravados ou se arrastam devido à burocracia legal. Quanto se poderia ter sido feito por essas áreas com esse dinheiro?! Mas, pensando bem, conforme um sábio adágio como tudo o que é mal conseguido, é mal sucedido, melhor esse dinheiro espúrio não tenha vindo infectar mais ainda a chaga social, purulenta, que tanto incômodo causa à estrutura étnica brasileira, pois estaria contaminando muitas instituições sérias, honradas, com o câncer da corrupção. Assim, todos soçobrariam nesse rio de lamas que se formou e que, até há pouco, corria silencioso nas galerias subterrâneas da política. Só que, como “nada fica encoberto sob o sol”, esse esgoto escoa agora a céu aberto e todos podemos execrá-lo.
17/08/2005

Em busca da paz

Desde que o mundo é mundo, a intranqüilidade tem sido um empecilho para o reinado da paz, seja ela interior ou social, em decorrência, ora do amor próprio, ora da ambição, nunca por causas elevadas. Refiro-me à intranqüilidade porque todo tipo de desordem provoca esse sentimento ou proporciona uma situação tal. A ambição teria causado a revolta na coorte angélica, precipitando-se Lúcifer e seus asseclas no mundo das trevas; talvez, daí, a origem sobrenatural das duas forças que pugnam na consciência dos homens: o bem e o mal. Impossibilitado de conter esse conflito interior, capaz de mover suas virtudes e de exaltar suas fragilidades, o homem exterioriza seus sentimentos, até por meio de seus atos físicos. E o mais remoto relato de uma exteriorização do amor próprio culminou com um fratricídio: Caim matou seu irmão Abel por inveja e orgulho. Paradoxalmente, a primeira fraternidade gerou tragicamente a primeira briga familiar, a primeira guerra civil e mundial. Ficaria sua descendência estigmatizada e, vez por outra, esse instinto irracional, capaz de seduzir as faculdades racionais, voltaria a inflamar-se, para prejuízo da paz.
Santo Agostinho define a paz como tranqüilidade da ordem. Havendo ordem, que, por sua vez, gera a tranqüilidade, haverá a paz, o que se verifica em todos os campos. Esse trinômio "ordem, tranqüilidade, paz" deve ser constante no espírito, na família, na sociedade e, mais além, nas relações diplomáticas entre os países. Mas para obter essa paz a consciência deve estar bem com Deus, imperando a razão sobre os sentidos e paixões, mantendo, assim, a ordem e a tranqüilidade da alma. Então, sentir-se-á a paz do espírito, que é uma sensação de bem-estar interior, a verdadeira felicidade. Gozando desse estado, cada um torna-se capaz de trescalar, também, esse sentimento em família e no convívio social, impregnando a todos com esse resedá que é um dos legados divinos mais preciosos, senão o maior, após a Eucaristia: "Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz...". E essa paz conquista-a com a prática das virtudes cristãs, como a humildade, a caridade, o perdão, a fortaleza, a paciência, a prudência, a justiça etc.
Há muito, a paz vem tornando-se uma jóia rara, conquistada apenas por poucos. Conflitos armados pela riqueza, por questões diplomáticas e étnicas, escândalos na política (haja escândalos!), guerrilhas urbanas, desentendimentos nas famílias etc. distanciam-na, cada vez mais, da realidade humana, tornando-a uma quimera. Quantos não a sentiram!O mundo, a partir do momento em que abandona as virtudes cristãs, perde a paz, sublevando-se o império anticristão, dominando o egoísmo, a ganância, o orgulho, a vaidade, a inveja, a ira, enfim, as paixões opostas às virtudes cristãs. Por isso, enquanto o homem mantiver-se armado desses vícios, a paz estará sempre se distanciando, mais e mais. Somente quando determinar-se a acalcanhar as paixões com a prática das virtudes, ele sentirá a paz que tanto busca.
08/08/2005

Verdades à tona

Verifica-se, em nossos dias, um desejo quase que incontrolável de justiça. Querem-na para tudo, a qualquer modo, por qualquer preço, arriscando-se até pelos meandros da injustiça, para salvaguardar essa virtude que deve reger as ações humanas, representando a harmonia e o equilíbrio, tanto pessoal, quanto social. Daí, talvez, sempre esse conceito central ser tentado a interpretações diversas e, se não fosse uma força de origem transcendente, sofreria uma mutabilidade com as influências ideológicas confusas e perversas insistentemente tentando o homem.
O complexo tema, cujos conceitos se estendem por toda a evolução do estudo do pensamento, desde a clássica Grécia, definindo-se melhor no Império Romano e fundamentando-se nos princípios cristãos, dele se lançam mão todos os que querem, custe o que custar, impor-se, por não serem capazes de convencer os demais, ao contrário do que é justo, cuja nitidez e lógica simplesmente ocupam o lugar que lhes cabe no meio. Daquela forma, procederam famigerados pusilânimes ao longo da história da humanidade, revestidos com a couraça, ora da repressão, ora da liberdade, mais além do direito igualitário de todos perante o Estado, em nome dessa primorosa virtude cometeram as mais absurdas atrocidades que, com o tempo, acabaram emergindo nos relatos históricos, desacreditando a ideologia que defendiam e na qual tentavam apoiar o seu sistema.
E uma das mais recentes emersões foi sobre o tão louvado chileno Salvador Allende, um dos ícones dos movimentos esquerdistas, que agora aparece com o epíteto de “anti-semita”. O alvissareiro livro “Salvador Allende, anti-semitismo e eutanásia”, do historiador Victor Farias, a contragosto de muitos e após a resistência de várias editoras chilenas, expõe o passado negro do presidente socialista do Chile.
Allende, como revela o historiador, escrevera em 1933 uma tese chamada “Higiene mental e delinqüência”, propondo a esterilização de doentes mentais, onde se refere pejorativamente à raça judaica, caracterizada “por determinadas formas de delito: estelionato, falsidade, calúnia e, sobretudo, usura”. Mais tarde, quando ministro da saúde do governo do presidente Aguirre-Cerda (1939/1941), defendeu projeto inspirado em uma lei de Hitler, propondo a esterilização especificamente aos doentes mentais que sofressem de esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva e alcoolismo crônico. Já presidente do Chile, recusou-se a extraditar o nazista Walter Rauff, inventor do sistema de extermínio em massa com caminhões de gás e responsável direto pela morte de mais de dez mil judeus.Ainda que determinados grupos resistam à boa notícia que o trabalho do Farias nos traz, desmistificando a figura do pusilânime líder esquerdistas que, arraigado ao orgulho e ao amor-próprio, findou-se ao ver arruinado o seu sistema, mais uma vez a justiça acena à verdade histórica que emerge de um lodaçal de falsas vítimas, de enganações sociais e de ilusões políticas no império de mentira que a esquerda sempre tentou impor aos povos.
01/08/2005

Mês de maio, Mês de Maria

Apesar da azáfama do dia-a-dia, há instantes em que o homem parece retirar-se desse cenário tumultuado e buscar uma forma de alento para seu ânimo, muitas vezes fragilizado por uma apostasia que vai se generalizando em todos os meios. E o mês de maio é um desses momentos propícios à interiorização, a partir de simples reminiscências, parecendo ouvir-se, ainda, ao longe, o toque de um sino, sentir um aroma de sacralidade e até o burburinho de crianças alegres e ansiosas parece tomar conta do ambiente de sua imaginação. É o mês de maio, dedicado à Virgem Maria.
É provável que uma das primeiras oportunidades que se tem nesta vida para desenvolver a espiritualidade nos seja dada ainda na infância. E as celebrações do mês de maio são uma delas, seguramente. A princípio, é apenas o momento de se prestar homenagens à Medianeira de todas as graças, muitas vezes até cumprindo um capricho dos pais, uma herança que vem passando de geração a geração. Mas, ao meditar a grandeza do momento, ver-se-á que nada mais é do que a expressão sincera do que um católico espera: poder um dia contemplar, no páramo, a doce mãe, advogada dos pecadores. E a nenhuma criança pode ser tirada essa oportunidade terrena, de coroar a Virgem Maria, assim como desejaria coroá-la no céu.
Naquele momento em que todo esse anseio e essa alegria pueril se transluz nas figuras pequeninas que, vestidas a caráter, levam seu tributo a Maria, tudo tem um significado. Desde a procissão que caminha ao altar preparado para o ato, significando a caminhada da humanidade em busca da Perfeição, até as balas e doces distribuídas no fim (tão combatidas), cujo significado, para aquelas crianças, nada mais é do que as graças que Deus as concede, por intercessão de sua Mãe Santíssima.
O Mês de Maio foi instituído pelo papa Pio VII, em 21 de março de 1815. Na diocese de Mariana, foi introduzido pelo santo bispo dom Antônio Ferreira Viçoso. As primeiras coroações se realizaram naquela arquiespiscopal cidade, por volta da década de 1840, introduzidas que foram pelas Filhas de São Vicente de Paulo, que trouxeram o costume da França. Em 1882, dom Antônio Maria Correia de Sá e Benevides, que sucedeu a dom Viçoso, reorganizou e restaurou as celebrações de maio.
Em nossa região, ainda se tem a oportunidade de assistir às celebrações de maio. Nas diversas paróquias da cidade, diariamente, acontece a coroação de Nossa Senhora, com orações, cânticos, enfim, uma série de manifestações. Enquanto o mundo avança em seu curso natural, ainda se pode parar por um momento e mergulhar nesse ambiente, até certo ponto de nostalgia, e relembrar aqueles momentos que só a percepção, ainda que limitada, de uma criança pode descrever, como tão bem se expressou o maestro queluziano José Maria da Rocha Ferreira, ao recordar os meses de maio de sua infância:
"Mês de Maria!... Chusmas de anjinhos...
sons de órgãos... Espirais de incenso...
E a Virgem a sorrir
do alto do trono...

No coro, embriagam-me de misticismo
Donzelas a cantar:
'Queremos a Maria
Flores oferecer.'

Mês de Maria!... - teus arcanos mistérios
aceleram, em meu peito, as pulsações do coração
emocionado...

Quando saí da igreja, mãos dadas com minha mãe,
os zéfiros noturnos absorviam as
últimas volutas fugidas
dos incensários oscilantes.

E hoje - tantos anos após! - os ecos
Ainda repetem:
'Queremos a Maria...
queremos a Maria...flores oferecer'."
19/05/2005

Habemus Papam

Ecoou por toda a praça de São Pedro, na tarde do dia 19 de abril, o anúncio da eleição do novo papa da Santa Igreja Católica. Às palavras pausadas do cardeal camerlengo, ouvidas ansiosamente por todos os que ali se encontravam ou acompanhavam as transmissões através dos meios de comunicação, seguiu-se uma ovação em todo mundo, ao anunciar “com grande alegria” que o cardeal Joseph Ratzinger fora eleito para ocupar a cátedra de Pedro.
Embora os prognósticos, melhor dizendo, as especulações indicassem o nome de Ratzinger como o mais provável sucessor de João Paulo II, sua idade, sua nacionalidade e, principalmente, sua ortodoxia colocavam-no, humanamente falando, em desvantagem. É aí que nos convencemos da ação do Espírito Santo. O respeitado e temido prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (antigo Santo Ofício) não se elegeria pela simples simpatia que pudesse transmitir aos seus irmãos do Colégio Cardinalício, muito menos pelo fato de ter gozado do apreço do Pontífice morto, justamente no momento em que os mais afoitos, inclusive alguns cardeais, aguardavam mudanças na posição da Igreja, como se isso fosse possível. Ora, a doutrina é a mesma, desde que foi ensina por Cristo e transmitida pelos apóstolos, considerados depositum fidei, portanto imutável. Ela se aplica a todos os tempos, mas não se a interpreta segundo a moda, aliás, como o então cardeal Ratzinger afirmou ao presidir a Missa pro eligendo Summo Pontífice, na abertura do Conclave.
A eleição do decano dos cardeais, à primeira vista, pode parecer uma estratégia: elege-se um papa mais velho para que seja de transição, o que não é lá muito certeiro esse entendimento, haja vista a última vez em que isso ocorreu, quando Ângelo Ronccalli foi eleito para suceder a Pio XII – o Pastor Angelicus que seduziu toda a cristandade em meados do século 20, ao contrário do que se esperava, João XXIII procurou revigorar a Esposa Imaculada de Cristo ao convocar o 2º Concílio Ecumênico.
E isso se espera, agora, do Santo Padre o Papa Bento XVI. A começar pela escolha de seu nome, que, historicamente, resgata o quase esquecido último papa Bento, que reinou de 1914 a 1922, em meio a deflagração da 1ª Guerra Mundial. O italiano Giacomo della Chiesa, mesmo com as aflições dos anos de beligerância no velho mundo, incentivou as comissões de estudos bíblicos, promoveu as tratativas diplomáticas com vários países, inclusive a reaproximação, com sucesso, da Inglaterra e França, e avançou os primeiros passos que culminaram com o Tratado de Latrão, que criou o Estado do Vaticano. Outra grande obra de seu pontificado foram as missões aos países não católicos, levando o Evangelho de Cristo a milhares de pagãos.
O múnus do novo Papa, além do que lhe compete como Bispo de Roma, Vigário de Jesus Cristo, Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, Sumo Pontífice da Igreja Universal, Patriarca do Ocidente, Primaz da Itália, Arcebispo e Metropolita da Província Romana, Soberano do Estado da Cidade do Vaticano e de Servo dos Servos de Deus, é, neste momento, o de assegurar a ortodoxia da Igreja, norteando todas as soluções que devam ser buscadas para os problemas do mundo moderno.Deus guarde o Papa Bento XVI!
19/04/2005

O Papa

Causou incontida emoção, em todo o mundo, a morte do Santo Padre o papa João Paulo II, ocorrido na noite do dia 2 de abril. Os dobres fúnebres das campanas vaticanas ecoaram-se por todo o orbe, ponde-se os cristãos, genuflexos, a orar pelo descanso eterno do Pai da Cristandade, enquanto monarcas e governos, instituições diversas, até aqueles que lhe pareciam hostis, reverenciaram um dos grandes pontífices da Igreja, cujo nome perpetuar-se-á na história, não apenas pelo sensacionalista terceiro maior pontificado ao longo de quase dois mil anos, mas notabilizado por peregrinações pelo mundo, quando o cativante Pastor se aproximava mais de seu rebanho, conquistando-o, primeiramente, pelo idioma e ocupando-se com os problemas do mundo moderno, mais ainda com aqueles que afligiam as almas que lhe foram confiadas. Em seus discursos, cartas, encíclicas etc, atestava o empenho em conduzir a humanidade dentro dos lídimos princípios do catolicismo, atentando-a para os valores primordiais que devem norteá-la, cuja conseqüência haveria de ser um convívio humano próspero e feliz em Cristo, encaminhando o homem à prática da virtude e à salvação eterna.
De uma cultura amplíssima, parecia não existir um ramo do saber que lhe fosse estranho. Embora soberano da Corte mais antiga do mundo, o que marcaram sua vida foram sua bondade, a retidão de sua conduta, a solidez de seus princípios, a coerência de suas atitudes, a sinceridade com que procurava o bem de todos, além do halo sobrenatural que o circundava. Por isso, a tristeza que sua ausência causa a todos, de repente torna-se alegria, ao concluirmos termos vivido sob o governo de um lídimo Vigário de Cristo, em quem vimos a realização da promessa do Divino Mestre: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra Ela”.
Então vemos a grandeza desse que, tirado dentre os homens, com todas as suas fragilidades, é levado ao altar, ornado com a graça do sacerdócio, depois em sua plenitude e, por fim, elevado à cátedra de São Pedro, inserido numa série ininterrupta que vem do Príncipe dos Apóstolos. Ficaria Pedro sem sucessor legítimo, teria a Santa Igreja naufragado em meio as divisões humanas, falhara a promessa de Cristo, se não fosse a presença do papa, confirmação dessa promessa. Essa participação à missão divina do Salvador é inseparável da pessoa de seu Vigário na Terra, donde provém a esperança do povo católico de que um digno sucessor de Pedro seja entronizado, a quem possa contemplar, com amor e confiança, o guia de suas almas nos caminhos da vida eterna, ardente anelo dos que peregrinam neste Vale de Lágrimas.Ao reverenciarmos à memória do Santo Padre o papa João Paulo II, reconhecemos que sua morte é como o apagar de uma luz de brilho singular, que aquecia e iluminava o mundo. Mas a glória maior de seu pontificado esconde-se na santificação daqueles que estiveram sob sua tutela espiritual. Esta, sim, a glória inefável da Santa Igreja, por dentro, na vida da Graça. Por isso “sua memória permanecerá em paz” e ele viverá eternamente.
07/04/2005

Cousas de antanho

A Igreja Católica vive, nesta época do ano, o Tempo da Quaresma. É um tempo em que os fiéis são convidados à prática da penitência, à conversão, à santificação, enfim, um tempo que revivifica as almas, reconduzindo-as às fontes abundantes da vida.
Além dos exercícios de piedade que a Santa Igreja aconselha para durante a Quaresma, outros, oriundos da devoção popular e preservados ao longo dos séculos são praticados pelos católicos. Um desses costumes, pouco conhecido em nossos dias, é o da Encomendação das Almas, que se fazia durante as sextas-feiras deste tempo litúrgico.
Essa tradição vinda dos países ibéricos tinha por finalidade rezar pelas almas do Purgatório. Por se tratar de um ritual para-litúrgico, era feita sem a presença do clero, sendo mantida apenas por leigos. A cerimônia iniciava-se no portão de algum cemitério e, durante o percurso da procissão que se formava, faziam-se sete paradas, entre cemitérios, igrejas ou oratórios, cruzeiros e encruzilhadas. No local, tocava-se a matraca, convidando os presentes ao silêncio e para acordar os que estivessem em casa dormindo, chamando-os para rezar pelos mortos. Em seguida, o coro (geralmente eram os músicos quem organizavam essas encomendações) cantava uma música cuja letra pedia oração pelos mortos, seguindo-se a recitação do "Réquiem æternam dona eis, Domine..." (Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno...). Novamente tocava-se a matraca e o préstito se deslocava para outro lugar.
Desse ritual lúgubre, que não ficou isento de lendas e superstições, apenas os homens participavam, cobertos de alvas túnicas e encapuzados. No coro, as partes de vozes femininas eram cantadas por um menino cantor, fazendo o tiple, e um tenor em falsete fazia a parte de contralto.
Em Minas, onde a Encomendação das Almas foi muito difundida no século 18, fizeram até música própria para esse ritual. O capitão Manoel Dias de Oliveira, falecido em 1813 na Vila de São José del Rei, numa harmoniosa peça a 4 vozes, com acompanhamento de madeiras, trompas e baixo, usou o seguinte texto: "Alerta, mortais! Alerta! / Que é tempo, como está visto, / Que a paixão de Jesus Cristo / Sua morte faz lembrar. - E porque duvidais, / Como é certo, mandar Ele / Que oreis por todo aquele / Que ele veio libertar. - Lembrai-vos daqueles / Que, em pranto desfeito, / Já sentem o efeito / Da triste agonia. - Dai-lhes, por piedade, / O socorro vosso / Por um Padre-nosso e Ave-Maria".
Em nossos dias, já não se conhece mais esse tipo de sufrágio pelas almas, senão nos lugares onde ainda conservam essa tradição. Sua prática, também, não mais impressiona as pessoas, como naquela época em que elas, desprovidas de luz elétrica, eram acordadas no meio da noite pelo som da matraca, pelo murmúrio da reza e o plangente canto. Essa cena tétrica deu origem a muitas delas. Uma delas conta que uma certa pessoa, não contendo sua curiosidade e correndo à janela para ver o que se passava na rua, teria recebido, de um dos acompanhantes do cortejo, uma vela. Percebendo, somente no dia seguinte, que recebera uma canela de defunto...Coisas de antanho que se vão perdendo com o tempo.
01/03/2005

A questão da violência

Diariamente, convivemos com violências de todos os tipos. Atinge-nos uma violência social em decorrência do que nos impõe o meio em que vivemos. Essa violência social pode gerar uma violência moral, levando muitas vezes a pessoa ao auto-extermínio. Também tem a violência cultural, de tendências religiosas e ideológicas que sempre fizeram muito mal, arrastando seus sequazes pelos nemorosos caminhos do fanatismo, aprisionando-os, conseqüentemente, nos ergástulos infectos da limitação intelectual. Todas essas violências com as quais, repito, convivemos diariamente, acabam por externar uma agressão aos valores. Assim, temos roubos, assaltos, assassinatos, suicídios, seqüestros, estelionatos, estupros, assédios, mentiras, dentre uma considerável gama de atos que se qualificam como violência contra si próprio ou contra o próximo.
Seria, até certo ponto, uma atitude cômoda pensar: "Violência sempre existiu, em todas as suas formas". De fato, nos primeiros tempos bíblicos, a história já registra a desobediência, a mentira e o fratricídio. Numa interpretação ascética, Deus Nosso Senhor, além do livre-arbítrio concedido, permite ao homem de bom senso o julgamento de seus atos, dando-lhe a conhecer o que é certo e o que é errado. Erro nenhum justifica outro. Por isso, é preciso conter, de alguma maneira, essa violência galopante que impera em meio à humanidade. Às vezes, não é preciso olhar para São Paulo, Rio de Janeiro ou até mesmo Belo Horizonte para nos horrorizarmos com os índices de violência. Não! Basta ver ao nosso redor.Atitudes emergenciais que o governo federal venha a tomar não passarão de paliativo para essa enfermidade social. O investimento na educação ajuda, mas não resolve o problema, ademais seu reflexo só será nítido no futuro, isso se a fumaça da corrupção não a embaçar. Para tentar se resolver a questão da violência, tem que se começar em cada um. Cada pessoa deve se conscientizar, a partir daí promove-se a conscientização de um grupo, de uma elite, da sociedade. Assim, as atitudes certamente alcançarão um grau decente de coerência, refletindo-se no procedimento do homem, na legislação de um país e, mais abrangente, fluente no meio educacional e social; enfim, uma sociedade quase perfeita. Pode parecer uma utopia, bem ao estilo de São Tomás Morus, mas, certamente, dessa forma, as coisas seriam bem diferentes. E, se lembrarmos ainda que o problema da violência numa cidade é um reflexo do problema do Estado, que por sua vez é uma parcela do que se passa no país e, conseqüentemente, no mundo todo, talvez criemos coragem para começar, cada qual, a fazer nossa parte. Quem sabe, um dia, a humanidade já não será vassala dessa violência assustadora!?
30/12/2004