Na exortação apostólica pós-sinodal "Sacramentum caritatis", o Papa Bento XVI deu um alento de vida à cultura eclesiástica. O Santo Padre pediu para que não se perca o uso do latim na liturgia, "particularmente quando delas participam fiéis de diferentes países e idiomas, hoje cada vez mais freqüentes".
Quando digo que sua declaração é um alento, deve-se à terrível perseguição empreendida contra a cultura religiosa, em todos os seus aspectos, pior ainda, dentro da própria Igreja, por pessoas certamente com pouca ou nenhuma formação humanista, imperceptível até ante a necessidade de um meio de comunicação que possibilite a convivência entre pessoas de nacionalidades diversas. Esses iconoclastas, geralmente inimigos ferozes do "capitalismo selvagem", antagonicamente preferem fortalecer o império norte-americano, optando pela língua inglesa. A perseguição ao latim tanto existiu, com grande influência ainda em nossos dias, que contam-se os poucos religiosos que tenham domínio da língua mater.
Essa realidade foi mais agressiva na América Latina. Por causa de uma necessidade pastoral, adotando o vernáculo nas celebrações, para melhor entendimento e participação dos fiéis, baniram o idioma de Cícero e de Virgílio, definitivamente, do curso eclesiástico e, nesse ínterim, também do currículo escolar. A isso seguiram-se, na Igreja, traduções ambíguas dos textos latinos, que até hoje estão sendo retificados; no Brasil, em particular, reformas ortográficas distanciando as palavras de suas referências etimológicas e de sua correlação com aquela que gerou o português, exaltado por Bilac como a "última flor do Lácio".
Ouvi de um sacerdote, certa vez, referindo-se às difíceis fases da manutenção da disciplina clerical ao longo da história, que "quando um padre cai, arrasta consigo uma multidão". Sem nos atermos ao mérito da afirmação, de fato, com a decadência cultural do clero, verificou-se uma dispersão e até desaparecimento de referências religiosas, consideradas por eles como "antigas", "ultrapassadas", "longe da realidade em que vivemos". Manifestações peculiares da fé popular, herança dos povos ibéricos, perderam-se pela simples vontade de que não se fizesse isso ou aquilo. A beleza do teatro eclesiástico a que se assistia nas cerimônias religiosas, tendo como pano de fundo a riqueza barroca de nossas igrejas, perdeu-se quase por completo; em muitos lugares, nem nos dias festivos. Isso porque, ao verem a miséria, debruçaram-se sobre ela, sem olhar para o alto.
O pedido do Santo Padre refere-se ao uso do latim na liturgia. Aliás, seus antecessores também o fizeram, desde Paulo VI. Mas a palavra de Bento XVI, pela sua posição firme quanto à ortodoxia da Igreja, ressoa com mais austeridade. Por isso, Deus permita, que o clero (a partir de seus formadores) busque associar aos estudos eclesiásticos a cultura humanista, o que incentivará sua busca na sociedade em geral, porque a Esposa Imaculada de Cristo ainda - como sempre o será - é um fanal a guiar a humanidade, padecente e pecadora, confortando-a com a sua doutrina e com a beleza da criação.