quinta-feira, abril 27, 2006

Quando pensam que o errado que é o certo...

Causou um certo choque, principalmente aos católicos, o anúncio da intenção da “National Geographic” de publicar uma tradução, em vários idiomas, do evangelho apócrifo de Judas. O manuscrito de 31 páginas, escrito em copta, encontrado em Genebra (Suíça), em 1983, traz muitas controvérsias, crendo os sensacionalistas até darem uma nova versão à História Sagrada.
Antes de tudo, deve-se ter claro que se trata de um manuscrito apócrifo, ou seja, sem autenticidade comprovada; daí, sem nenhum valor doutrinário. Ele não é uma fonte de revelação divina, quando muito, um mero registro de época, onde despontam alguns indícios de correntes ideológicas diferentes (leia-se heresias), que sempre intentaram contra a lídima doutrina cristã. De acordo com o que foi divulgado pela Santa Sé, o texto parece estar datado entre os séculos IV e V, ou seja, cerca de 300 ou 400 anos depois da vida de Jesus. É impossível, portanto, que seja Judas seu autor direto, mas que pode se tratar de uma cópia do “Evangelho de Judas”, citado por Santo Irineu de Lyon no ano 180.
Os Evangelhos Apócrifos sempre foram rejeitados pela Igreja, desde os seus primórdios, por serem controversos entre si e com a fé; mas, nem por isso ela os ocultou ou negou a sua existência. Ao contrário, esses textos foram publicados e estão editados pelo mundo inteiro, como a célebre Biblioteca de Autores Cristãos (BAC), no Reino da Espanha. Eles não são reconhecidos como inspirados por Deus porque simplesmente buscavam satisfazer a curiosidade de alguns ou continham lendas fantasiosas com respeito a Jesus, ou explicavam opiniões particulares de alguns grupos religiosos acerca de Cristo. Não buscavam a verdade mais profunda sobre Deus e sua obra salvadora.
Pelo teor do documento, supõe-se ter ele sido redigido pela seita gnóstica dos cainitas, apresentando Judas Iscariotes de uma maneira positiva, como uma personagem que só obedeceu a uma suposta ordem divina de entregar Jesus para que pudesse cumprir-se a obra de salvação. Isso vai de encontro ao pensamento gnóstico, de que Deus quer o mal no mundo e por isso se explica a ação dos homens maus, como Caim e Judas; ao contrário da doutrina cristã, de que a maldade nasce a partir do mau exercício do livre-arbítrio com o qual Deus nos criou, por respeitar sempre nossa liberdade. Ora, o Criador conhece todas as nossas intenções, inclusive os erros, pecados e decisões equivocadas. Às vezes se vale delas, sim, para obter um bem em seu plano providencial para o homem, mas nunca as promoveria, como acreditavam os cainitas. Os gnósticos pretendiam que a salvação fosse obtida só pelo conhecimento que temos de Deus, não por obra do amor e da misericórdia de Deus, que enviou seu Filho Jesus ao mundo.
Sem um claro discernimento, facilmente cede-se a essas proposições heréticas, que remontam há mais de dois milênios. É preciso, por isso, entender o papel e a pessoa de Judas Iscariotes e daí entender sua missão. Judas foi, como todos os demais seres humanos, um homem criado com o atributo do livre-arbítrio e ele usou de sua liberdade para fazer o mal. O fato do desígnio divino de que Jesus deveria morrer pela redenção da humanidade, não justifica dizer que Deus permitiu a Judas cair no mal e se obrigar a cumprir um roteiro histórico já determinado. Essa interpretação seria concordar com uma opção fatalista da qual não podia se subtrair de nenhuma maneira; senão, aliás, teria nascido com o selo de uma condenação fatal. Quanto ao que se sucedeu ao traidor de Cristo, em seguida à sua prisão, só Deus conhece. Qualquer ser humano pode arrepender-se de seus pecados e erros no último momento de sua existência terrena. O drama de Judas, mais que a gravidade de seu pecado em si, foi sua falta de esperança, o fato de fechar-se em si mesmo, em vez de reconhecer sua falta, chorar seu pecado e voltar ao amor de Deus, como o fez, por exemplo, São Pedro, após ter negado o Divino Mestre.
O fato de o anúncio de um Evangelho escrito por Judas Iscariotes despertar a curiosidade das pessoas, trata-se de uma curiosidade, por parte de alguns, e disposição para um combate anticristão, por parte de outros. Rasgos de simpatia pela figura de Judas pôde ser observada há cerca de 3 décadas, quando foi lançado o musical “Jesus Cristo Super Star”, buscando proporcionar àquela figura histórica um êxito midiático e comercial, numa perspectiva sociológica, comunicacional ou da própria psicologia humana.

Verdade histórica
Só os Evangelhos são considerados como obras inspiradas por Deus e se lhes reconhece uma autoridade especial, além de referência histórica. Os textos de São Marcos, São Mateus, São Lucas e São João são livros canônicos reconhecidos desde os inícios do cristianismo. Seu mérito consiste em sua antiguidade, na autoridade de quem os redigiu e que seus escritos baseiam-se no depoimento de testemunhas diretas de sua obra; testemunhas de seu ensinamento, seus milagres, a condenação, a morte, a sepultura e a própria ressurreição de Jesus. Quanto mais tardios forem alguns escritos, mais duvidosa se torna a autenticidade e fidelidade da transmissão desses fatos até nossos dias. O Novo Testamento em seu conjunto reflete a plena segurança nesta autenticidade e fidelidade. Já o Evangelho de Judas se apresenta sensacionalista e a suposta revelação de dados contradiz o essencial da fé em Jesus Cristo, tema de todos os tempos, não só de agora.
Hoje se fala nos supostos textos de Judas, amanhã se falará em Melécio e Ário; depois proporão a canonização de Lutero e, daqui a séculos, quiçá, de um Boff e Companheiros... Todos com o mesmo valor que tem o Evangelho de Judas: mera especulação. Seguir-se-ão outros tantos textos, em outras descobertas, fantasias ou opiniões particulares de grupos sectários. No entanto, permanecerá indelével a Palavra de Jesus Cristo, o Redentor e Salvador da humanidade, lídimo motivo de uma “profunda fascinação”, inclusive para aqueles que não crêem n’Ele, rejeitam-no ou tentam desprestigiar sua figura e sua mensagem. Jesus não deixa ninguém indiferente, pois, para nós, que temos o dom da fé, é o Único Salvador da História.
20/04/2006