segunda-feira, dezembro 29, 2008

Ao final de mais um ano

Ao chegarmos ao fim de mais um ano, torna-se oportuna a meditação sobre os Novíssimos, tão esquecidos em nossos dias: Morte, Juízo, Inferno e Paraíso. "Em todas as tuas obras, lembra-te dos teus novíssimos, e jamais pecarás" (Ecl. 7, 40); se os tivéssemos sempre em mente, não pecaríamos, como adverte São João Bosco. Se nossos dias são conturbados, é porque pouco se medita ou mesmo não se cogita seriamente sobre os Novíssimos.
Ao pensarmos na Morte, deve-se vê-la como o limiar daquele estágio que o pecado dele nos privou, a eternidade. É pela morte, à qual ninguém está imune, que se poderá contemplar, face a face, o Senhor. Mas ela depende da vida; "talis vita, finis ita", assegura o provérbio latino. E como nos adverte Santo Afonso Maria de Ligório, o pai dos Redentoristas, "tal é a sorte reservada a todos os homens, aos nobres e aos plebeus, aos príncipes e aos vassalos. Logo que a alma saia do corpo com o último suspiro, dirigir-se-á à eternidade e o corpo deverá reduzir-se a pó". A partir daí, só terá a apresentar ao Altíssimo o que fez durante sua vida terrena.
Seguir-se-á, então, o Juízo, o momento em que, diante do Supremo Juiz, nada lhe será inquirido, pois a sua consciência se acusará. Como lembra Santo Agostinho sobre esse instante: "A sua vinda é motivo de alegria para o fiel e de terror para o ímpio". Nesse instante, a alma sentirá as primeiras impressões do que a Seqüência da Missa de Defuntos descreve: "Dia de ira, aquele dia, no qual o mundo se tornará em cinzas (...) Quanto temor haverá, então, quando o Juiz vier para julgar com rigor todas as coisas". "Qual não será o espanto daquele que, vendo pela primeira vez o seu Redentor, o vir indignado!", exclama Ligório. Ao exame seguir-se-á a condenação, após a balança divina pesar, "não as riquezas, nem a dignidade, nem a nobreza das pessoas, mas sim, somente as obras". O Bispo de Hipona diz que, nesse momento, virá primeiro o demônio a delatar todas as suas faltas e Deus, segundo Cornélio a Lapide, para trazer-lhe aos olhos "os exemplos dos santos, todas as luzes e inspirações com que o favoreceu durante a vida e, além disso, todos os anos que lhe foram concedidos para que os empregasse na prática do bem". "Tereis, pois, de dar conta até de cada olhar", assegura Santo Anselmo. Enfim, o justo ouvirá o convite divino: "Servo bom e fiel, entra no gozo do teu Senhor". (Mt 25,21) O pecador estará entregue à misericórdia de Deus.
Após o Juízo Particular, restam os dois últimos novíssimos: o Inferno e o Paraíso. No primeiro, está a alma condenada ao eterno sofrimento. Um lugar de tormentos, como lhe chama o mau rico que a ele foi condenado (Lc 16, 28): "um lugar de tormentos, onde todos os sentidos e todas as faculdades do condenado devem ter o seu tormento próprio, e quanto mais se tiver ofendido a Deus com algum dos sentidos, tanto mais terá a sofrer este mesmo sentido", lembra Santo Afonso. Já o justo, logo ao ter entrado "no gozo do teu Senhor", desfrutará da Visão Beatífica nesse "dia perpétuo sempre sereno, primavera perpétua sempre deliciosa".Que a meditação dos Novíssimos prepare-nos para dias melhores em 2009.

sexta-feira, dezembro 19, 2008

Diante do presépio de Belém


Aproxima-se o Natal. Pelas ruas, a azáfama de nossos dias, a correria contra o relógio... quase não sobra tempo, nem para ir às compras. Mas em casa, enquanto a refrescante broega insiste noite e dia, entrego-me à contemplação do presépio. Não com rasgos de avançada mística na via espiritual, mas, sinceramente, com piedade e saudosismo. Piedade, pela fé; saudosismo, por tudo o que o Natal nos reacende no peito, como a lembrança dos caros que se foram, a observação das desigualdades (mesmo que leviana e passageira), os propósitos que vão se desenvolvendo enquanto se contempla o estábulo onde nasceu o Deus Menino.
Naquele recolhimento, no entanto, não me abandona a agitação de fora de casa, que insiste atrair-me com o ruído de automóveis, buzinas, o vozerio, carros de som anunciando promoções no comércio... E me arrebata um desejo quase incontrolável de sair pelas ruas à procura do Presépio de Belém. Onde estará o Menino Deus em meio a essa turba alvoroçada? Nos estabelecimentos comerciais? Nos bares? Nas igrejas? Nas sarjetas, a consolar os famélicos? Onde estará o Verbo de Deus Humanado que veio ao mundo para redimir o homem cativo do pecado? Seu ícone ainda pode ser visto nos painéis publicitários, nas decorações de vitrinas, nos cartões de Boas Festas; mas não O reclinam no coração. Na meditação do Natal não se atêm ao mistério da redenção, não contemplam a candura e a inocência que nos traduzem a verdadeira paz que Ele nos veio trazer.
A paz... Outra palavra muito usada nesta época do ano, sem conhecer o seu real sentido. Esse sentimento equivocado de comodismo, tranqüilidade, de desobrigação para com os deveres é a ilusão que as pessoas desejam que seja concretizada no ano vindouro. E essa concepção errônea de paz é tão antiga que o próprio Cristo já advertira a seus discípulos: "Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada" (Mt10,34). Sim a espada que separa os bons dos maus, o trigo do joio, o puro do ímpio. Essa paz que Nosso Senhor desconhece é aquela que afasta o homem da Verdade Eterna, daquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Os povos clamam pela verdade, mas a verdade de Pilatos, a verdade relativa, autônoma, oportuna, sem Deus, sem Cristo.
Volto pressuroso para a solidão junto ao presépio; só ali encontro a sinceridade, a inocência, a pureza na tosco estábulo, nos olhares estupefatos dos pastores, na adoração de Nossa Senhora e de São José, silente, no mavioso canto dos anjos, na cintilação da estrela indicando o Palácio do Deus Menino. Nada disso encontrara nos shoppings, nem nas igrejas, muito menos nas campanhas beneficentes, nem na pobreza esquálida pela fome. Em nenhum deles consegui decifrar um laivo de esperança naquEle que não veio trazer a paz, mas que é a Verdadeira Paz.
Ao concluir esta digressão em torno do Natal, outro desejo não me toca, senão o de que todos se dispam de seus interesses, ao menos na Noite Santa, para contemplar o Divino Infante. Que nada os perturbe, para que possam se entregar a essa piedosa - ainda que um pouco nostálgica - meditação. Tenho certeza que compreenderão o verdadeiro significado do "presente" no Natal, quando concluírem que, como previra Isaías, "um filho nos foi dado" (Is9,6). É ele a Verdadeira Paz.
Um Santo Natal a todos, desejando que renasça em cada coração a esperança de dias de paz no ano vindouro!

quinta-feira, dezembro 04, 2008

O soldado sem farda

Na última semana, comemoraram-se anos de morte de um dos grandes intelectuais brasileiros, Gustavo Barroso. Polêmico, em decorrência de suas convicções austeras, fundadas em sólidos princípios morais, foi uma das reluzentes inteligências que este país conheceu. Pesquisador atento, dirigiu com muita eficiência por quase quatro décadas o Museu Histórico Nacional, resgatando peculiaridades não apenas no campos apenas da história, mas também no folclore, nos aspectos regionalistas, enfim, na cultura brasileira, de um modo geral.

Esse cearense, nascido em 1888, no ocaso do Império, foi uma daquelas figuras que parecem terem vindo ao mundo predestinadas a guiar, ou indicar os homens as trilhas a serem percorridas. Bacharel em Direito, foi professor admirado, político atuante, jornalista vigoroso e escritor de uma verve singular, resultante de sua primorosa formação haurida nos conceituados e tradicionais estabelecimentos de ensino de Fortaleza e do Rio de Janeiro. Como legado, deixou à bibliografia brasiliense 128 livros e um dicionário. Seu cabedal acerca das ciências e humanidades era tal que, aos 35 anos de idade apenas, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, tomando assento na cadeira 19, na vaga do sábio arcebispo de Mariana, dom Silvério Gomes Pimenta. Presidiu a Casa de Machado de Assis por quatro vezes e foi sob sua orientação que o Petit Trianon, doado pelo governo francês para ser a sede da Academia, foi adaptado para essa finalidade.

Estreara na literatura, aos 23 anos, sob o pseudônimo de João do Norte. A propósito, era comum o uso de apelidos no meio literário, não para se esconder de algo ou poder falar o que quisesse – como alguns néscios hodiernos entendem (se é que têm essa capacidade, a de compreender algo), por não saberem distinguir o estilo peculiar de cada um, blasonando-se, idiotamente, de vítimas inocentes. Mas usava-se pseudônimo até por discrição, para que os críticos se sentissem à vontade para analisar seus escritos sem constrangimento. Voltando a Barroso, sua vasta obra literária não foi leviana, muito menos furtiva. De sua pena ficaram as mais profundas análises, fruto de pesquisas e de sua aguçada observação e de conjecturas, acerca da história, da cultura e da sociologia do Brasil. Uma de suas mais polêmicas teses é a de que o Brasil não seria um país independente, visto o Grito do Ipiranga ter custado uma dívida herdada de Portugal com a Inglaterra.

Gustavo Barroso destacou-se, mais ainda, tornando-se conhecido das massas, quando aderiu ao Integralismo, de Plínio Salgado, em 1933. Naquele momento, em que o mundo passava por grandes transformações, sob diversos aspectos, quando nações se viam ameaçadas por ideologias perniciosas e sistemas políticos radicais, levantou essa bandeira tornando-se seu mais importante doutrinador. Dessa época são os livros que divulgavam as idéias, não menos fundamentalistas, porém inflamadas por sentimentos cívicos e religiosos. Tal era a clareza de suas convicções que, discordando dos rumos tomados pelo movimento, dele se afastou, ficando, contudo, com o epíteto de “soldado sem farda”.

Barroso foi dessas figuras que alteavam sua voz firme, com discernimento, sem temor, para conter a sanha daqueles que, a qualquer preço, insistem em assombrar com suas idéias confusas e interesses mesquinhos. Apontou os desequilíbrios sociais, econômicos e políticos do Brasil, identificando suas origens e indicando o caminho a seguir. No seu tempo, foi uma das inteligências mais celebradas e citadas; hoje, é apenas uma lápide sobre a cova onde jazem seus restos mortais. Assim é o Brasil: de lembranças parcas e memória nenhuma.

sexta-feira, novembro 21, 2008

Melhor para todos

Na semana passada, saiu a decisão da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, acerca da cassação do prefeito de Lafaiete, ocorrida dia 11/6, assegurando-lhe o mandato até o final. Lafaiete nunca viveu um ano politicamente tão tumultuado, como tem sido o derradeiro do governo do Partido dos Trabalhadores. Após anos tentando eleger um prefeito numa cidade com um eminente número de operários, em razão das siderúrgicas e mineradoras em seu entorno, a ascensão do PT ao poder parecia a aurora de um novo tempo. A princípio, sim, até passou essa impressão. Não tardou, entretanto, nos primeiros meses, alguns pontos inflamados na administração serem notados.
A administração municipal começou a se contradizer quando o então secretário da Fazenda, Antônio Carlos Junqueira, se levantou. Ninguém entendeu direito, naquele momento, o que acontecia; mas era o primeiro grito de que algo começava a desafinar a aparente harmonia administrativa do messiânico petista, de perfil descentralizador, transparente, em suma, democrático em todos os aspectos. Tiraram, então, o subversor e o motim foi abafado.
Não contavam, no entanto, que, mais cedo ou mais tarde, pelas frestas da fortaleza erguida em torno da administração, não obstante uma espécie de maquilagem a fizesse parecer aberta, participativa, diáfana, pelas frestas se exalaria o fedor da corrupção. Os boatos se intensificavam e o caso chegou à Câmara Municipal, que se viu obrigada a agir conforme lhe compete o Direito. Instalou-se a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), apuraram-se irregularidades, veio a Comissão Processante, depois a cassação e o retorno ilusoriamente feliz do prefeito ao cargo, posição confirmada pelo TJMG.
A população, grande parte dela ingênua e mal informada (porque quer e admite ser ludibriada) certamente entenderá que o prefeito foi absolvido. Aliás, essa é a expressão usada por todos de sua entourage, desde que saiu a decisão da Corte mineira. O prefeito livrou-se da cassação; está-lhe garantido o cargo até 31 de dezembro de 2008. No entanto, continuam as investigações da Polícia Federal, dando prosseguimento à Operação Pasárgada, que o levou preso no dia 9 de abril, juntamente com o seu ex-procurador e a esposa. Só ao final destas ele poderá ser absolvido. Oxalá isso realmente aconteça, para que o atual mandato não passe à história como um dos mais polêmicos, para não dizer equivocados, de Lafaiete, como uma das piores administrações.
A cassação da Câmara, agora, já pouco significa, pois o eleitorado lafaietense, por meio do voto democrático, já cassou o poder do atual prefeito no dia 5 de outubro. Aqueles que, equivocadamente, festejam a sua segunda colocação naquele pleito, mesmo com toda a "perseguição" que lhe empreendeu a "oposição conservadora", deveriam analisar friamente os números. Conselheiro Lafaiete tem 82.631 eleitores; destes, o candidato do PT teve 14.779 votos a seu favor. No entanto, 58.503 lafaietenses (fora as 9.349 abstenções) não quiseram na Prefeitura aquele que pensavam ser o "melhor para todos".

Imperador da Língua Portuguesa

Desde fevereiro, estão sendo comemorados os 400 anos do notável jesuíta Antônio Vieira. “Para nascer, Portugal. Para morrer, o mundo”. Desta forma viveu o célebre português que dignificou sua pátria, elevou sua fé e ornou a família religiosa em que ingressou. Nascido em Portugal, defendeu os direitos dos homens e da Igreja por onde passou, dignificou o elenco da Companhia de Jesus com sua capacidade de raciocínio espetacular e inflamado verbo, passando à posteridade como o Crisóstomo Português e celebrado pelo não menos notável Fernando Pessoa como Imperador da Língua Portuguesa.
“Figura ímpar da história portuguesa”, como o indicou o presidente Cavaco Silva, Vieira é responsável, conseqüentemente e por especiais intervenções, por grandes conquistas em prol da sociedade brasileiro, principalmente dos silvícolas. Na Bahia, seus sermões exaltaram o nacionalismo dos católicos e súditos de El Rei, em defesa da Religião e do Estado. Mobilizou exércitos, intimidou os governantes, encorajou o povo e defendeu os oprimidos, para que se estabelecesse neste mundo, ainda que de forma específica, o Reinado de Cristo. Aliás, vislumbrava a expansão do Império Lusitano, tornando-o no Império de Cristo – o Quinto Império, nas suas extravagâncias sebastianistas.
Na Corte, foi de uma influência perspicaz, tornando-se temido por todos, dada a sua competência para as tratativas diplomáticas e no engenho de reverter as situações, mercê de sua refinada dialética. “Um louco de Deus”, Vieira é a “expressão mais acabada da visão barroca do mundo”, define-o o presidente da Academia de Ciências de Lisboa, Adriano Moreira. Decerto, até o presente, não tenha a Língua Portuguesa quem melhor dela se valeu, a par do imortal Camões. Da palavra fez um monumento elevando até os céus os dons com que Nosso Senhor o dignificou, de patriota dedicado, orador eloqüente, sacerdote piedoso.
As comemorações “Vieirianas” em Portugal têm sido tão intensas, sugerindo outras promoções, que o Ano de Vieira, que se encerraria em fevereiro próximo, foi prorrogado até agosto. Isso demonstra o patriotismo dos portugueses, característica lusitana que, infelizmente, vem se perdendo no Brasil há muito. O nome do padre Antônio Vieira é digno de figurar entre os dos grandes vultos da História que construíram esta Nação. Com a mesma valentia com que muitos pegaram em armas, Vieira acenou, do púlpito, com sua alocução gongórica, o norte do Brasil, de Portugal, do Mundo.

sexta-feira, novembro 14, 2008

Caraça, porta do céu

A sugestiva invocação que se encontra entre as tantas da Ladainha Lauretana – Janua Cœli (Porta do Céu) – é também o título de uma produção cinematográfica: “Caraça, porta do céu” (1950). O drama do qual participaram das filmagens alunos e até padres do célebre colégio, não apenas como figurantes, mas desempenhando papéis de destaque, hoje é uma fita rara. Contudo, é um dos raros registros – senão o único – em vídeo, mostrando cenas do dia-a-dia naquela casa bicentenária, berço de varões ilustres, sacerdotes virtuosos, nomes que ilustram a história pátria, honrando a formação recebida naquele recôndito educandário entre as alterosas, à sombra do Santuário da Senhora Mãe dos Homens.
Ah! Quantos por ali passaram e levaram consigo as impressões que lhe moldaram o caráter a formação recebida dos padres lazaristas, formadores que foram, também, nos seminários de Mariana e Diamantina e no Colégio Matosinhos, junto ao Santuário do Senhor Bom Jesus de Congonhas! Agasalhados pelas espessas paredes setecentistas, miravam os alunos as metas de sua via espiritual erguendo os olhos para a esguia torre da “nova” igreja, cujo estilo destoa do conjunto, da mesma forma como os desejos sublimes são antagônicos aos interesses mundanos.
Quarenta anos passados, desde o incêndio que encerrou ali as atividades escolares, fechando o tradicional colégio, o chilreio dos pequenos em recreio nos pátios ou pelos passeios mata adentro ainda se ecoa naquele santuário religioso, templo do saber, monumento da história. A igreja, as salas de estudo, a biblioteca, o refeitório, assim como as matas, cavernas, cachoeiras, clamam pelos dias felizes em que a meninice dourada e a juventude em flor enchiam aquele ambiente de alegria, enquanto hauriam naquela fonte do saber os conhecimentos científicos e humanísticos.
Há quarenta anos o Caraça é apenas uma referência, um memorial, uma lembrança. Todo aquele belo conjunto paisagístico é para muitos um cartão-postal, ou para alguns ainda um lugar de peregrinação. Mas para aqueles que por ali passaram e trazem consigo o santelmo que lhes acenderam os filhos de São Vicente de Paulo, os padres da Congregação da Missão, continua a ser a “porta do céu”. E os ex-alunos do Caraça jamais deixarão de ser, por isso, “porteiros do céu”, como cantou o notável latinista, lente daquele Colégio, padre Pedro Sarneel: “O beatum sanctuarium in quo tot cœli janitores habitant”.

sexta-feira, novembro 07, 2008

Cultura da pornografia

Na última semana, durante o lançamento de um filme no Rio de Janeiro, o produtor da película, o conhecido ator Pedro Cardoso, acusou acremente “alguns diretores brasileiros de promoverem a pornografia na televisão e no cinema, obrigando a classe artística a participar de tais cenas”. O tema que vem sendo discutido há muito, penso que desde o apogeu dos teatros de revista, torna-se mais agressivo a cada dia, conquistando o cinema e a televisão. O que no início era apenas nudez parcial, chegou às insinuações lascivas, quando não desvarios eróticos. “A pornografia tornou-se agora um modo de atrair o público. (...) A minha tese é de que a nudez impede a comédia e mesmo o próprio ato de representar. Quando estou nu, sou sempre eu a estar nu, nunca o personagem. Ao despir-se do figurino, o ator despe-se também do personagem”, afirmou o ator.
O discurso não é moralista. A indiferença com que os legisladores tratam do caso é arrepiante. O Estado permite a corrupção dos valores na sociedade. Pior ainda, a naturalidade com que os pais de família compartilham com os filhos (quantos deles menores!) das sessões de televisão, em suas casas, sem orientá-los sobre esse desordenamento dos sentidos. Os pais, ora por não tratarem em família de um tema corriqueiro em toda roda de conversas, ora por não verem problema algum em os filhos crescerem convivendo com essas situações e figuras que, certamente, serão responsáveis pelo desequilíbrio afetivo e a incontinência emocional, são responsáveis por essa situação.
A cada dia mais se dissemina a cultura da pornografia, em detrimento da dignidade humana e da santificação. É o flagelo que açoita a todos, subjugando-os ao domínio da sensualidade, que, aliás, rege todas as convenções das relações humanas, a partir do culto ao corpo, o rigoroso cuidado com a beleza e a obediências aos ditames das frivolidades da moda, a patrocinar a imodéstia dos trajes. Daí resultam a falta de respeito entre pais e filhos, a infidelidade dos cônjuges, a ruína dos casamentos, a violência contra mulheres, a perversão sexual vitimando crianças e indefesos, enfim, destruindo a capacidade de ver no próximo o reflexo da beleza ímpar da criação de Deus. É a restauração de uma cultura pagã e a conquista de novos sequazes em todos os meios da sociedade, indistintamente.
Embora de concepção filosófica e religiosa peculiar, o escritor Miguel Torga, em seu livro “A Criação do Mundo” descreve, em “O Sexto Dia”, uma situação que se verifica facilmente hoje, em decorrência da cultura da pornografia: “De geração para geração a moral ia mudando. Maneiras condenadas num dia, no dia seguinte entravam na rotina. Atos ainda ontem praticados em transgressão eram-no hoje em permissividade. E curioso é que não se notava qualquer alegria no rosto dos beneficiados. Pelo contrário. Cada vez pareciam mais tristes. Libertos de mil peias, com todos os caminhos do prazer abertos, no fundo viviam murchos, como que desempregados da vida. Dispensados do esforço de lutar, de empreender, de imaginar, e da obrigação de assumir qualquer responsabilidade, vegetavam abulicamente no quotidiano”.
Esse é o quadro que está sendo pintado pela falta de disciplina, pela imodéstia, pela corrupção dos valores, pela omissão dos pais e pela indiferença dos governantes. São as conseqüências de um estado laico, cuja benesse, velada por uma falsa concepção de liberdade, nada mais é do que um salvo-conduto para a perdição.

sexta-feira, outubro 31, 2008

Referências no mundo

A história, mestra da vida, sempre destacou as personagens que protagonizam seus episódios. Uma galeria de vultos célebres, que se notabilizaram e se cristalizaram nas crônicas, seja pelo bom feito à humanidade, seja pela forma negativa como perpetuaram sua lembrança, indica à posteridade os rumos a seguir. Em todas as nações, em todas as instituições, na família, na sociedade, há sempre aqueles lembrados como referência, bússola para a humanidade. Pelas páginas historiográficas, esses nomes pompeiam os relatos, instigando a tantos que buscam compreender a atualidade no processo de formação da humanidade, desde a criação, tirar mor proveito do exemplo que esses briosos construtores nos legaram.
Essas referências, no entanto, escasseiam-se cada vez mais nos dias em que vivemos; entenda-se, contudo, enquanto referências edificantes. Ao contrário, a pusilanimidade que eleva os tiranos em montes de soberba e de crueldade, sujeitos a um desabamento iminente, essa, antagonicamente, se fortalece. De repente, os registros do presente discorrem mais uma análise crítica dos fatos, do que o relato, menos parcial possível, para o futuro. A voz dos bons já não se ouve bem. O bombardeio de escândalos, de injustiças e de alvoroço fugaz dos ímpios que se põem à frente (isso mesmo, eles se postam, não são conduzidos pelos seus feitos) não nos permite ouvir os justos.
Os museus vão se tornando cada vez mais um local das mais remotas lembranças, um acervo da primitiva antropologia social. Nas praças, monumentos seculares a ponteiam, sem emparelhar-lhes os que se deveriam erigir em reconhecimento aos célebres do nosso tempo. E os ignóbeis que se atrevem a elevar sua própria herma, a indiferença dos justos cuida em derrubá-los, desaparecendo sob a poeira do tempo. Mais dez lustros, nem uma réstia de sua presença se refletirá mais na história. Muitos que se sublevaram e edificaram sua imagem, impondo-a à vista de todas, subjugando a sensatez, ruíram-se da forma mais banal na vala comum dos esquecidos. Debalde tentaram perpetuar-se mesmo gravando seus nomes a golpes de cinzel no mármore da história; ele se calcificou.
A juventude, principalmente, não tem referência. Talvez cultue seus ídolos momentâneos - um desportista, ou cantor, até mesmo um artista de TV. Mas aquele ícone, cujas qualidades, virtudes, tentará refleti-las em sua conduta, em seu pensamento, ah, esse é sempre mais escasso. Daí a responsabilidade dos pais, dos educadores, em tentar apontar-lhes os verdadeiros exemplos a serem seguidos, os lídimos construtores de nosso tempo. Só assim, será possível resgatar os valores que fortalecerão o ânimo da geração presente, distinguindo-a, quem sabe, com o epíteto de “a restauradora”, num mundo marcado pela indiferença, pelo laicismo, pelo relativismo.

segunda-feira, outubro 20, 2008

A casa da lira

Desde pequeno, observava o artístico gradil que sobrepõe a porta principal da casa do “Seu Dudu” – como ouvia chamar a casa que fica na rua de baixo à de meus avós, onde passei quase toda a minha infância. Rodeada por um artístico trabalho em ferro, uma lira salienta-se em meio a tantas voltas, qual meada de ferro transformada em obra de arte de fino lavor. E a referência que tinha daquela velha casa era a lira – a casa da lira.
Os anos se passaram e ali continua a edificação, na rua Coronel Arthur Nascimento, desafiando o tempo e o progresso. Em seu entorno não há mais nenhuma construção que lhe seja contemporânea. À solidez de sua estrutura e ao cuidado de seus atuais proprietários deve-se a sua preservação, ao contrário de tantas outras que tão facilmente foram postas ao chão.
Mas só pude saber um pouco mais de sua história quando estava levantando a genealogia da família Baêta Neves. Durante as agradáveis palestras que sempre tinha com sta. Regina Baêta Furtado de Mendonça, que discorria sobre as histórias de família como se tivesse conhecido todos os seus avoengos e testemunhado cada momento de suas vidas, ela sempre se referia à “Tia Nata”, irmã do “Vovô Barão”. Até que um dia ela relatou-me a história daquela casa e de sua proprietária.
Fortunata Augusta Baeta Neves (Tia Nata) era filha do Comendador Joaquim Lourenço Baeta Neves e de Maria Fortunata Monteiro de Barros Lobo, portanto, irmã de Joaquim Lourenço Baeta Neves Júnior, o Barão de Queluz. Ela nasceu a 17 de agosto de 1842, poucos dias após as batalhas da Revolução Liberal em Queluz. Ainda jovem, foi internada no Colégio Providência, em Mariana, formada sob a disciplina das Irmãs Vicentinas, onde aprendeu, entre as atividades reservadas, na época, às mulheres, a tocar piano. E à arte de Euterpe dedicou-se de modo tão especial que, quando foi se casar, o Comendador Baeta mandou construir-lhe uma casa, próxima à sua, e na fachada colocou o ornamento destacando a lira, em homenagem à sua filha.
A pianista Fortunata Augusta casou-se a 11 de dezembro de 1859, com seu parente Joaquim Affonso Baeta Neves. Portanto, a construção da casa é dessa época, pois teria sido o presente de casamento de seu pai (ou, na verdade, seria o seu dote). De acordo com Regina Mendonça, eram concorridos os saraus na casa de “Tia Nata”, onde se ouvia boa música, declamavam-se poemas e a culinária portuguesa, conservada em família, era degustada pelos convidados: “era um ambiente aristocrático e muito elevado. Tia Nata era muito culta”, relatava-me Regina.
Conta-se, também, que ela teria sido a primeira harmonista na Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Com a decadência da música sacra, no final do século 19, os grupos musicais se enfraquecendo, em prejuízo do esplendor da liturgia, dona Fortunata presenteou a igreja com um harmônio francês, que até poucos anos ainda se encontrava num dos cômodos de despejo da igreja.
De seu casamento teve um único filho, Affonso Augusto Baeta Neves, em 1864. No entanto, desde novo, apresentava-se frágil, sempre às voltas com algum achaque. Com o tempo, a enfermidade do filho foi se agravando, na mesma intensidade em que, debalde, os desvelos maternos se redobravam. Affonso Augusto faleceu a 5 de julho de 1885. Seu pai, Joaquim Affonso, morrera um ano antes, a 15 de abril de 1884.
Viúva e sem o filho, Fortunata contraiu segundo casamento, com o coronel Arthur Augusto do Nascimento. Recém-chegado de São Paulo, viúvo e com dois filhos pequenos, Arthur Nascimento encontrou em Fortunata a companheira para viver ao seu lado e a mãe dedicada para seus filhos. O carinho que lhes devotou foi recompensado pelo respeito, estima e amparo, principalmente quando se enviuvou pela segunda vez. Fortunata morreu a 19 de maio de 1925.
O coronel Arthur Nascimento foi figura de projeção na cidade. Foi nomeado Diretor Literário, cargo equivalente ao de inspetor de ensino, ficando responsável por todo o município, no qual se inseriam muitos distritos. Na política também se destacou, principalmente como mediador em meio às rivalidades partidárias que, por vezes, colocavam em risco a tranqüilidade social. Arthur Nascimento faleceu por volta de 1917, deixando dois filhos.
Atualmente, a casa pertence aos descendentes de um dos filhos dele. E é atendendo ao desejo deles, de saberem um pouco da história daquela edificação, que reuni as lembranças de minhas conversas com Regina Mendonça e as anotações feitas durante pesquisas em documentos e alfarrábios.

Casa da Lira na rua Coronel Arthur Nascimento, construída no século XIX

Detalhe do gradil de ferro sobre a porta

sexta-feira, outubro 17, 2008

Olho-grande

É muito comum ouvirmos falar de olho-grande, ou olho-gordo, sobre algo que tanto se deseja, capaz de definhá-la. Os supersticiosos sempre encontram uma benzação ou uma panacéia que combate esse mal temido pelos mais crédulos. Juram que uma pessoa de olho-grande é capaz de fazer secar uma pimenteira, deixar careca a dona das mais belas madeixas, entristecer o mais contente semblante. Inclusive, um programa de TV tem feito muito sucesso com um quadro em que a personagem vive ambicionando o bem alheio.
Na realidade lafaietense, o olho-grande do momento mira os cargos comissionados que o prefeito eleito José Milton de Carvalho Rocha (PSDB) tem à sua disposição na Prefeitura. De acordo com o que o Jornal CORREIO levantou, são 287 cargos com salários entre R$ 1.176 e R$ 5,5 mil. Como acontece a cada quatro anos, correligionários políticos, assessores mais próximos e outros interessados já começam as articulações, almejando uma colocação.
Durante muito tempo, os cargos políticos foram alvo de disputas em diversas modalidades, desde o mero apadrinhamento à troca de beneplácitos, com interesses, às vezes, suspeitos. Necessitou-se quase desenvolver uma jurisprudência para conter abusos, cada vez mais difíceis. No entanto, sempre se encontra uma fenda legal por onde se introduz uma cunha protegida, às vezes, incapaz de corresponder à expectativa de seu desempenho; uma autêntica colocação política.
Enquanto o prefeito eleito descansa em viagem, após a maratona de campanha, já se ouvem por aqui cochichos, insinuações e alfinetadas sobre as pretensões dos cargos. É preciso que esse pessoal tenha um pouco mais de bom senso e espere ser convidado. Certamente, ele saberá quem melhor poderá oferecer ao município em troca dos almejados salários. É melhor aguardar ser chamado, com tranqüilidade e discrição, do que se oferecer e não dar conta do serviço. Olho-grande, neste caso, é perigoso minguar o dinheiro, que não pagará tanta amolação que dará aos incompetentes, ao mesmo tempo em que desfalcará os cofres públicos.

(Publicado como Editorial do Jornal Correio da Cidade, edição 929, de 18 a 24/10/2008)

Tributo de gratidão

Celebrar a vida é celebrar a graça de Deus. Isso porque é Ele quem no-la concede. A nossa vida brota da fonte eterna e inesgotável de vida – Deus – à “cuja imagem e semelhança fomos criados” (Gn 1,26-27). Se fomos criados à sua imagem e semelhança, devemos, portanto, ser espelhos onde se refletem a Sua glória e beleza; daí a tendência natural de sempre buscar o que há de bom, de belo e verdadeiro, por inspiração divina.
A presença neste mundo nos compromete com o projeto de salvação. Somos responsáveis por nós e por aqueles que conosco convivem. Somos cooperadores no plano de construção de um mundo mais fraterno, vislumbrando a plenitude da vida, a partir do momento em que desejamos ardentemente nada mais, senão buscar fazer a vontade do Pai. Desta forma, experimentamos o anelo que Santo Agostinho expressou nesta oração: “Fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto até que não descanse em Vós”.
Celebrar a vida, portanto, é celebrar a graça de também podermos amar a Deus e ao próximo, à semelhança daquEle que nos criou. É nos entregarmos à missão de evangelizadores, anunciando a misericórdia de Deus. É partilharmos nossa vivência de fé e de amor, na família e na comunidade, sendo “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5,13).
Existem pessoas cuja existência torna-se um esparzir de bondade, pela sua dedicação à família, ao próximo, ao trabalho, um constante “fazer a vontade do Pai”, ainda que de forma indeliberada, como num impulso natural de fazer o bem, orante: “fazer vossa vontade, meu Deus, é o que me agrada” (Sl 39,9). Essas pessoas deixam marcas não por aspectos externos, estéticos ou nem mesmo pelas suas capacidades intelectuais. Elas se tornam inesquecíveis pelo bem que, de alguma forma, fazem àquelas que delas se aproximam.
Ao discorrer sobre este tema, hoje, faço destas letras um ato de ação de graças a Deus pelo dom da vida. Faço destas letras um tributo de gratidão a essas pessoas que passam por nossa vida e tanto nos ajudam, de alguma forma, a crescer, não apenas profissionalmente, mas principalmente como ser humano sensível à realidade em que se vive, atento aos princípios morais e religiosos. Sem rasgos de pieguice ou desatinos de carolices, de maneira discreta, pela conduta honesta, intemerata e cristã, tornam-se espelhos para quem com elas convivem.
Ao discorrer sobre este tema, rendo uma homenagem sincera, de todo coração, à sta. Maria Henriques Gonçalves Nogueira, com quem trabalhei por alguns anos e com quem tanto aprendi. No transcurso de seu natalício, neste sábado, dia 18, queira a cara Lili Nogueira receber esta minha homenagem como um tributo de gratidão.

quarta-feira, outubro 15, 2008

Preciosidade colonial em São Gonçalo do Brandão

Uma das preciosidades da arquitetura e arte coloniais que ainda resta em Conselheiro Lafaiete é a capela da localidade de São Gonçalo do Brandão, na zona rural do município. Após a demolição de sua nave, na década de 50 do século XX, restou apenas a capela-mor e a sacristia, recentemente restauradas por iniciativa da própria comunidade, que conseguiu o patrocínio do Banco do Brasil. No distrito de São Gonçalo, os moradores identificaram a importância daquela que é uma das mais antigas capelas da freguesia de Carijós e buscaram recursos para recuperá-la e conservá-la.
O povoado de São Gonçalo do Brandão tem suas origens no início do século XVIII, provavelmente quando os portugueses Manuel Pereira de Azevedo (Brandão) e Bernardo Martins Pereira aqui chegaram, por volta de 1720, e se fixaram naquelas terras, onde fundaram suas fazendas. A antiga capela de São Gonçalo, atualmente, é o único monumento histórico existente naquele povoado.
No século XVIII, iniciou-se a formação do povoado em torno da fazenda, devido ao acréscimo da família do proprietário daquelas terras e outras pessoas que foram se mundando para aquela localidade. A antiga capela, com belíssimo altar, serviu, por longos anos, para os exercícios religiosos dos moradores daquela povoação. Pouca cousa encontramos sobre aquele templo, porém só o retábulo do altar é um documento de valor imensurável.
No livro de registro de batizados, casamentos e óbitos da freguesia de Carijós, de 1728 a 1743, nele aparecem, no início da década de 1730, registros de sacramentos administrados naquela capela. A capela de São Gonçalo esteve como filial de Nossa Senhora da Conceição até 1911, quando a igreja de São Sebastião, do então bairro de Lafayette, tornou-se curato, começando a desmembrar-se da Matriz da Conceição. Há uns poucos anos quando criou-se a paróquia de Nossa Senhora da Luz, a capela de São Gonçalo passou a ser uma de suas filiais.
Durante o paroquiato do Monsenhor Antônio José Ferreira, quando São Gonçalo ainda pertencia à paróquia de São Sebastião, foi construída uma nova igreja, sem demolir o templo antigo. Atualmente, aquela comunidade está aplicada à paróquia de Nossa Senhora da Luz, do bairro Areal.
A capela está localizada dentro do cemitério, nos fundos da nova igreja, mais ampla, capaz de comportar o número de fiéis, construída na década de 50. Após a demolição da nave do templo, a porta foi adaptada ao arco-do-cruzeiro, no qual é possível observar a pintura marmorizada em seu interior, recuperada recentemente. O altar é todo confeccionado em madeira, com camarim e dois nichos laterais. O retábulo, parte mais alta do altar, é simples, mas sugere que os ornamentos eram mais trabalhados na pintura, que se deteriorou nos anos em que a capela esteve abandonada, chegando quase a cair. Há uma semelhança com o altar-mor da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Passagem, o que, além do estilo rococó, leva a crer que possivelmente sejam obras de um mesmo artista. Na sacristia existe um lavabo completamente inacabado, encimado pela data “A. 1807”.
Há poucos anos, a comunidade se reuniu, junto com o padre João Batista Barbosa, que na época era responsável pela igreja, e buscou recursos para a obra. O trabalho foi executado pelo Grupo Oficina de Restauro, de Belo Horizonte, tendo à frente a restauradora Maria Regina Reis Ramos. A restauração, orçada em R$ 60 mil, foi patrocinada pelo Banco do Brasil S/A.
Naquela localidade, entre os séculos XVIII e XIX, teve um artífice, Manoel Pereira Brandão (o neto), que em 1790 foi contratado pela Irmandade do Santíssimo, da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, para que pusesse abaixo a taipa do frontispício velho e que se cobrisse e se forrasse o acrescentamento para as torres e se mudasse o coro e que se pusessem as portas nas ditas torres e que se continuasse a escada de madeira para a torre e se pusesse os sinos em cima, que se mudasse a Pia e lhe pusesse porta com fechadura e se tapassem as sineiras da torre em que está a Pia Batismal, em razão do prejuízo que faria a água que por elas entrava; que se mudasse as grades para baixo e se fizesse o lavatório para a sacristia da Fábrica. Esse mesmo artista, em 1825, foi contratado para outras obras na Matriz, como a construção de duas sacristias, novos púlpitos, ladrilhar as sacristias de tijolo, entre outras outras. Talvez ele tenha trabalhado na capela de São Gonçalo, edificada por seu avô, Manoel Pereira de Azevedo, tronco da família Pereira Brandão em Carijós.


Os fundadores da igreja
A família Pereira Brandão foi uma das primeiras que se estabeleceram em Carijós, nos primórdios do século XVIII. Manoel Pereira de Azevedo veio para o Brasil já com sua família constituída. Aliás, por muito tempo, creu-se que seu nome era Manoel Pereira Brandão. A pesquisadora Maria Efigênia da Paixão foi quem encontrou seu registro de casamento e batizado dos filhos em vasta pesquisa realizada sobre esse clã.
O filho de Manoel, por nome Theodózio Pereira Brandão, em 1756, obteve sesmaria (um pedaço de terra concedido pelo governo, na época da colônia, para que fosse cultivado) junto à capela de São Gonçalo. A concessão aparece nos livros paroquiais desde 1730. Nessa época, na capela já se celebravam a Santa Missa e administravam-se sacramentos.
Manoel Pereira de Azevedo era natural da freguesia de São Miguel do Urró, Vila de Arouca, bispado de Lamego, filho de Lucas Pereira e de Maria Brandoa. A genealogista Maria Efigênia da Paixão localizou sua ascendência, tendo ele se casado em Aveiro, a 7 de maio de 1704, com Jerônima do Pinho, filha de Estevão João e de Antônia Tavares. Jerônima do Pinho foi batizada em São Miguel do Urro, a 10 de dezembro de 1680. Na visita canônica feita, em 1733, pelo Comissário da Santa Cruzada, vigário colado de Catas Altas do Mato Dentro e Visitador Ordinário da comarca do Rio das Mortes, Dr. Domingos Luiz da Silva, o tronco dos Brandão figura na devassa como “Manoel Pereira Brandão, de São Miguel de Orror [sic], casado, 56 anos, morador em São Gonçalo”.

Retábulo e altar da primitiva capela

quinta-feira, outubro 09, 2008

Pastor angelicus

No dia 9 de outubro, celebrou-se o cinqüentenário da morte do Papa Pio XII, o Pastor Angelicus. Um dos grandes pontífices da História da Igreja, marcou significativamente o século XX pelo momento histórico em que viveu. O início de seu pontificado coincidiu amargamente com o eclodir da Segunda Grande Guerra Mundial. Aliás, a prudência com que o Santo Padre agiu durante esse período de beligerância entre o Eixo e os Países Aliados custou-lhe a infâmia de ter sido conivente com o Terceiro Reich. Mesmo com mais aprofundados estudos, muitos ainda sustentam essa calúnia, com o vil intento de macular a honra do papa Pacelli e comprometer a Santa Igreja com as atrocidades cometidas, principalmente, pelo Nazismo. Se não bastasse esse triste período (1939-1945), seguiram-se os anos da Guerra Fria, em que o Bispo de Roma também teve que portar-se com muita diplomacia, até mesmo por causa das vítimas católicas do regime comunista no leste europeu.

Mas foi durante o pontificado desse grande Papa que o mundo também passava por grandes transformações sociais e avanços tecnológicos. E para cada uma dessas situações, muitas delas inusitadas, teve Pio XII uma palavra especial, não superficial, ao contrário profunda de conhecimento, a ponto de advertir sobre possíveis danos no plano social como em questões éticas e morais. Ciência, literatura, medicina, cinema, esporte, política, filosofia, além de temas específicos relativos à fé cristã, por todos esses campos discursou o Santo Padre com muita sabedoria e unção.

Durante a Santa Missa celebrada em sufrágio de sua alma, no dia 9, o papa Bento XVI destacou a santidade de Eugênio Pacelli ao abandonar-se “nas mãos misericordiosas de Deus”, ciente de que “só Cristo é a verdadeira esperança do homem” e “apenas confinado nele, o coração humano pode abrir-se ao amor que vence o ódio”. E enquanto se celebra na Cidade Eterna o Sínodo dos Bispos, em que tem por tema “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”, Bento XVI lembrou-se da encíclica “Divino Afflante Spiritu”, de 1943, em que seu antecessor “estabelecia as normas doutrinais para o estudo da Sagrada Escritura, manifestando sua importância e seu papel na vida cristã”.

Bento XVI admitiu que, “infelizmente, o debate histórico sobre a figura do Servo de Deus Pio XII, não sempre sereno, evitou que se colocassem à luz todos os aspectos de seu polivalente pontificado”. Deus louvado, novos estudos cientificamente comprometidos vão como que reescrevendo a história desse grande homem do século XX, Pio XII, o lídimo Papa da Paz.

quarta-feira, outubro 08, 2008

Et erit in pace memoria ejus


Homenagem ao Servo de Deus Papa Pio XII, no transcurso do 50º ano de seu falecimento.
Ao lídimo Papa da Paz, nossa homenagem e o louvor a Deus Nosso Senhor pela vida que Lhe foi inteiramente dedicada e à Santa Igreja.
Enquanto não podemos entoar o solene Te Deum laudamus,
rezemos o piedoso requiem in aeternam dona eis Domine,
pelo Pastor Angelicus.
Requiescat in pace.
+ 09/10/1958

quinta-feira, setembro 25, 2008

Não matarás

A legislação divina, em seu quinto artigo, veda ao homem ofender a existência em geral, seja da própria vida ou a de outrem, neste caso a dupla vida, do corpo e da alma: "Não matarás" (Dt 5,17). Mas um outro mandamento vem de encontro a esse, o oitavo: "Não dirás falso testemunho contra o teu próximo" (Dt 5,20). O primeiro sentido, claro, é o de não proceder a depoimento falso, mentiroso. Todavia, numa interpretação larga do artigo analisa-se a mentira, a difamação e a injúria. A que fere deveras mortalmente talvez seja a difamação, prejudicando, injustamente, a reputação do próximo, tendo como arma a língua; como projétil o verbo.

Os meios que o difamador lança mão para alcançar seus fins são a calúnia, a maledicência ou murmuração e a delação, em benefício de interesses mesquinhos ou pela simples satisfação de ferir a fama alheia. - Quantas pessoas são, por isso, prejudicadas, quantas honras maculadas, quantos corpos enfermos e quantas almas feridas pelo veneno desses "diabolos"! Por mais que insistam em justificar seus atos, jamais deixarão de ser assassinos morais, pois as conseqüências de suas atitudes são sempre más.

Na hierarquia dos difamadores há os insignificantes, a quem pouco crédito se dá, pois não gozam de uma reputação capaz de endossar suas atitudes. Os conspícuos, morigerados e reservados, por sua vez, são perigosos, valendo-se de um falso prestígio para que suas palavras causem impressão. Porém, os piores de todos são os que denominaríamos "fariseus hodiernos": pérfidos cristãos, mostrando-se tementes a Deus e sinceros, enquanto, na verdade, não passam de celerados, promotores da discórdia, assassinos de almas; pena esquecerem-se da admoestação evangélica: "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus" (Mt 7,21). Quanto a eles, julgarem-se sinceros é um desrespeito aos probos e cultos, pois a sinceridade só vale se amparada na caridade, e esta virtude a desconhece essa corja de difamadores.

O homem deve, sim, falar sempre a verdade, mas não todas as verdades - isto é um princípio moral, o que não quer dizer que deva mentir. A sinceridade manda pensar tudo o que se irá dizer, e não dizer tudo o que se pensa. A discrição manda calar o que não é oportuno, manda ponderar as palavras e silenciar os segredos. A sinceridade e discrição são duas virtudes preciosíssimas por igual. Se fossem abstraídas pelos difamadores de plantão, semeadores da discórdia, talvez a sociedade seria mais justa e fraterna.

sexta-feira, setembro 19, 2008

A origem das espécies

Foi anunciada, na última semana, a realização de um congresso, no Vaticano, em março de 2009, sobre “Evolução biológica: factos e teorias”. A proposta é debater com especialistas em paleontologia, biologia molecular, antropologia cultural, filosofia e teologia, católicos e não católicos, que fé e a teoria da evolução não são incompatíveis. Será uma abordagem crítica da obra de Charles Darwin, 50 anos depois da publicação de “A Origem das Espécies”, aprofundando o tema de um modo interdisciplinar.
Questões relativas à polêmica teoria da evolução de Darwin tem sido, sempre, evocadas pelo Santo Padre. Na celebração da Santa Missa que inaugurou o seu pontificado, em abril de 2005, o Bispo de Roma já alertava que não sermos o produto casual e sem sentido da evolução, mas “fruto de um pensamento de Deus”, afirmou. E há pouco, durante sua visita à França, em exortação aos intelectuais da Filha Dileta da Igreja, o Papa indicou que “na origem de todas as coisas não deve ser colocada a irracionalidade, mas a razão criativa; não o acaso cego, mas a liberdade”.
Aporias existentes, tanto pela complexidade da teoria, quanto pelas divergências ideológicas e científicas, é que sugerem essa aproximação dos contraditores – daí serem convidados católicos e não católicos. O discernimento da racionalidade polimórfica que, desviada do reto sentido cristão, perde-se na sujeição a inflexões absurdas, decorrentes de um desordenamento intelectual ou até mesmo da soberba de querer ser como deuses, autores da criação de novos conceitos, independentes de algum comprometimento teológico, principalmente, senão presos à ambição somente de seu ego, muito mais do que um ateísmo, um antiteísmo.
Uma interpretação exegética da Bíblia um tanto fabulosa, ou decorrente das limitações de antanho, em todos os sentidos, é que provavelmente tenha possibilitado o desenvolvimento de teorias que se precipitaram em absurdos. Sobre isso, basta atentar para o trabalho das comissões bíblicas, desde os tempos de São Pio X, até hoje, e se apreenderá uma evolução bem mais clara, sadia, definida da caminhada do homem, desde a sua criação, tendo Deus com princípio, motivo e fim último. Compreender-se-á, então, pela fé, que a Criação “é o ato pelo qual Deus, do nada, deu e mantém a existência de tudo quanto existe”.

sexta-feira, setembro 12, 2008

Emancipando-se

No próximo dia 19 de setembro, Conselheiro Lafaiete comemora seus 218 anos de emancipação política. Em meio às festas que marcam a efeméride que sugere a conquistada de liberdade e autonomia administrativa, cabe uma reflexão sobre o destino do antigo Arraial dos Carijós. Essa emancipação não se restringe àquele instante histórico, cristalizado no nostálgico 1790, em que se concretizou o sonho do povo de Carijós, quando se erigiu a Real Vila de Queluz. Todo o aparato formal, a presença do governador general Visconde de Barbacena e da nobreza, assistidos pelo povo na instalação do Senado da Câmara, foi como que o descortinar do porvir do que viria ser a heróica Cidade de Queluz, a pujante Conselheiro Lafaiete.

Mas esse olhar que nos lançaram nossos antepassados depositou uma grave responsabilidade sobre sua posteridade. Aquela emancipação da Vila de São José, distante tantas léguas, cujos governantes se esqueciam das necessidades de Carijós, enxergando-o apenas como um arraial distante, sem possibilidades de progresso, em decorrência de suas pobres fontes de subsistência, “banhado por um rio de águas sujas” – como alegaram os membros do Senado daquela Vila, aquela emancipação, mais do que ser comemorada, deve ser reafirmada a cada dia por todos os lafaietenses. Essa emancipação sugere, além do sentido de liberdade, a interpretação de um comprometimento com o desenvolvimento; se não fosse essa perspectiva, Queluz não se teria elevado.

O momento torna-se, por isso, muito oportuno. Enquanto candidatos a prefeito e a vereadores peregrinam pela cidade em busca de votos, devem os lafaietenses observar bem o que eles propõem para assegurar a emancipação do município. A emancipação política, elegendo cidadãos e cidadãs probos, capazes de honrar o mandato que lhes for confiado; emancipação da educação e da cultura, discernindo bem o potencial dos valores locais e mobilizando-os; emancipação da saúde, garantindo atendimento eficiente e a contento dos munícipes; emancipação comercial e industrial, proporcionando estrutura adequada para essa que é a principal fonte de renda do município; emancipação dos direitos dos cidadãos, assegurando-lhes segurança e promovendo a ordem pública. Assim, os lafaietenses, muito mais do que comemorar uma data histórica, estarão festejando sua constante emancipação.

Feriados

Os feriados são os dias do ano, geralmente, mais aguardados. Podem não ter nada de diferente, mas a expectativa de um dia a mais de descanso (quando caem na segunda ou na sexta-feira), ou uma “quebra” na rotina da semana (na quarta-feira, por exemplo), que talvez seja o motivo a incitar os mandriões, atalaias do descanso. A origem desse dia de descanso é, antes, na sua dedicação a algo; ou seja, interrompe-se o trabalho para, então, ocupar-se com algo específico. Os reis mandavam interromper os trabalhos para comemorar uma conquista, para festejar algum nascimento ou bodas na Casa Real, até mesmo a morte de um membro dela. Essa festa podia se estender por até uma semana, fosse com música e dança, ou com choro e cera. As solenidades religiosas também alcançaram, muitas, esse “privilégio”, mercê da religiosidade popular inflamada. São os conhecidos dias-santos (alguns canonicamente definidos “de guarda”).
Esse costume prevalece até hoje. O número dos dias santificados, no Brasil, foram reduzidos, tanto pela impossibilidade de tantos feriados ao longo do ano, quanto, até mesmo, para não criar polêmicas numa sociedade onde se admite a liberdade de culto religioso. Alguns, no entanto, foram mantidos, pela sua tradição e pela importância de seu reconhecimento. Alguns feriados de origem religiosa que ainda se mantêm são o de 1º de janeiro, Sexta-feira Santa, Corpus Christi, Natal e comemoração do santo padroeiro do município. Pode-se considerá-los como uma deferência dos legisladores para com os fiéis católicos, visto alguns países do Velho Mundo já não mais concedê-los todos, não obstante a maioria das pessoas não pararem o seu trabalho nesse dia para comemorar a data, seja ela cívica ou religiosa.
Em Conselheiro Lafaiete, dois feriados de origem católica constam do calendário municipal: o da solenidade do Sagrado Coração de Jesus e o de Nossa Senhora da Conceição. Este último é muito antigo, remonta aos tempos coloniais. O rei Dom João IV decretou, em 1648, consagrou o reino de Portugal a Nossa Senhora da Conceição, proclamando – antes mesmo da Igreja Católica - o dogma sacrossanto: “ex omni parte inculpata”, nos dizeres de São João Crisóstomo. Dom João V ordenou que se celebrasse a festa da Imaculada Conceição, a 8 de dezembro, “com grande pompa e respeito, comparecendo as vereanças e capitães-generais, bem como todas as Irmandades e Confrarias”. Em Lafaiete, portanto, desde os tempos de Carijós, essa solenidade revestiu-se de grande piedade e de manifestações de alegria, não apenas pela determinação régia, mas principalmente por ter a Virgem da Conceição como sua padroeira. O beato João XXIII, pelo Breve Apostólico “Instante”, de 2 de junho de 1961, declarou a Virgem da Conceição celeste e principal patrona da cidade e do município de Conselheiro Lafaiete e pelo Breve Apostólico “Quidquid ad pietatem”, de 17 de agosto de 1961, concedeu a imposição de uma coroa de ouro na sua imagem, o que ocorreu em 15 de agosto de 1963.
O motivo de abordar este tema hoje deve-se a uma infeliz proposta que teria sido feita a um dos candidatos a prefeito, durante um debate na última semana. Indagaram-no sobre a possibilidade de se extinguir o feriado de 8 de dezembro, para que não haja interrupção do comércio num momento tão promissor de vendas, com vistas ao Natal. A ingênua proposição tomara tenha sido tão simplesmente impensada. Caso contrário, seria muito triste constatar essa falta de respeito à liberdade de culto, uma ignorância das tradições históricas e até um maleável senso de desacato aos poderes constituídos. Felizmente, o inquirido descartou a sugestão prontamente.

sexta-feira, setembro 05, 2008

Religião nas escolas

A laicização do Estado e de toda a organização governamental é perniciosa à ordem social. Esse processo que vem se arrastando há mais de dois séculos, suscitado no Velho Mundo, conquistou simpatizantes no Brasil na segunda metade do século XIX. Disseminando-se por entre os meios intelectual e político, esse sistema ateu granjeia adeptos, impedindo o aprofundamento da fé, desorientando a conduta ética e moral. O ensino foi o principal alvo, privando as crianças do que o Papa Pio XII indicou ser a “pedagogia da fé” (encíclica “Mystici Corporis Christi”, 1943). No momento oportuno em que as condições da natureza humana são mais acessíveis para a assimilação da fé, por meio da participação da inteligência e da vontade de permitir a ação desse dom, tolhem os dotes naturais da necessidade imanente da busca de Deus.

A pedagogia moderna da educação não admite a observância de uma disciplina, seja ela física ou intelectual, com o pretexto de ser traumatizante para as crianças. Não vêem o mal que pode causar a flexibilização do ensino. Observa o biólogo Christian de Duve, Prêmio Nobel em 1974, que “não se pode aprender a pensar sem certo esforço, sem alguma medida coercitiva, imposta inicialmente pelo exterior, até que se tenha aprendido a ter a iniciativa do bem por si mesmo. (...) A meu ver, é daí que vem o irracional, essa fraqueza na utilização crítica da razão e a ausência de rigor no pensamento” (SALOMON, Michel, “L’Avenir de la Vie”, Paris, Seghers).

Para se chegar a Deus, além da graça, necessita-se da compreensão racional de sua existência. Isso somente o ensino religioso nas escolas poderá proporcionar de forma explícita e sistemática, como adverte o papa Paulo VI num de seus Documentos: “O ensino religioso, embora não se esgote nos cursos de religião integrados nos programas escolares, deve ser ministrado na escola de modo explícito e sistemático, a fim de que não se venha a criar na mente dos alunos um desequilíbrio entre a cultura geral e a cultura religiosa” (“Escola Apostólica”, 19/3/1977, cap. IV).

Interessantes essas duas condições indispensáveis que o Papa Montini aponta. O ensino explícito, ou seja, o ensino da religião com o intuito de se formar cristãos convictos, não uma reflexão das experiências de vida, ou sobre temas atuais e polêmicas questões sociais, muito menos introspecções filosóficas ou rudimentos morais e éticos. O ensino sistemático é para assegurar o seu desenvolvimento, uma seqüência pelos anos escolares que possibilitará o aprofundamento da compreensão sobre a existência de Deus e de Sua revelação, enquanto se vai avançando pela via espiritual.

“A escola sem Deus é um caminhar como o de alguém que perdeu o endereço da casa paterna. Será uma escola que não sabe responder a uma pergunta fundamental sobre si mesma: para que educar?”, assegura o pedagogo cristão Dom Lourenço de Almeida Prado – OSB. Esse é o vazio a que chega a pedagogia moderna, cujos acertos ainda são insuficientes para reparar o dano que o ateísmo sugerido tem causado às crianças e aos jovens.

sexta-feira, agosto 29, 2008

Em prol da vida

Busca-se no Brasil, de todas as formas, legalizar o aborto; ao menos, vão-se dando margens para que ele seja implantado definitivamente, ao livre arbítrio de quem queira se submeter a ele. É a legalização da cultura da morte, ou civilização da morte, como a definiu o Papa João Paulo II, “opondo-se frontalmente aos valores da doutrina cristã, que defende a vida acima de tudo (...) esta cultura destruidora propõe a morte como solução de uma série de problemas”.
Admitiram, primeiramente, o aborto em determinados casos; aliás, sempre fizeram “vistas grossas” – como se costuma dizer – sobre uma questão que, na iminência de causar qualquer transtorno pessoal, familiar ou social, é mais fácil admiti-la adotando o recurso que a barbárie e a impiedade sempre souberam utilizar: a morte. Depois, as autoridades responsáveis por assegurar o direito de todos, inclusive de zelar pelos princípios da conduta humana e social, não conseguiram assimilar os danos éticos que a permissão às pesquisas de células embrionárias pode causar. Agora, enquanto escrevo estas linhas, o Superior Tribunal Federal em Brasília discute a tese que permite a interrupção da gravidez em casos de fetos anencéfalos.
De acordo com o procurador Paulo Silveira Leão Júnior e com o médico Rodolfo Acatauassú Nunes, “um ser vivo com grave deficiência cerebral, mas com pequena capacidade de sobrevida e possivelmente um nível primitivo de consciência”, tanto que, há pouco tempo, assistimos a um caso de uma criança anencéfala que morreu com mais de um ano de idade. Leão Júnior atenta para “os direitos constitucionais da inviolabilidade da vida, da dignidade e do bem-estar”.
A partir do momento em que não se respeita mais a vida, principalmente de seres indefesos, libera-se o homem para submeter-se a todo e qualquer tipo de atrocidade, sem nenhum limite moral ou ético. Abrir-se-ão as portas para que se liberem também a contracepção, a esterilização, eutanásia, a pena de morte, o uso de drogas, enfim, para que o homem não se sujeite à ordem, ao respeito, a Deus. Lembrando ainda João Paulo II: “...uma grave derrocada moral da sociedade: opções, outrora consideradas criminosas e rejeitadas pelo senso moral comum, tornam-se socialmente respeitáveis” (Evangelium Vitæ, nº 5); e, mais além: “tratam-se de ameaças programadas de maneira científica e sistemática” (nº 17).
Oxalá as pessoas atentem para a importância desse tema que tem sido discutido de forma tão restrita à comunidade científica e aos poderes da República, enquanto a população, em grande parte, fica cá embaixo sem entender direito a sua gravidade, distraída com as leviandades do mundo, a violência crescente, escândalos e disputas políticas. No estado democrático, todos devem ter amplo conhecimento de tudo o que seja de interesse comum, antes de se tomar qualquer decisão. Ainda lembrando o saudoso Pontífice, “a vida está jurada de morte”. Por isso, todos os cristãos são chamados a alistar-se nesta cruzada em prol da vida.

quinta-feira, agosto 28, 2008

O dom da vida

Celebrar a vida é celebrar a graça de Deus. Isso porque é Ele quem no-la concede. A nossa vida brota da fonte eterna e inesgotável de vida – Deus – à “cuja imagem e semelhança fomos criados” (Gn 1,26-27).

Se fomos criados à sua imagem e semelhança, devemos, portanto, ser espelhos onde se refletem a Sua glória e beleza; daí a tendência natural de sempre buscar o que há de bom, de belo e verdadeiro, por inspiração divina.

A presença neste mundo nos compromete com o projeto de salvação. Somos responsáveis por nós e por aqueles que conosco convivem. Somos cooperadores no plano de construção de um mundo mais fraterno, vislumbrando a plenitude da vida, a partir do momento em que desejamos ardentemente nada mais, senão buscar fazer a vontade do Pai. Desta forma, experimentamos o anelo que Santo Agostinho expressou nesta oração: “Fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto até que não descanse em Vós”.

E quando nos reunimos com pessoas queridas para celebrarmos a vida, outro cântico não nos inspira, somente o de louvor a Deus pela graça da existência.

Mais inspiração temos, ainda, ao contemplarmos o Mistério de Amor, em que um Deus se fez homem, morreu por nós e permanece conosco até o fim dos tempos, na Sagrada Eucaristia.

É o amor... É a entrega... É a partilha...

Celebrar a vida, portanto, é celebrar a graça de também podermos amar a Deus e ao próximo, à semelhança daquEle que nos criou. É nos entregarmos à missão de evangelizadores, anunciando a misericórdia de Deus. É partilharmos nossa vivência de fé e de amor, na família e na comunidade, sendo “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5,13).

“Eu sou a vida” (Jo 14,6), disse Jesus a São Tomé. Esta afirmação ecoa até nossos dias, para não titubearmos ao querer buscá-lo sempre. “Eu vim para que todos tenham vida, e vida em plenitude” (Jo 10,10), também nos diz o Divino Amigo, assegurando-nos de que nenhum amor procede dEle, daí desejarmos amar nEle e por Ele. “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25), ainda é o Cristo amado entregando-se como remédio e salvação; em Sua graça renascemos, somos revestidos pelo homem novo “criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4,24).

No Santo Tabernáculo está Jesus, nosso Mestre, a fonte onde devemos haurir a confiança, a determinação e a disposição para continuar a caminhada. Que nossa existência seja um constante hino de ação de graças ao Criador pelo dom da vida.

segunda-feira, agosto 25, 2008

À memória do Doutor Mário Pereira


Costuma-se dizer que o Brasil tem uma forte tendência em se desfazer de sua história. Realmente, diversos episódios contribuem para confirmar essa crença, principalmente quando vemos o descaso, chegando às raias do desrespeito, com a história e seus personagens. Recentemente, foi demolida a casa onde residiu o médico Mário Rodrigues Pereira, na avenida que leva o seu nome, no centro de Conselheiro Lafaiete. É mais uma referência histórica que se perde. A edificação, pelo seu peculiar estilo arquitetônico, era u’a marca, o registro de uma época em que a cidade se desenvolvia. Aliás, uma particularidade da antiga rua do Carmo, que depois recebeu o nome de avenida Benedito Valadares e, hoje, avenida Prefeito Mário Pereira, era ter em todo o seu percurso, edificações de estilos diversos, desde a Matriz da Conceição até a Igreja do Carmo, como o sobrado onde funcionou a antiga Câmara e que se incendiou, a Cadeia, o Clube Carijós (o segundo prédio), entre muitas casas residenciais. E a casa do Doutor Mário era mais um exemplar naquela vitrina de estilos arquitetônicos vários. Enfim...
Ao referir-se à casa demolida, faz-se necessário reconhecer o mérito de seu antigo proprietário que, muito mais que um político, foi um benfeitor para a cidade. De temperamento reservado, de franqueza, às vezes, mal compreendida, como afirmam alguns contemporâneos seu, contudo, um homem capaz de se dispor a tudo, fosse no exercício da medicina, fosse em prol do bem-estar da população. De família tradicionalmente política na região, honrou os cargos que exerceu, sempre com probidade e atento ao desenvolvimento do município.
Mário Rodrigues Pereira nasceu na Fazenda da Cachoeira, então localidade de Carandaí, a 19 de junho de 1898, filho do major Francisco Rodrigues Pereira e de Maria Alves Pereira. Seu pai, conhecido pela alcunha de Chico Barão, era filho do legendário Barão de Santa Cecília (coronel Francisco Rodrigues Pereira de Queiroz) e de sua prima Luciana Pereira de Queiroz. Apesar da semelhança do sobrenome Rodrigues Pereira, com o do patrono do município, o Barão e o Conselheiro Lafayette não tinham nenhum parentesco, como comprovam pesquisas genealógicas de ambos.
Chico Barão, nascido em 26 de março de 1870, formou-se em Farmácia na tradicional Escola de Ouro Preto, estabelecendo-se seguida em Queluz com a Pharmácia Pereira, tornando-se conhecido como o “médico da pobreza”, tal a atenção com que cuidava da população carente. Exerceu, ainda, o cargo de Juiz de Paz na comarca. Embora não tenha participado ativamente da política local, contam que, por ocasião da deposição de Washington Luiz, em 1930, Chico Barão foi levado preso pelo governo revolucionário que se impôs, como represália a seu filho, o advogado Francisco Rodrigues Pereira Júnior que se elegera deputado federal nas eleições daquele ano. Quando a notícia da prisão do farmacêutico espalhou-se pela cidade, um grupo de senhoras teria se colocado à frente da Cadeia Pública “exigindo” sua soltura. Ao pequeno grupo, outras pessoas foram se juntando e à pressão da massa não restou outra alternativa senão soltá-lo. Na ocasião, outros políticos locais também foram presos. Sua esposa, Maria Alves Pereira, conhecida como Dona Marucas, dizem ter sido uma senhora de lhano trato, muito caridosa, que zelou pela Igreja do Carmo por muitos anos.
Os primeiros estudos, Mário Pereira os fez em Queluz, com o professor Severino Ferreira da Silva, conhecido por Seu Virico, ao lado da Igreja do Carmo, e com a professora Honorina Baêta. Na capital mineira, cursou Humanidades e Medicina, doutorando-se na turma de 1922, na mesma turma do Dr. Juscelino Kubitscheck de Oliveira. Retornando a Queluz, passou a clinicar na antiga Santa Casa (atual Hospital Queluz), como assistente do Dr. Narciso de Queiroz, que veio a ser seu sogro, por haver contraído núpcias com dona Amélia Nogueira Queiroz. Trabalhou durante toda a sua vida naquele nosocômio, destacando-se na área de ginecologia. À frente da tradicional casa de saúde, empreendeu significativas melhorias naquele estabelecimento, atendendo a pacientes de toda a região.
Após os primeiros anos do governo provisório de Getúlio Vargas, retomada a estabilidade administrativa no país, Mário Pereira foi nomeado prefeito de Conselheiro Lafaiete, em setembro de 1934, empossado no dia 1º de outubro. Um acordo entre as lideranças políticas locais e o governador Benedicto Valladares possibilitou esse engajamento do jovem médico na lida administrativa.
De acordo com o historiador Jair Noronha, Doutor Mário Pereira, “modesto, despretensioso, tudo executou visando única e exclusivamente o bem estar coletivo”. Entre suas obras, destacam-se as construções dos prédios da Prefeitura, do Asilo Agrícola (onde funciona o Larmena), do Colégio Monsenhor Horta (edifício da escola estadual Narciso de Queirós) e a sede do Tiro de Guerra na rua Horácio de Queiroz, doando, ainda, terreno necessário à construção do estande para essa escola de instrução militar. Atento à formação da juventude, colaborou com a implantação do Colégio Monsenhor Horta, da Faculdade de Comércio e, antes, do Ginásio Queluziano, fundado pelo doutor Domingos de Souza Novais, ainda na década de 20.
Naqueles distantes anos 30, de estradas de rodagem muito precárias, sendo intensas as atividades da ferrovia, vislumbrou o progresso, adquiriu um terreno próximo ao distrito de Buarque de Macedo e doou-o ao governo federal, onde foi construído o Campo de Aviação de Lafaiete, para os aviões da rota Rio-Belo Horizonte, o atual Campo das Bandeirinhas. O desporto teve especial atenção do dinâmico prefeito, que estimulou os iniciantes clubes de vôlei e de basquete, além dos clubes de futebol, tendo idealizado e construído o estádio do Meridional Esporte Clube, que, aliás, recebeu o seu nome, e doado o terreno para o Guarany Esporte Clube construir o seu campo, no Alto da Vista Alegre.
Um moderno projeto de urbanização Doutor Mário empreendeu durante sua gestão como prefeito. Realizou o ajardinamento e calçamento das principais praças da cidade, abriu novas ruas, promovendo o desenvolvimento de novos bairros. Na praça Tiradentes, construiu a fonte luminosa, restaurada recentemente, e o abrigo de ônibus, além de artísticas calçadas, desde a Praça Barão de Queluz. Na Praça São Sebastião construiu o prédio denominado Quitandinha e dotou aquele espaço de outros atrativos para o lazer de crianças e adolescentes. Substituiu os antigos calçamentos por paralelepípedos em mais de uma dezena de logradouros e promoveu a abertura e manutenção de estradas na zona rural, interligando os distritos. Seu mandato como prefeito encerrou-se em 1945. Em 1959, foi eleito vereador pelo distrito de Cristiano Otoni. Disputou eleições para prefeito, em 1962, quando venceu o pleito Dr. Orlando Baeta Costa.
O cronista Gilberto Victorino de Souza, em sua vasta obra sobre personalidades lafaietenses, destaca que Doutor Mário foi “dotado de uma personalidade inconfundível, era sinceramente estimado por todos aqueles que sabiam compreendê-lo em todos os seus aspectos. (...) Era completamente avesso a exibições demagógicas e ao farisaísmo político, tão comuns em nossa época. (...) Dotado de boníssimo coração, são sem conta o número de pessoas, em nossa cidade, que por ele foram beneficiadas”. Doutor Mário Rodrigues Pereira faleceu no dia 10 de setembro de 1964.