sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Em busca da paz

Desde que o mundo é mundo, a intranqüilidade tem sido um empecilho para o reinado da paz, seja ela interior ou social, em decorrência, ora do amor próprio, ora da ambição, nunca por causas elevadas. Refiro-me à intranqüilidade porque todo tipo de desordem provoca esse sentimento ou proporciona uma situação tal. A ambição teria causado a revolta na coorte angélica, precipitando-se Lúcifer e seus asseclas no mundo das trevas; talvez, daí, a origem sobrenatural das duas forças que pugnam na consciência dos homens: o bem e o mal. Impossibilitado de conter esse conflito interior, capaz de mover suas virtudes e de exaltar suas fragilidades, o homem exterioriza seus sentimentos, até por meio de seus atos físicos. E o mais remoto relato de uma exteriorização do amor próprio culminou com um fratricídio: Caim matou seu irmão Abel por inveja e orgulho. Paradoxalmente, a primeira fraternidade gerou tragicamente a primeira briga familiar, a primeira guerra civil e mundial. Ficaria sua descendência estigmatizada e, vez por outra, esse instinto irracional, capaz de seduzir as faculdades racionais, voltaria a inflamar-se, para prejuízo da paz.
Santo Agostinho define a paz como tranqüilidade da ordem. Havendo ordem, que, por sua vez, gera a tranqüilidade, haverá a paz, o que se verifica em todos os campos. Esse trinômio "ordem, tranqüilidade, paz" deve ser constante no espírito, na família, na sociedade e, mais além, nas relações diplomáticas entre os países. Mas para obter essa paz a consciência deve estar bem com Deus, imperando a razão sobre os sentidos e paixões, mantendo, assim, a ordem e a tranqüilidade da alma. Então, sentir-se-á a paz do espírito, que é uma sensação de bem-estar interior, a verdadeira felicidade. Gozando desse estado, cada um torna-se capaz de trescalar, também, esse sentimento em família e no convívio social, impregnando a todos com esse resedá que é um dos legados divinos mais preciosos, senão o maior, após a Eucaristia: "Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz...". E essa paz conquista-a com a prática das virtudes cristãs, como a humildade, a caridade, o perdão, a fortaleza, a paciência, a prudência, a justiça etc.
Há muito, a paz vem tornando-se uma jóia rara, conquistada apenas por poucos. Conflitos armados pela riqueza, por questões diplomáticas e étnicas, escândalos na política (haja escândalos!), guerrilhas urbanas, desentendimentos nas famílias etc. distanciam-na, cada vez mais, da realidade humana, tornando-a uma quimera. Quantos não a sentiram!O mundo, a partir do momento em que abandona as virtudes cristãs, perde a paz, sublevando-se o império anticristão, dominando o egoísmo, a ganância, o orgulho, a vaidade, a inveja, a ira, enfim, as paixões opostas às virtudes cristãs. Por isso, enquanto o homem mantiver-se armado desses vícios, a paz estará sempre se distanciando, mais e mais. Somente quando determinar-se a acalcanhar as paixões com a prática das virtudes, ele sentirá a paz que tanto busca.
08/08/2005