sexta-feira, fevereiro 24, 2006

A degradação e a história

Uma lei imposta ao homem, em decorrência de sua natureza, é a degradação. Não num processo de conseqüentes mutações orgânicas, alcançando o amparo de pensadores modernos e suas teorias mirabolantes, mas uma ordem imposta pela decadência do homem, infligida pelo pecado original.
Deixando as constantes, polêmicas e inúmeras discussões acerca da ordem natural da criação, passemos a uma breve análise da degradação e do fim das cousas. Enquanto a degradação, com relação ao homem, soa-nos como um aviltamento, o rebaixamento, abjeção, uma decadência moral, o exaurir de uma capacidade protuberante à vida por causa de frustrações variadas, já o fim pode ressoar melhor como o coroamento de um feito, a transposição de uma fase, o ponto culminante de uma realização. Assim, não há um dia sem o seu crepúsculo vespertino, alcançando novamente o alvorecer de um novo dia; não há uma vida terrena que não chegue ao seu final, para que possa, então, alcançar a vida eterna; e a própria caminhada da humanidade tende a chegar a um estágio de perfeição, que será o final da peregrinação neste mundo e o limiar da contemplação e da convivência beatífica na nova Jerusalém, como nos assegura São João (Apoc 21,2).
O contrário da conservação verifica-se em todo o macrocosmo e o homem, embora dotado de faculdades intelectuais, é o mais vulnerável à degradação. Esse processo é um atentado contra o corpo, flagelando-o com o açoite da indisciplina, do desregramento, com o desrespeito a este templo do Espírito Santo que São Paulo diz sermos (1 Cor 3,16). Em conseqüência, padece a alma com essa violência que só a afastará mais e mais da graça.
Buscando conter a repetição de erros ou simplesmente perpetuar os fatos, como os primitivos registros em pedras feitos em tempos remotos, é provável que Deus Nosso Senhor tenha distinguido algumas inteligências com o privilégio de trazer os mortos aos vivos, apresentar ao presente o passado, para que sua luz clareie os passos do futuro. Isto é a história. Um fanal cuja luz reflete a experiência da humanidade para o futuro – “Historia vero testis temporum, lux veritatis, vita memoriæ, magistra vitæ, nuntia vetustatis” (A história é, na verdade, a testemunha dos tempos, a luz da verdade, a vida da memória, a mestra da vida, a mensageira da Antiguidade), como primorosamente a define Cícero (De Oratore – II, 9-36). Neste contexto, não podemos nos esquivar em admitir a intenção divina na história, exposta de maneira oportuna por Monsenhor Bossuet em seus “Discours sur l’histoire universelle” (1681). Desta forma, os episódios que marcam todo o percurso da humanidade, os fatos que assinalam as diversas fases e os seus feitos, escapam do jugo da degradação.
Nos últimos tempos, tem sido freqüente a busca das origens, das raízes culturais e sociais de antigas localidades e de famílias que compuseram uma sociedade eclética nestes brasis, onde o branco misturou-se com o negro e o índio, confundindo-se a cultura européia com os costumes afros e indígenas e, mais recentemente, com as imigrações dos séculos XIX e XX, surgindo, assim, a sociedade brasileira.Talvez seja esta a missão transcendental desta Terra de Santa Cruz: unir os povos, despi-los de todo o preconceito e integrá-los num todo, formando uma só raça, composta por todas, ou quase todas, as demais que se encontram espalhadas pelos cinco Continentes. Com isso, muita cousa cai por terra e a máxima do amor fraterno aos poucos vai se tornando realidade. Um processo longo que veio se arrastando pelos dois primeiros milênios da Cristandade e, pelo já visto, ainda muito se prolongará até que se atinja o ápice dessa sociedade perfeita, quando os povos, libertados das falsidades ideológicas (inclusive daquelas que afetam questões morais e doutrinárias) que vem contaminando a humanidade ao longo dos séculos, terão, enfim, “unus Dominus, una fides, unum baptisma” (Eph 4,5).