sexta-feira, novembro 21, 2008

Melhor para todos

Na semana passada, saiu a decisão da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, acerca da cassação do prefeito de Lafaiete, ocorrida dia 11/6, assegurando-lhe o mandato até o final. Lafaiete nunca viveu um ano politicamente tão tumultuado, como tem sido o derradeiro do governo do Partido dos Trabalhadores. Após anos tentando eleger um prefeito numa cidade com um eminente número de operários, em razão das siderúrgicas e mineradoras em seu entorno, a ascensão do PT ao poder parecia a aurora de um novo tempo. A princípio, sim, até passou essa impressão. Não tardou, entretanto, nos primeiros meses, alguns pontos inflamados na administração serem notados.
A administração municipal começou a se contradizer quando o então secretário da Fazenda, Antônio Carlos Junqueira, se levantou. Ninguém entendeu direito, naquele momento, o que acontecia; mas era o primeiro grito de que algo começava a desafinar a aparente harmonia administrativa do messiânico petista, de perfil descentralizador, transparente, em suma, democrático em todos os aspectos. Tiraram, então, o subversor e o motim foi abafado.
Não contavam, no entanto, que, mais cedo ou mais tarde, pelas frestas da fortaleza erguida em torno da administração, não obstante uma espécie de maquilagem a fizesse parecer aberta, participativa, diáfana, pelas frestas se exalaria o fedor da corrupção. Os boatos se intensificavam e o caso chegou à Câmara Municipal, que se viu obrigada a agir conforme lhe compete o Direito. Instalou-se a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), apuraram-se irregularidades, veio a Comissão Processante, depois a cassação e o retorno ilusoriamente feliz do prefeito ao cargo, posição confirmada pelo TJMG.
A população, grande parte dela ingênua e mal informada (porque quer e admite ser ludibriada) certamente entenderá que o prefeito foi absolvido. Aliás, essa é a expressão usada por todos de sua entourage, desde que saiu a decisão da Corte mineira. O prefeito livrou-se da cassação; está-lhe garantido o cargo até 31 de dezembro de 2008. No entanto, continuam as investigações da Polícia Federal, dando prosseguimento à Operação Pasárgada, que o levou preso no dia 9 de abril, juntamente com o seu ex-procurador e a esposa. Só ao final destas ele poderá ser absolvido. Oxalá isso realmente aconteça, para que o atual mandato não passe à história como um dos mais polêmicos, para não dizer equivocados, de Lafaiete, como uma das piores administrações.
A cassação da Câmara, agora, já pouco significa, pois o eleitorado lafaietense, por meio do voto democrático, já cassou o poder do atual prefeito no dia 5 de outubro. Aqueles que, equivocadamente, festejam a sua segunda colocação naquele pleito, mesmo com toda a "perseguição" que lhe empreendeu a "oposição conservadora", deveriam analisar friamente os números. Conselheiro Lafaiete tem 82.631 eleitores; destes, o candidato do PT teve 14.779 votos a seu favor. No entanto, 58.503 lafaietenses (fora as 9.349 abstenções) não quiseram na Prefeitura aquele que pensavam ser o "melhor para todos".

Imperador da Língua Portuguesa

Desde fevereiro, estão sendo comemorados os 400 anos do notável jesuíta Antônio Vieira. “Para nascer, Portugal. Para morrer, o mundo”. Desta forma viveu o célebre português que dignificou sua pátria, elevou sua fé e ornou a família religiosa em que ingressou. Nascido em Portugal, defendeu os direitos dos homens e da Igreja por onde passou, dignificou o elenco da Companhia de Jesus com sua capacidade de raciocínio espetacular e inflamado verbo, passando à posteridade como o Crisóstomo Português e celebrado pelo não menos notável Fernando Pessoa como Imperador da Língua Portuguesa.
“Figura ímpar da história portuguesa”, como o indicou o presidente Cavaco Silva, Vieira é responsável, conseqüentemente e por especiais intervenções, por grandes conquistas em prol da sociedade brasileiro, principalmente dos silvícolas. Na Bahia, seus sermões exaltaram o nacionalismo dos católicos e súditos de El Rei, em defesa da Religião e do Estado. Mobilizou exércitos, intimidou os governantes, encorajou o povo e defendeu os oprimidos, para que se estabelecesse neste mundo, ainda que de forma específica, o Reinado de Cristo. Aliás, vislumbrava a expansão do Império Lusitano, tornando-o no Império de Cristo – o Quinto Império, nas suas extravagâncias sebastianistas.
Na Corte, foi de uma influência perspicaz, tornando-se temido por todos, dada a sua competência para as tratativas diplomáticas e no engenho de reverter as situações, mercê de sua refinada dialética. “Um louco de Deus”, Vieira é a “expressão mais acabada da visão barroca do mundo”, define-o o presidente da Academia de Ciências de Lisboa, Adriano Moreira. Decerto, até o presente, não tenha a Língua Portuguesa quem melhor dela se valeu, a par do imortal Camões. Da palavra fez um monumento elevando até os céus os dons com que Nosso Senhor o dignificou, de patriota dedicado, orador eloqüente, sacerdote piedoso.
As comemorações “Vieirianas” em Portugal têm sido tão intensas, sugerindo outras promoções, que o Ano de Vieira, que se encerraria em fevereiro próximo, foi prorrogado até agosto. Isso demonstra o patriotismo dos portugueses, característica lusitana que, infelizmente, vem se perdendo no Brasil há muito. O nome do padre Antônio Vieira é digno de figurar entre os dos grandes vultos da História que construíram esta Nação. Com a mesma valentia com que muitos pegaram em armas, Vieira acenou, do púlpito, com sua alocução gongórica, o norte do Brasil, de Portugal, do Mundo.

sexta-feira, novembro 14, 2008

Caraça, porta do céu

A sugestiva invocação que se encontra entre as tantas da Ladainha Lauretana – Janua Cœli (Porta do Céu) – é também o título de uma produção cinematográfica: “Caraça, porta do céu” (1950). O drama do qual participaram das filmagens alunos e até padres do célebre colégio, não apenas como figurantes, mas desempenhando papéis de destaque, hoje é uma fita rara. Contudo, é um dos raros registros – senão o único – em vídeo, mostrando cenas do dia-a-dia naquela casa bicentenária, berço de varões ilustres, sacerdotes virtuosos, nomes que ilustram a história pátria, honrando a formação recebida naquele recôndito educandário entre as alterosas, à sombra do Santuário da Senhora Mãe dos Homens.
Ah! Quantos por ali passaram e levaram consigo as impressões que lhe moldaram o caráter a formação recebida dos padres lazaristas, formadores que foram, também, nos seminários de Mariana e Diamantina e no Colégio Matosinhos, junto ao Santuário do Senhor Bom Jesus de Congonhas! Agasalhados pelas espessas paredes setecentistas, miravam os alunos as metas de sua via espiritual erguendo os olhos para a esguia torre da “nova” igreja, cujo estilo destoa do conjunto, da mesma forma como os desejos sublimes são antagônicos aos interesses mundanos.
Quarenta anos passados, desde o incêndio que encerrou ali as atividades escolares, fechando o tradicional colégio, o chilreio dos pequenos em recreio nos pátios ou pelos passeios mata adentro ainda se ecoa naquele santuário religioso, templo do saber, monumento da história. A igreja, as salas de estudo, a biblioteca, o refeitório, assim como as matas, cavernas, cachoeiras, clamam pelos dias felizes em que a meninice dourada e a juventude em flor enchiam aquele ambiente de alegria, enquanto hauriam naquela fonte do saber os conhecimentos científicos e humanísticos.
Há quarenta anos o Caraça é apenas uma referência, um memorial, uma lembrança. Todo aquele belo conjunto paisagístico é para muitos um cartão-postal, ou para alguns ainda um lugar de peregrinação. Mas para aqueles que por ali passaram e trazem consigo o santelmo que lhes acenderam os filhos de São Vicente de Paulo, os padres da Congregação da Missão, continua a ser a “porta do céu”. E os ex-alunos do Caraça jamais deixarão de ser, por isso, “porteiros do céu”, como cantou o notável latinista, lente daquele Colégio, padre Pedro Sarneel: “O beatum sanctuarium in quo tot cœli janitores habitant”.

sexta-feira, novembro 07, 2008

Cultura da pornografia

Na última semana, durante o lançamento de um filme no Rio de Janeiro, o produtor da película, o conhecido ator Pedro Cardoso, acusou acremente “alguns diretores brasileiros de promoverem a pornografia na televisão e no cinema, obrigando a classe artística a participar de tais cenas”. O tema que vem sendo discutido há muito, penso que desde o apogeu dos teatros de revista, torna-se mais agressivo a cada dia, conquistando o cinema e a televisão. O que no início era apenas nudez parcial, chegou às insinuações lascivas, quando não desvarios eróticos. “A pornografia tornou-se agora um modo de atrair o público. (...) A minha tese é de que a nudez impede a comédia e mesmo o próprio ato de representar. Quando estou nu, sou sempre eu a estar nu, nunca o personagem. Ao despir-se do figurino, o ator despe-se também do personagem”, afirmou o ator.
O discurso não é moralista. A indiferença com que os legisladores tratam do caso é arrepiante. O Estado permite a corrupção dos valores na sociedade. Pior ainda, a naturalidade com que os pais de família compartilham com os filhos (quantos deles menores!) das sessões de televisão, em suas casas, sem orientá-los sobre esse desordenamento dos sentidos. Os pais, ora por não tratarem em família de um tema corriqueiro em toda roda de conversas, ora por não verem problema algum em os filhos crescerem convivendo com essas situações e figuras que, certamente, serão responsáveis pelo desequilíbrio afetivo e a incontinência emocional, são responsáveis por essa situação.
A cada dia mais se dissemina a cultura da pornografia, em detrimento da dignidade humana e da santificação. É o flagelo que açoita a todos, subjugando-os ao domínio da sensualidade, que, aliás, rege todas as convenções das relações humanas, a partir do culto ao corpo, o rigoroso cuidado com a beleza e a obediências aos ditames das frivolidades da moda, a patrocinar a imodéstia dos trajes. Daí resultam a falta de respeito entre pais e filhos, a infidelidade dos cônjuges, a ruína dos casamentos, a violência contra mulheres, a perversão sexual vitimando crianças e indefesos, enfim, destruindo a capacidade de ver no próximo o reflexo da beleza ímpar da criação de Deus. É a restauração de uma cultura pagã e a conquista de novos sequazes em todos os meios da sociedade, indistintamente.
Embora de concepção filosófica e religiosa peculiar, o escritor Miguel Torga, em seu livro “A Criação do Mundo” descreve, em “O Sexto Dia”, uma situação que se verifica facilmente hoje, em decorrência da cultura da pornografia: “De geração para geração a moral ia mudando. Maneiras condenadas num dia, no dia seguinte entravam na rotina. Atos ainda ontem praticados em transgressão eram-no hoje em permissividade. E curioso é que não se notava qualquer alegria no rosto dos beneficiados. Pelo contrário. Cada vez pareciam mais tristes. Libertos de mil peias, com todos os caminhos do prazer abertos, no fundo viviam murchos, como que desempregados da vida. Dispensados do esforço de lutar, de empreender, de imaginar, e da obrigação de assumir qualquer responsabilidade, vegetavam abulicamente no quotidiano”.
Esse é o quadro que está sendo pintado pela falta de disciplina, pela imodéstia, pela corrupção dos valores, pela omissão dos pais e pela indiferença dos governantes. São as conseqüências de um estado laico, cuja benesse, velada por uma falsa concepção de liberdade, nada mais é do que um salvo-conduto para a perdição.