terça-feira, novembro 10, 2009

Vinte anos depois

Na última semana, no dia 9, a Alemanha comemorou os vinte anos de demolição do Muro de Berlim. Aquela construção, edificada em 1961, muito mais do que dividir uma cidade em duas partes, demarcava dois mundos, um capitalista e outro socialista, determinava os campos da famigerada Guerra Fria, que estava em seu auge, deixando o mundo apreensivo por mais de quatro décadas. Os 66,5 quilômetros de muro pelas ruas de Berlim era o lídimo sinal da cortina de ferro que separava compatriotas e familiares, flagelava o mundo com o terrorismo de um sistema que dizimou milhares de pessoas – muito mais que o Terceiro Reich com suas perseguições, atrocidades e os abomináveis campos de concentração - , que cerceou a liberdade de dezenas de países no leste europeu, impondo o socialismo soviético, reprimindo as pessoas, corrompendo culturas, sufocando a fé daquele povo.

Passados vinte anos, no entanto, é preciso que as marcas que restam do muro na cidade de Berlim, não tanto quanto as cicatrizes na alma de tantas pessoas que sofreram com aquela brutalidade política e social, seja um sinal de alerta – da mesma forma como os campos de concentração nazista o são para que as atrocidades contra inocentes não tornem a acontecer. Que os resquícios do muro de Berlim sejam um sinal para que não volte a se impor sobre ninguém um sistema tão medonho, como foi o comunismo que vitima milhares de pessoas nos países onde ainda impera ou se insinua sobre governos tíbios, que oscilam entre suas equivocadas pretensões ideológicas e os interesses econômicos, especialmente nos países mais pobres.

Mas nas comemorações dos vinte anos da queda do Muro de Berlim uma observação propõe-nos a Santa Igreja sobre a fé daquela gente que sofreu por tantos anos, acentuadamente após a Segunda Grande Guerra, com o regime socialista e as conseqüências da Guerra Fria. Não se podem omitir os insistentes apelos da Igreja, desde o beato João XXIII com e o veemente Servo de Deus João Paulo II, este vítima dos abusos do sistema em sua pátria. A perseverança de sacerdotes e prelados, alguns fiéis até o martírio, foi o alento para aquele povo piedoso do leste, de religiosidade acendrada, que também suportou e buscou, de alguma forma, amenizar o sofrimento moral, manter suas tradições e conservar a fé. E como observou João Paulo II quando esteve na Alemanha, já no ocaso de sua existência, desde os portões de Brandemburgo, em Berlim, exaltou a unificação da Alemanha, com a queda do famigerado muro, lembrando que a fé cristã demonstrara, mais uma vez, ter contribuído “para a união e a civilização do continente, superando a prova cruel do ateísmo do Estado”. Que esse momento histórico seja sempre lembrado, para que outros muros não se ergam entre os povos.

Identidade do mundo

Há pouco, a Europa também se levantou contra os símbolos religiosos nas escolas. O símbolo da fé cristã, que civilizou aquele Velho Mundo, ordenando sua formação social com os princípios éticos e morais, já não pode ser venerado nas escolas italianas. A decisão que exigiu a retirada dos crucifixos das salas de aula foi do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, temendo uma espécie de intimidação dos não cristãos.
Na verdade, essa atitude, como muitas outras dessa espécie, está cultivando na humanidade o ateísmo, senão promovendo o renascimento do paganismo por um mero respeito humano ou interesses de organizações suspeitas que têm espalhado o terror por todo o mundo. Constata-se, assim, cada vez mais, uma decadência social decorrente da perda de valores, ou desvalorização dos princípios, como já ocorreu lá pelos séculos 15 e 16. O Renascimento de então, esforçando-se para restaurar as riquezas das antigas culturas pagãs, particularmente a cultura e a arte dos gregos, conduziu à exaltação exagerada do homem, da natureza e das forças naturais. Exaltando a bondade e o poder da natureza, menosprezava-se e fazia-se desaparecer do pensamento dos homens a necessidade da graça, a destinação da humanidade para a ordem sobrenatural, a luz trazida pela Revelação.
Desencadeou-se um desagregamento profundo na cristandade, possibilitando circular pelos bastidores das nações católicas o veneno do naturalismo político e social, alcançando as universidades e se disseminando pelo meio intelectual. Na ânsia de emancipação em relação a Deus e à sua Revelação, o homem cortou as ligações com os princípios da ordem natural, separou a fé e a razão. Ora, ensina o Magistério da Igreja que “a reta razão demonstra as bases da fé e, esclarecida por ela, cultiva a ciência das coisas divinas; e a fé, por sua vez, livra e defende a razão dos erros e lhe proporciona inúmeros conhecimentos” (Const. De Fide Catholica, “Dei Filius”, D nº 1.799).
Isso gerou a Revolução que promoveu o liberalismo, o naturalismo e o racionalismo. Deificaram a razão, cavando abismos e levantando muralhas; forjaram uma liberdade, sem os fundamentos da verdade. Com este espírito fez-se a Revolução, cujos frutos sazonados a humanidade colhe e saboreia, alimentando a livre interpretação dos valores éticos e morais e dos princípios em que se baseiam.
Os crucifixos elevados nos locais públicos, principalmente nas salas de aula, além de uma profissão de fé cristã, remetem à religião como responsável pela formação moral, um dos elementos essenciais da nossa civilização; daí incomodar a tantos. A retirada desse símbolo de fé da vista de todos, no entanto, não será suficiente, pois os sentimentos cristãos estão arraigados não só no íntimo dos católicos, como na identidade histórica, cultural e espiritual de grande parte da humanidade.