quinta-feira, setembro 25, 2008

Não matarás

A legislação divina, em seu quinto artigo, veda ao homem ofender a existência em geral, seja da própria vida ou a de outrem, neste caso a dupla vida, do corpo e da alma: "Não matarás" (Dt 5,17). Mas um outro mandamento vem de encontro a esse, o oitavo: "Não dirás falso testemunho contra o teu próximo" (Dt 5,20). O primeiro sentido, claro, é o de não proceder a depoimento falso, mentiroso. Todavia, numa interpretação larga do artigo analisa-se a mentira, a difamação e a injúria. A que fere deveras mortalmente talvez seja a difamação, prejudicando, injustamente, a reputação do próximo, tendo como arma a língua; como projétil o verbo.

Os meios que o difamador lança mão para alcançar seus fins são a calúnia, a maledicência ou murmuração e a delação, em benefício de interesses mesquinhos ou pela simples satisfação de ferir a fama alheia. - Quantas pessoas são, por isso, prejudicadas, quantas honras maculadas, quantos corpos enfermos e quantas almas feridas pelo veneno desses "diabolos"! Por mais que insistam em justificar seus atos, jamais deixarão de ser assassinos morais, pois as conseqüências de suas atitudes são sempre más.

Na hierarquia dos difamadores há os insignificantes, a quem pouco crédito se dá, pois não gozam de uma reputação capaz de endossar suas atitudes. Os conspícuos, morigerados e reservados, por sua vez, são perigosos, valendo-se de um falso prestígio para que suas palavras causem impressão. Porém, os piores de todos são os que denominaríamos "fariseus hodiernos": pérfidos cristãos, mostrando-se tementes a Deus e sinceros, enquanto, na verdade, não passam de celerados, promotores da discórdia, assassinos de almas; pena esquecerem-se da admoestação evangélica: "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus" (Mt 7,21). Quanto a eles, julgarem-se sinceros é um desrespeito aos probos e cultos, pois a sinceridade só vale se amparada na caridade, e esta virtude a desconhece essa corja de difamadores.

O homem deve, sim, falar sempre a verdade, mas não todas as verdades - isto é um princípio moral, o que não quer dizer que deva mentir. A sinceridade manda pensar tudo o que se irá dizer, e não dizer tudo o que se pensa. A discrição manda calar o que não é oportuno, manda ponderar as palavras e silenciar os segredos. A sinceridade e discrição são duas virtudes preciosíssimas por igual. Se fossem abstraídas pelos difamadores de plantão, semeadores da discórdia, talvez a sociedade seria mais justa e fraterna.

sexta-feira, setembro 19, 2008

A origem das espécies

Foi anunciada, na última semana, a realização de um congresso, no Vaticano, em março de 2009, sobre “Evolução biológica: factos e teorias”. A proposta é debater com especialistas em paleontologia, biologia molecular, antropologia cultural, filosofia e teologia, católicos e não católicos, que fé e a teoria da evolução não são incompatíveis. Será uma abordagem crítica da obra de Charles Darwin, 50 anos depois da publicação de “A Origem das Espécies”, aprofundando o tema de um modo interdisciplinar.
Questões relativas à polêmica teoria da evolução de Darwin tem sido, sempre, evocadas pelo Santo Padre. Na celebração da Santa Missa que inaugurou o seu pontificado, em abril de 2005, o Bispo de Roma já alertava que não sermos o produto casual e sem sentido da evolução, mas “fruto de um pensamento de Deus”, afirmou. E há pouco, durante sua visita à França, em exortação aos intelectuais da Filha Dileta da Igreja, o Papa indicou que “na origem de todas as coisas não deve ser colocada a irracionalidade, mas a razão criativa; não o acaso cego, mas a liberdade”.
Aporias existentes, tanto pela complexidade da teoria, quanto pelas divergências ideológicas e científicas, é que sugerem essa aproximação dos contraditores – daí serem convidados católicos e não católicos. O discernimento da racionalidade polimórfica que, desviada do reto sentido cristão, perde-se na sujeição a inflexões absurdas, decorrentes de um desordenamento intelectual ou até mesmo da soberba de querer ser como deuses, autores da criação de novos conceitos, independentes de algum comprometimento teológico, principalmente, senão presos à ambição somente de seu ego, muito mais do que um ateísmo, um antiteísmo.
Uma interpretação exegética da Bíblia um tanto fabulosa, ou decorrente das limitações de antanho, em todos os sentidos, é que provavelmente tenha possibilitado o desenvolvimento de teorias que se precipitaram em absurdos. Sobre isso, basta atentar para o trabalho das comissões bíblicas, desde os tempos de São Pio X, até hoje, e se apreenderá uma evolução bem mais clara, sadia, definida da caminhada do homem, desde a sua criação, tendo Deus com princípio, motivo e fim último. Compreender-se-á, então, pela fé, que a Criação “é o ato pelo qual Deus, do nada, deu e mantém a existência de tudo quanto existe”.

sexta-feira, setembro 12, 2008

Emancipando-se

No próximo dia 19 de setembro, Conselheiro Lafaiete comemora seus 218 anos de emancipação política. Em meio às festas que marcam a efeméride que sugere a conquistada de liberdade e autonomia administrativa, cabe uma reflexão sobre o destino do antigo Arraial dos Carijós. Essa emancipação não se restringe àquele instante histórico, cristalizado no nostálgico 1790, em que se concretizou o sonho do povo de Carijós, quando se erigiu a Real Vila de Queluz. Todo o aparato formal, a presença do governador general Visconde de Barbacena e da nobreza, assistidos pelo povo na instalação do Senado da Câmara, foi como que o descortinar do porvir do que viria ser a heróica Cidade de Queluz, a pujante Conselheiro Lafaiete.

Mas esse olhar que nos lançaram nossos antepassados depositou uma grave responsabilidade sobre sua posteridade. Aquela emancipação da Vila de São José, distante tantas léguas, cujos governantes se esqueciam das necessidades de Carijós, enxergando-o apenas como um arraial distante, sem possibilidades de progresso, em decorrência de suas pobres fontes de subsistência, “banhado por um rio de águas sujas” – como alegaram os membros do Senado daquela Vila, aquela emancipação, mais do que ser comemorada, deve ser reafirmada a cada dia por todos os lafaietenses. Essa emancipação sugere, além do sentido de liberdade, a interpretação de um comprometimento com o desenvolvimento; se não fosse essa perspectiva, Queluz não se teria elevado.

O momento torna-se, por isso, muito oportuno. Enquanto candidatos a prefeito e a vereadores peregrinam pela cidade em busca de votos, devem os lafaietenses observar bem o que eles propõem para assegurar a emancipação do município. A emancipação política, elegendo cidadãos e cidadãs probos, capazes de honrar o mandato que lhes for confiado; emancipação da educação e da cultura, discernindo bem o potencial dos valores locais e mobilizando-os; emancipação da saúde, garantindo atendimento eficiente e a contento dos munícipes; emancipação comercial e industrial, proporcionando estrutura adequada para essa que é a principal fonte de renda do município; emancipação dos direitos dos cidadãos, assegurando-lhes segurança e promovendo a ordem pública. Assim, os lafaietenses, muito mais do que comemorar uma data histórica, estarão festejando sua constante emancipação.

Feriados

Os feriados são os dias do ano, geralmente, mais aguardados. Podem não ter nada de diferente, mas a expectativa de um dia a mais de descanso (quando caem na segunda ou na sexta-feira), ou uma “quebra” na rotina da semana (na quarta-feira, por exemplo), que talvez seja o motivo a incitar os mandriões, atalaias do descanso. A origem desse dia de descanso é, antes, na sua dedicação a algo; ou seja, interrompe-se o trabalho para, então, ocupar-se com algo específico. Os reis mandavam interromper os trabalhos para comemorar uma conquista, para festejar algum nascimento ou bodas na Casa Real, até mesmo a morte de um membro dela. Essa festa podia se estender por até uma semana, fosse com música e dança, ou com choro e cera. As solenidades religiosas também alcançaram, muitas, esse “privilégio”, mercê da religiosidade popular inflamada. São os conhecidos dias-santos (alguns canonicamente definidos “de guarda”).
Esse costume prevalece até hoje. O número dos dias santificados, no Brasil, foram reduzidos, tanto pela impossibilidade de tantos feriados ao longo do ano, quanto, até mesmo, para não criar polêmicas numa sociedade onde se admite a liberdade de culto religioso. Alguns, no entanto, foram mantidos, pela sua tradição e pela importância de seu reconhecimento. Alguns feriados de origem religiosa que ainda se mantêm são o de 1º de janeiro, Sexta-feira Santa, Corpus Christi, Natal e comemoração do santo padroeiro do município. Pode-se considerá-los como uma deferência dos legisladores para com os fiéis católicos, visto alguns países do Velho Mundo já não mais concedê-los todos, não obstante a maioria das pessoas não pararem o seu trabalho nesse dia para comemorar a data, seja ela cívica ou religiosa.
Em Conselheiro Lafaiete, dois feriados de origem católica constam do calendário municipal: o da solenidade do Sagrado Coração de Jesus e o de Nossa Senhora da Conceição. Este último é muito antigo, remonta aos tempos coloniais. O rei Dom João IV decretou, em 1648, consagrou o reino de Portugal a Nossa Senhora da Conceição, proclamando – antes mesmo da Igreja Católica - o dogma sacrossanto: “ex omni parte inculpata”, nos dizeres de São João Crisóstomo. Dom João V ordenou que se celebrasse a festa da Imaculada Conceição, a 8 de dezembro, “com grande pompa e respeito, comparecendo as vereanças e capitães-generais, bem como todas as Irmandades e Confrarias”. Em Lafaiete, portanto, desde os tempos de Carijós, essa solenidade revestiu-se de grande piedade e de manifestações de alegria, não apenas pela determinação régia, mas principalmente por ter a Virgem da Conceição como sua padroeira. O beato João XXIII, pelo Breve Apostólico “Instante”, de 2 de junho de 1961, declarou a Virgem da Conceição celeste e principal patrona da cidade e do município de Conselheiro Lafaiete e pelo Breve Apostólico “Quidquid ad pietatem”, de 17 de agosto de 1961, concedeu a imposição de uma coroa de ouro na sua imagem, o que ocorreu em 15 de agosto de 1963.
O motivo de abordar este tema hoje deve-se a uma infeliz proposta que teria sido feita a um dos candidatos a prefeito, durante um debate na última semana. Indagaram-no sobre a possibilidade de se extinguir o feriado de 8 de dezembro, para que não haja interrupção do comércio num momento tão promissor de vendas, com vistas ao Natal. A ingênua proposição tomara tenha sido tão simplesmente impensada. Caso contrário, seria muito triste constatar essa falta de respeito à liberdade de culto, uma ignorância das tradições históricas e até um maleável senso de desacato aos poderes constituídos. Felizmente, o inquirido descartou a sugestão prontamente.

sexta-feira, setembro 05, 2008

Religião nas escolas

A laicização do Estado e de toda a organização governamental é perniciosa à ordem social. Esse processo que vem se arrastando há mais de dois séculos, suscitado no Velho Mundo, conquistou simpatizantes no Brasil na segunda metade do século XIX. Disseminando-se por entre os meios intelectual e político, esse sistema ateu granjeia adeptos, impedindo o aprofundamento da fé, desorientando a conduta ética e moral. O ensino foi o principal alvo, privando as crianças do que o Papa Pio XII indicou ser a “pedagogia da fé” (encíclica “Mystici Corporis Christi”, 1943). No momento oportuno em que as condições da natureza humana são mais acessíveis para a assimilação da fé, por meio da participação da inteligência e da vontade de permitir a ação desse dom, tolhem os dotes naturais da necessidade imanente da busca de Deus.

A pedagogia moderna da educação não admite a observância de uma disciplina, seja ela física ou intelectual, com o pretexto de ser traumatizante para as crianças. Não vêem o mal que pode causar a flexibilização do ensino. Observa o biólogo Christian de Duve, Prêmio Nobel em 1974, que “não se pode aprender a pensar sem certo esforço, sem alguma medida coercitiva, imposta inicialmente pelo exterior, até que se tenha aprendido a ter a iniciativa do bem por si mesmo. (...) A meu ver, é daí que vem o irracional, essa fraqueza na utilização crítica da razão e a ausência de rigor no pensamento” (SALOMON, Michel, “L’Avenir de la Vie”, Paris, Seghers).

Para se chegar a Deus, além da graça, necessita-se da compreensão racional de sua existência. Isso somente o ensino religioso nas escolas poderá proporcionar de forma explícita e sistemática, como adverte o papa Paulo VI num de seus Documentos: “O ensino religioso, embora não se esgote nos cursos de religião integrados nos programas escolares, deve ser ministrado na escola de modo explícito e sistemático, a fim de que não se venha a criar na mente dos alunos um desequilíbrio entre a cultura geral e a cultura religiosa” (“Escola Apostólica”, 19/3/1977, cap. IV).

Interessantes essas duas condições indispensáveis que o Papa Montini aponta. O ensino explícito, ou seja, o ensino da religião com o intuito de se formar cristãos convictos, não uma reflexão das experiências de vida, ou sobre temas atuais e polêmicas questões sociais, muito menos introspecções filosóficas ou rudimentos morais e éticos. O ensino sistemático é para assegurar o seu desenvolvimento, uma seqüência pelos anos escolares que possibilitará o aprofundamento da compreensão sobre a existência de Deus e de Sua revelação, enquanto se vai avançando pela via espiritual.

“A escola sem Deus é um caminhar como o de alguém que perdeu o endereço da casa paterna. Será uma escola que não sabe responder a uma pergunta fundamental sobre si mesma: para que educar?”, assegura o pedagogo cristão Dom Lourenço de Almeida Prado – OSB. Esse é o vazio a que chega a pedagogia moderna, cujos acertos ainda são insuficientes para reparar o dano que o ateísmo sugerido tem causado às crianças e aos jovens.

sexta-feira, agosto 29, 2008

Em prol da vida

Busca-se no Brasil, de todas as formas, legalizar o aborto; ao menos, vão-se dando margens para que ele seja implantado definitivamente, ao livre arbítrio de quem queira se submeter a ele. É a legalização da cultura da morte, ou civilização da morte, como a definiu o Papa João Paulo II, “opondo-se frontalmente aos valores da doutrina cristã, que defende a vida acima de tudo (...) esta cultura destruidora propõe a morte como solução de uma série de problemas”.
Admitiram, primeiramente, o aborto em determinados casos; aliás, sempre fizeram “vistas grossas” – como se costuma dizer – sobre uma questão que, na iminência de causar qualquer transtorno pessoal, familiar ou social, é mais fácil admiti-la adotando o recurso que a barbárie e a impiedade sempre souberam utilizar: a morte. Depois, as autoridades responsáveis por assegurar o direito de todos, inclusive de zelar pelos princípios da conduta humana e social, não conseguiram assimilar os danos éticos que a permissão às pesquisas de células embrionárias pode causar. Agora, enquanto escrevo estas linhas, o Superior Tribunal Federal em Brasília discute a tese que permite a interrupção da gravidez em casos de fetos anencéfalos.
De acordo com o procurador Paulo Silveira Leão Júnior e com o médico Rodolfo Acatauassú Nunes, “um ser vivo com grave deficiência cerebral, mas com pequena capacidade de sobrevida e possivelmente um nível primitivo de consciência”, tanto que, há pouco tempo, assistimos a um caso de uma criança anencéfala que morreu com mais de um ano de idade. Leão Júnior atenta para “os direitos constitucionais da inviolabilidade da vida, da dignidade e do bem-estar”.
A partir do momento em que não se respeita mais a vida, principalmente de seres indefesos, libera-se o homem para submeter-se a todo e qualquer tipo de atrocidade, sem nenhum limite moral ou ético. Abrir-se-ão as portas para que se liberem também a contracepção, a esterilização, eutanásia, a pena de morte, o uso de drogas, enfim, para que o homem não se sujeite à ordem, ao respeito, a Deus. Lembrando ainda João Paulo II: “...uma grave derrocada moral da sociedade: opções, outrora consideradas criminosas e rejeitadas pelo senso moral comum, tornam-se socialmente respeitáveis” (Evangelium Vitæ, nº 5); e, mais além: “tratam-se de ameaças programadas de maneira científica e sistemática” (nº 17).
Oxalá as pessoas atentem para a importância desse tema que tem sido discutido de forma tão restrita à comunidade científica e aos poderes da República, enquanto a população, em grande parte, fica cá embaixo sem entender direito a sua gravidade, distraída com as leviandades do mundo, a violência crescente, escândalos e disputas políticas. No estado democrático, todos devem ter amplo conhecimento de tudo o que seja de interesse comum, antes de se tomar qualquer decisão. Ainda lembrando o saudoso Pontífice, “a vida está jurada de morte”. Por isso, todos os cristãos são chamados a alistar-se nesta cruzada em prol da vida.

quinta-feira, agosto 28, 2008

O dom da vida

Celebrar a vida é celebrar a graça de Deus. Isso porque é Ele quem no-la concede. A nossa vida brota da fonte eterna e inesgotável de vida – Deus – à “cuja imagem e semelhança fomos criados” (Gn 1,26-27).

Se fomos criados à sua imagem e semelhança, devemos, portanto, ser espelhos onde se refletem a Sua glória e beleza; daí a tendência natural de sempre buscar o que há de bom, de belo e verdadeiro, por inspiração divina.

A presença neste mundo nos compromete com o projeto de salvação. Somos responsáveis por nós e por aqueles que conosco convivem. Somos cooperadores no plano de construção de um mundo mais fraterno, vislumbrando a plenitude da vida, a partir do momento em que desejamos ardentemente nada mais, senão buscar fazer a vontade do Pai. Desta forma, experimentamos o anelo que Santo Agostinho expressou nesta oração: “Fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto até que não descanse em Vós”.

E quando nos reunimos com pessoas queridas para celebrarmos a vida, outro cântico não nos inspira, somente o de louvor a Deus pela graça da existência.

Mais inspiração temos, ainda, ao contemplarmos o Mistério de Amor, em que um Deus se fez homem, morreu por nós e permanece conosco até o fim dos tempos, na Sagrada Eucaristia.

É o amor... É a entrega... É a partilha...

Celebrar a vida, portanto, é celebrar a graça de também podermos amar a Deus e ao próximo, à semelhança daquEle que nos criou. É nos entregarmos à missão de evangelizadores, anunciando a misericórdia de Deus. É partilharmos nossa vivência de fé e de amor, na família e na comunidade, sendo “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5,13).

“Eu sou a vida” (Jo 14,6), disse Jesus a São Tomé. Esta afirmação ecoa até nossos dias, para não titubearmos ao querer buscá-lo sempre. “Eu vim para que todos tenham vida, e vida em plenitude” (Jo 10,10), também nos diz o Divino Amigo, assegurando-nos de que nenhum amor procede dEle, daí desejarmos amar nEle e por Ele. “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25), ainda é o Cristo amado entregando-se como remédio e salvação; em Sua graça renascemos, somos revestidos pelo homem novo “criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4,24).

No Santo Tabernáculo está Jesus, nosso Mestre, a fonte onde devemos haurir a confiança, a determinação e a disposição para continuar a caminhada. Que nossa existência seja um constante hino de ação de graças ao Criador pelo dom da vida.

segunda-feira, agosto 25, 2008

À memória do Doutor Mário Pereira


Costuma-se dizer que o Brasil tem uma forte tendência em se desfazer de sua história. Realmente, diversos episódios contribuem para confirmar essa crença, principalmente quando vemos o descaso, chegando às raias do desrespeito, com a história e seus personagens. Recentemente, foi demolida a casa onde residiu o médico Mário Rodrigues Pereira, na avenida que leva o seu nome, no centro de Conselheiro Lafaiete. É mais uma referência histórica que se perde. A edificação, pelo seu peculiar estilo arquitetônico, era u’a marca, o registro de uma época em que a cidade se desenvolvia. Aliás, uma particularidade da antiga rua do Carmo, que depois recebeu o nome de avenida Benedito Valadares e, hoje, avenida Prefeito Mário Pereira, era ter em todo o seu percurso, edificações de estilos diversos, desde a Matriz da Conceição até a Igreja do Carmo, como o sobrado onde funcionou a antiga Câmara e que se incendiou, a Cadeia, o Clube Carijós (o segundo prédio), entre muitas casas residenciais. E a casa do Doutor Mário era mais um exemplar naquela vitrina de estilos arquitetônicos vários. Enfim...
Ao referir-se à casa demolida, faz-se necessário reconhecer o mérito de seu antigo proprietário que, muito mais que um político, foi um benfeitor para a cidade. De temperamento reservado, de franqueza, às vezes, mal compreendida, como afirmam alguns contemporâneos seu, contudo, um homem capaz de se dispor a tudo, fosse no exercício da medicina, fosse em prol do bem-estar da população. De família tradicionalmente política na região, honrou os cargos que exerceu, sempre com probidade e atento ao desenvolvimento do município.
Mário Rodrigues Pereira nasceu na Fazenda da Cachoeira, então localidade de Carandaí, a 19 de junho de 1898, filho do major Francisco Rodrigues Pereira e de Maria Alves Pereira. Seu pai, conhecido pela alcunha de Chico Barão, era filho do legendário Barão de Santa Cecília (coronel Francisco Rodrigues Pereira de Queiroz) e de sua prima Luciana Pereira de Queiroz. Apesar da semelhança do sobrenome Rodrigues Pereira, com o do patrono do município, o Barão e o Conselheiro Lafayette não tinham nenhum parentesco, como comprovam pesquisas genealógicas de ambos.
Chico Barão, nascido em 26 de março de 1870, formou-se em Farmácia na tradicional Escola de Ouro Preto, estabelecendo-se seguida em Queluz com a Pharmácia Pereira, tornando-se conhecido como o “médico da pobreza”, tal a atenção com que cuidava da população carente. Exerceu, ainda, o cargo de Juiz de Paz na comarca. Embora não tenha participado ativamente da política local, contam que, por ocasião da deposição de Washington Luiz, em 1930, Chico Barão foi levado preso pelo governo revolucionário que se impôs, como represália a seu filho, o advogado Francisco Rodrigues Pereira Júnior que se elegera deputado federal nas eleições daquele ano. Quando a notícia da prisão do farmacêutico espalhou-se pela cidade, um grupo de senhoras teria se colocado à frente da Cadeia Pública “exigindo” sua soltura. Ao pequeno grupo, outras pessoas foram se juntando e à pressão da massa não restou outra alternativa senão soltá-lo. Na ocasião, outros políticos locais também foram presos. Sua esposa, Maria Alves Pereira, conhecida como Dona Marucas, dizem ter sido uma senhora de lhano trato, muito caridosa, que zelou pela Igreja do Carmo por muitos anos.
Os primeiros estudos, Mário Pereira os fez em Queluz, com o professor Severino Ferreira da Silva, conhecido por Seu Virico, ao lado da Igreja do Carmo, e com a professora Honorina Baêta. Na capital mineira, cursou Humanidades e Medicina, doutorando-se na turma de 1922, na mesma turma do Dr. Juscelino Kubitscheck de Oliveira. Retornando a Queluz, passou a clinicar na antiga Santa Casa (atual Hospital Queluz), como assistente do Dr. Narciso de Queiroz, que veio a ser seu sogro, por haver contraído núpcias com dona Amélia Nogueira Queiroz. Trabalhou durante toda a sua vida naquele nosocômio, destacando-se na área de ginecologia. À frente da tradicional casa de saúde, empreendeu significativas melhorias naquele estabelecimento, atendendo a pacientes de toda a região.
Após os primeiros anos do governo provisório de Getúlio Vargas, retomada a estabilidade administrativa no país, Mário Pereira foi nomeado prefeito de Conselheiro Lafaiete, em setembro de 1934, empossado no dia 1º de outubro. Um acordo entre as lideranças políticas locais e o governador Benedicto Valladares possibilitou esse engajamento do jovem médico na lida administrativa.
De acordo com o historiador Jair Noronha, Doutor Mário Pereira, “modesto, despretensioso, tudo executou visando única e exclusivamente o bem estar coletivo”. Entre suas obras, destacam-se as construções dos prédios da Prefeitura, do Asilo Agrícola (onde funciona o Larmena), do Colégio Monsenhor Horta (edifício da escola estadual Narciso de Queirós) e a sede do Tiro de Guerra na rua Horácio de Queiroz, doando, ainda, terreno necessário à construção do estande para essa escola de instrução militar. Atento à formação da juventude, colaborou com a implantação do Colégio Monsenhor Horta, da Faculdade de Comércio e, antes, do Ginásio Queluziano, fundado pelo doutor Domingos de Souza Novais, ainda na década de 20.
Naqueles distantes anos 30, de estradas de rodagem muito precárias, sendo intensas as atividades da ferrovia, vislumbrou o progresso, adquiriu um terreno próximo ao distrito de Buarque de Macedo e doou-o ao governo federal, onde foi construído o Campo de Aviação de Lafaiete, para os aviões da rota Rio-Belo Horizonte, o atual Campo das Bandeirinhas. O desporto teve especial atenção do dinâmico prefeito, que estimulou os iniciantes clubes de vôlei e de basquete, além dos clubes de futebol, tendo idealizado e construído o estádio do Meridional Esporte Clube, que, aliás, recebeu o seu nome, e doado o terreno para o Guarany Esporte Clube construir o seu campo, no Alto da Vista Alegre.
Um moderno projeto de urbanização Doutor Mário empreendeu durante sua gestão como prefeito. Realizou o ajardinamento e calçamento das principais praças da cidade, abriu novas ruas, promovendo o desenvolvimento de novos bairros. Na praça Tiradentes, construiu a fonte luminosa, restaurada recentemente, e o abrigo de ônibus, além de artísticas calçadas, desde a Praça Barão de Queluz. Na Praça São Sebastião construiu o prédio denominado Quitandinha e dotou aquele espaço de outros atrativos para o lazer de crianças e adolescentes. Substituiu os antigos calçamentos por paralelepípedos em mais de uma dezena de logradouros e promoveu a abertura e manutenção de estradas na zona rural, interligando os distritos. Seu mandato como prefeito encerrou-se em 1945. Em 1959, foi eleito vereador pelo distrito de Cristiano Otoni. Disputou eleições para prefeito, em 1962, quando venceu o pleito Dr. Orlando Baeta Costa.
O cronista Gilberto Victorino de Souza, em sua vasta obra sobre personalidades lafaietenses, destaca que Doutor Mário foi “dotado de uma personalidade inconfundível, era sinceramente estimado por todos aqueles que sabiam compreendê-lo em todos os seus aspectos. (...) Era completamente avesso a exibições demagógicas e ao farisaísmo político, tão comuns em nossa época. (...) Dotado de boníssimo coração, são sem conta o número de pessoas, em nossa cidade, que por ele foram beneficiadas”. Doutor Mário Rodrigues Pereira faleceu no dia 10 de setembro de 1964.

sexta-feira, agosto 22, 2008

Em campanha

A campanha dos candidatos para as próximas eleições teve mais um impulso na última semana, com o início dos programas no rádio e na TV. Hoje não vemos mais os abusos cometidos em eleições passadas, com muros e postes forrados de propaganda, calçadas alcatifadas de cédulas, outdoors dominando todo o panorama da cidade, carros de som pelas ruas, durante todo o dia, com jingles apelativos e cansativos. Numa feliz hora, moralizou-se essa pressão psicológica a partir da pressão visual e auditiva.

Agora, os candidatos têm que se comportar direitinho, para conquistarem, com muita simpatia e educação, os votos necessários para a eleição. Tarefa árdua, porque ainda tem o quociente eleitoral adotado, dificultando ainda mais o sufrágio nas urnas. Pelas ruas, deparamo-nos com modestas placas, rigorosamente dentro das medidas permitidas pela lei, confeccionadas, muitas vezes, com esmero por empresas publicitárias, de acordo com a pecúnia disponível para gastar com a campanha. Sorridentes, fisionomia geralmente “tratada” em softwares especializados para tal, slogans criativos e chamativos estão estampados nas calçadas, discretamente, porém em pontos estratégicos, disputando a percepção dos transeuntes.

O mais interessante nisso tudo é a forma como se apresentam. Figuras bem vestidas, outras discretas, às vezes informais, a sisudez e a desenvoltura expressam, ora uma, ora outra, o perfil do candidato, isso quando confunde o eleitor, denotando falta de seriedade com o que se propõe. São os apelidos, desde os mais corriqueiros aos esdrúxulos. Assim, temos o Fulano da Padaria, o Sicrano do Açougue, o Beltrano da Gerarda (só para ilustrar); ingênuos, se não fossem as apelações sugerindo até desrespeito, não por si, mas com os eleitores, como se se tratasse de imbecis, pessoas pouco providas de discernimento, sendo quase preciso - como caçoam os jovens - desenhar para melhor compreender.

Salvo engano, em Lafaiete não lançaram mão de alcunhas depreciativas ou ofensivas para se apresentarem à população; mesmo assim, ainda são muitos. É de se preocupar quando esses apelidos, engraçados ou pouco polidos, enquanto se destacam pela comicidade, aludem o oportunismo, associando a pessoa ao segmento em que está inserido. O eleitor que não procura conhecer melhor o seu candidato, muito menos saber o seu nome correto, o que se espera dele? Não poderá nunca reclamar alguma cousa, pois será recebido, quiçá ouvido, com tão pouca importância, quanto a que dispensou ao processo democrático da eleição dos candidatos ao cargo público.

sexta-feira, agosto 15, 2008

Sobre a família

O mês de agosto é reservado à reflexão sobre a vocação, na Igreja Católica. As diversas formas de chamado são abordadas, seja para a vida religiosa e o ministério sacerdotal, seja para a missão de cada um na sociedade e na família. E sobre o papel da instituição familiar na formação humana, há 16 anos celebra-se a Semana Nacional da Família nos dias seguintes à comemoração do Dia dos Pais.
Este ano, ecoa-se ainda o tema da Campanha da Fraternidade – “Escolhe, pois, a vida” (Dt 30,19), como opção primordial para que se preserve de todas as formas da corrupção aquela que, há muito, é considerada célula mater da sociedade. Nesse escrínio, devem-se conservar e fomentar os valores necessários para a consolidação de uma sociedade justa, dentro dos princípios cristãos.
Todavia, uma batalha constante temos presenciado em detrimento da família; o pior, uma batalha legal. Sim, isso acontece a partir do momento em que se buscam de todas as formas legalizar o aborto, possibilitar a dissolução da instituição familiar e agilizar o processo jurídico, usá-la como “peça” para usurpação de uma vúlnera social lamentável, a miséria; relativizar os conceitos basilares de sua formação, incentivando a liberdade espúria que agride a natureza e a ordem das cousas.
Ao contrário do que se pode deduzir, as pessoas se permitem, nesse processo, serem aprisionadas pela satisfação pessoal, pelo hedonismo hodierno, negando a liberdade e a dignidade individual. Nas palavras do papa João Paulo II, isso produz “efeitos destruidores na vida familiar, comunidade anterior e fundamental à sociedade e ao Estado; por outro lado, a destruição da natureza e da missão da família provoca a destruição da própria sociedade, pois a família é a única instituição capaz de promover os valores que permitem a harmonia e coesão sociais” (cf. 5ª Assembléia Gerald o Sínodo dos Bispos, 1980).
“Escolhe, pois, a vida” é a opção que, desde as Sagradas Escrituras, a Igreja no Brasil propõe às famílias. Essa escolha deve se efetivar com o comprometimento do trabalho missionário de cada um. O campo é vasto no seio das famílias: casais desestruturados, filhos rebeldes, grupos assanhados em corromper a disciplina pessoal e a ordem social, pelo modismo e por seduções intelectuais. Cabe, pois, a cada cristão, corresponder ao chamado divino e se entregar, sem temor, à sua missão a partir dessa “igreja doméstica”, parte do tecido eclesial com suas funções inalienáveis.

sexta-feira, agosto 08, 2008

Discurso convincente

Começou a corrida eleitoral e já se pode ver a repetição dos mesmos erros, pelo menos no discurso. Depois, quando se abrem as urnas e o resultado surpreende “até o mais indiferente” – como costuma citar o Frei Tibúrcio – como a frágil vítima de um adultério entregam-se ao questionamento: “onde foi que eu errei?” Muito simples. Basta ouvir, atentamente, com frieza, racionalmente, os discursos inflamados proferidos durante a campanha e logo se encontram os motivos pelos quais não conquistaram a simpatia e, muito menos, a confiança dos eleitores.

Em Conselheiro Lafaiete começaram já os pronunciamentos dos candidatos. O Jornal CORREIO, além de apoiar a iniciativa do Sindicato do Comércio varejista de sabatiná-los, está publicando, há duas semanas, uma série de entrevistas com todos os “prefeitáveis”, abordando um determinado tema a cada edição. Na primeira semana foi sobre a expansão industrial da região e os reflexos no municípios e, esta semana, acerca da situação da saúde. Neste pouco tempo conseguimos perceber os projetos de cada um, ou seja, nada tem de convincente.

Indistintamente, alguns caem no equívoco de ficar apenas apontando erros alheios, sem apresentar uma proposta que possa suprir as carências que atingem diretamente a população. Outros, talvez por ingenuidade, imaginam seus eleitores mais simplórios ainda para assimilarem – para não dizer acreditarem – nas suas propostas de governo. Depois, ele ainda insiste em acreditar que foi traído pelos amigos, pelos correligionários, pelos seus eleitores; nunca que o fracasso foi o seu discurso, ora fraco e sem sentido, ora virulento e assustador.

A proposta deve ser necessária, exeqüível e beneficente à população e ao município. O que as pessoas querem ouvir? É a certeza de um ordenamento orçamentário que possibilite mais o desenvolvimento de Conselheiro Lafaiete; é uma política que viabilize uma segura expansão industrial, não apenas rebarbas de um proveito que acaba se transformando num caos social para os lafaietenses, com o aumento do custo de vida e de todo tipo de desordem social; a saúde não quer apenas mais profissionais para atender a população, mas estrutura-física condizente (e o Hospital Regional?); na educação, não basta apenas garantir vagas para crianças e jovens nas salas de aula, necessita-se de qualidade de ensino, professores bem qualificados e atualizados; a segurança pública tem uma parcela de responsabilidade que cabe ao município, não só aos órgãos competentes do Estado.

Quem quiser ganhar as eleições, deverá estar em sintonia com o que o eleitor quer ouvir e fale de forma seja compreendido. O erro de muitos é julgar-se onipotente em sua fala; aliás, Claude Pepper, político norte-americano, dizia que “o erro de muitos políticos é esquecer que foram eleitos; ficam achando que foram ungidos”.

domingo, agosto 03, 2008

Bernardo Guimarães em Queluz

Foi inaugurada, no mês de dezembro de 2006, a restauração da casa onde residiu o poeta e romancista Bernardo Guimarães, em Ouro Preto, passando a abrigar a Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop) e o Núcleo de Ofícios de Ouro Preto. Na ocasião, a imprensa da capital deu ampla cobertura, falando sobre o processo de restauração pelo qual passou o imponente sobrado do século 19 e a respeito de mais um espaço destino a promoções culturais naquela Imperial Cidade. Porém, mais uma vez, a passagem de Bernardo Guimarães por Queluz de Minas foi omitida, senão citada discretamente em seu cronológio.

Bernardo Guimarães, de acordo com seus biógrafos, teria chegado em Queluz em 1873, para reger as cadeiras de Latim e Francês; alguns deles chegaram a afirmar que fora nomeado ara o Liceu de Queluz. Observa-se, entretanto, que nessa época não havia nenhuma escola de curso ginasial na cidade, senão as escolas primárias “uma para meninos e outra para meninas”. Poderia supor-se que residia em Queluz e lecionava no renomado Colégio Matosinhos, em Congonhas. Mas, por que não residia então naquele distrito?

Daí poderia ser porque fora nomeado Juiz Municipal para este termo – uma outra informação de um de seus biógrafos. No entanto, até o momento, não foi encontrada uma prova documental, não obstante ficar-me a impressão de ter visto sentença sua assinada em processos dessa época, no Cartório de Órfãos, podendo ter-me incorrido em equívoco.

Em Queluz, Bernardo Guimarães residiu em uma casa que existia na antiga rua dos Barrancos, no trecho hoje denominado rua Desembargador Dayrell de Lima, onde posteriormente funcionou o Colégio Monsenhor Horta. Essa casa foi residência do padre Cândido Tadeu Pereira Brandão, que foi vigário colado da freguesia de Nossa Senhora da Conceição entre julho de 1823 a 16 de abril de 1848. O vigário era natural daqui, tendo nascido em 1785 e falecido a 2 de janeiro de 1850; era filho do capitão Manoel Pereira Brandão e de Jacintha Georgiana de Mariscote. Ordenou-se presbítero secular do Hábito de São Pedro, a 3 de maio de 1812, por dom frei Cipriano de São José. Exerceu a capelania de Dores (atual Capela Nova), de outubro de 1816 a abril de 1817, vindo ser coadjutor do vigário Fortunato Gomes Carneiro, sucedendo-o após sua morte. Apresentado para vigário colado por Carta Imperial de 21 de junho de 1824, foi colado a 17 de agosto seguinte. Exerceu na Vila o cargo de professor particular de Latim e exerceu a vereança entre os anos de 1845 a 1848, quando presidiu a Câmara. Nesse último ano, o Presidente da Província concedeu-lhe licença na vigararia com vencimento até que ele se restabelecesse de uma catarata, tendo falecido dois anos depois.

Durante os anos que residiu em Queluz, até por volta de 1877, aqui nasceram os filhos de Bernardo Guimarães, Isabel, em 1873, e o poeta Afonso da Silva Guimarães, que pertenceu à Academia Mineira de Letras, falecido em 1955. Nesse período, também, foram editadas duas de suas poesias mais conhecidas e consideradas pornográficas, embora não sejam de seu período bestialógico, “O Elixir do Pajé” e “A Origem do Mênstruo”, publicadas clandestinamente em 1875. O seu célebre romance “A Captiva Isaura” (conhecido hoje como “A Escrava Isaura”), também é dessa época, conforme consta de um contrato com a Editora Garnier, cujo original se encontra, hoje, na Editora Itatiaia, de Belo Horizonte, que adquiriu os direitos daquela. Todavia, isso não prova que o romance teria sido escrito aqui, muito menos se inspirado numa realidade específica de alguma família queluzense, até mesmo porque existe a tradição na família de que ele teria escrito o livro quando passava temporada na fazenda da família, em Ouro Preto.

O motivo pelo qual veio parar em Queluz talvez tenha sido influência do conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira, com quem trabalhara no Rio de Janeiro, no jornal “Actualidade”. Lafayette, mesmo distante de sua terra natal, sempre ingeria-se na política local, por meio de seu pai, o Barão de Pouso Alegre, e de seu irmão Washington Rodrigues Pereira. A afinidade que tinha com Bernardo Guimarães também se comprova por um bilhete que lhe escreveu pedindo sua opinião sobre um soneto que escrevera:

Meu caro Bernardo Guimarães,

É este o soneto de que te fallei. Conheces a história. A minha bella noiva perdeu a razão há quatro annos. E eu não sei como diante de tão rude golpe ainda conservo a minha. Pobre moça! Eu me sinto capaz de todos os sacrifícios por ella.

O nosso Flávio, que sujeita tudo à razão fria, acha que eu sou um desequilibrado, Mas tu, que és poeta, não pensas assim.

Teu do c. [coração]

Lafayette

Rio, 28 de março de 1867.

A noiva a que se refere Lafayette talvez seja uma de quem comentara com seu irmão Washington numa carta, quando era presidente da Província do Ceará. Flávio Farnese foi companheiro de ambos também no jornal “Actualidade”. O soneto é o seguinte:

“Consagrei-te no alvorecer da vida

O que tinha em meu ser de puro e santo

- ilusões, a alegria, a dor, o pranto,

A esperança de etérea cor tingida.


A voz tua ressoava sentida

Aos meus ouvidos, como ignoto canto;

Tua fronte vertia estranho encanto

De sombras e de mistérios cingida.


Mas a luz que te iluminava a mente

Apagou-a o Aquilão da adversidade

E deixou-me, de mim, de Deus descrente.


Amei outras. Ó, fora uma impiedade!

Pálida, semimorta, inconsciente,

Foste sempre e és a minha divindade!”

O período em que Bernardo Guimarães residiu em Queluz não foi dos melhores. Acometido pelas desventuras que envolvem os fracos os abatem tão facilmente, teria o poeta, já no final de sua vida, passado os dias perdendo-se entre a inspiração e a necessidade de anestesiar-se da realidade. Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, nascido em Ouro Preto, a 15 de agosto de 1825, após deixar Queluz, retorna ao seu torrão natal para morrer pobre, a 10 de março de 1884.

Casa onde residiu Bernardo Guimarães na cidade de Queluz (MG)

segunda-feira, julho 28, 2008

Em ano de eleições

Além das vagas que se dispõem para as próximas eleições, duas recentes leis sancionadas pelo prefeito de Conselheiro Lafaiete aguçam, um pouco mais, o interesse de alguns candidatos deste ano. O prefeito receberá na próxima gestão cerca de R$ 15 mil e os vereadores em torno de R$ 5,8 mil. Uma realidade no quadro político do Brasil, indistintamente, salvaguardando-se, contudo a honra de muitos que se pautam pelos princípios morais e éticos que não lhes permitem de envolver em conluios espúrios, subentende-se, porém, infelizmente, que política seja derivado de corrupção.
Mas a população se vê quase que induzida a se permitir um juízo temerário sobre este tema. Pois veja: para ser admitido em qualquer emprego público, por mais simples que seja, exige-se uma ficha criminal tão impoluta quanto os processos de canonização da Igreja, sem falar na exigência de escolaridade cada vez mais enriquecida de cursos, especializações, graduações, pós-graduações, mestrados etc. Todavia, para se candidatar a um cargo público (político), nem tanto. Temos observado a Justiça Eleitoral minuciosa na análise dos processos de candidatura. Entretanto, o tradicional “jeitinho brasileiro” acaba dando uma concessão no item x, do parágrafo tal, de um determinado artigo de uma lei que foi criada, possivelmente, para facilitar os trâmites daqueles que ainda não conseguiram sublimar seus mais sórdidos instintos.
Por isso, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) estão empenhadas, já com o apoio de diversas outras instituições, para uma reforma política no país. As propostas são para alterações a partir do sistema eleitoral, onde a influência dos famigerados lobistas, atiçando a ânsia de poder e de influência de alguns políticos. Ao se propor uma mobilização popular, essas instituições querem fazer valer os princípios democráticos da República e o envolvimento de todos os brasileiros, conscientes de suas reivindicações, em prol do respeito à cidadania, desestruturação de uma representatividade meramente elitista e a consolidações de uma ampla conscientização sobre o papel de cada um no todo.

(Publicado como Editorial do Jornal Correio da Cidade, edição 916, de 26/7 a 1º/08/2008)

sexta-feira, julho 18, 2008

Pesadelo chinês

Nos últimos dias, o noticiário da TV falava sobre a situação ambiental da China, às vésperas das Olimpíadas que, este ano, acontecem em Pequim. O governo daquele país não teria cumprido o que prometera ao Comitê Olímpico, para que o evento lá se realizasse. E só agora a imprensa mundial começa a atentar-se para a real situação daquela Nação, principalmente a partir do momento em que começam a sentir tolhida sua liberdade e a observar que os veículos de comunicação chineses sofrem com a censura.

Interessante que, tanto o Comitê Olímpico, quanto os países que participarão das Olimpíadas, parecem desconhecer que a China é um país que padece sob o regime comunista, com todas as suas atrocidades. Será possível que o pranto silente dos oprimidos na China não se faz ouvir cá no Ocidente? O poderio bélico é uma ameaça, sim, mas deve existir um meio, desde a Organização das Nações Unidas, para desestruturar essa ilusória potência que se mantém à força de prisões, expropriações e corrupção.

Com a facilidade de comunicação e veiculação de notícias por meio da internete, foi elaborado um blog, entre muitos outros, que chama a atenção dos leitores para as atrocidades cometidas naquele país. É o http://pesadelochines.blogspot.com que deveria ser consultado por todos que têm acesso à web. Nele encontram-se relatos do cotidiano político e social da China, onde o pensamento, o comportamento e a religião são controlados de tal forma que a população se torna cativa de um sistema que lhes priva de liberdade, tornando as pessoas meras peças numa composição social que busca, tão somente, o produzir.

Antagonicamente, a China é, hoje, um país onde só a população sofre a opressão comunista e o Estado se beneficia da força econômica que o mantém. Embora algumas medidas tornaram-se necessárias nos últimos anos, para “distrair” os outros países, como a abolição do culto às personalidades e os governos vitalícios, a China está longe de ser um país democrático, como essas pequenas mudanças procuram sugerir.

Enquanto a China é lembrada, na maioria das vezes, no Ocidente, pela sua cultura milenar e como guardiã de uma rica filosofia, ficam os chineses a sofrer naquele imenso campo de concentração comunista, sem poder pensar, sem poder professar sua fé, sem poder viver. É para lá que as atenções estarão voltadas nos últimos dias...

quarta-feira, julho 09, 2008

O Ano Paulino

Nas primeiras Vésperas da Solenidade de São Pedro e São Paulo, o Santo Padre Bento XVI inaugurou o Ano Paulino, que será encerrado no próximo ano, na festa dos Apóstolos que foram as colunas do pórtico principal da Santa Igreja. Comemorando os dois mil anos do nascimento de São Paulo, o Papa propõe a reflexão da figura de Apóstolo dos Gentios para o Cristianismo. Na cerimônia, celebrada na Basílica Maior de São Paulo For dos Muros, um encontro significativo marcou a comemoração, o Patriarca do Ocidente (Bento XVI) e o Patriarca Ortodoxo de Constantinopla, chamado também de Patriarca do Oriente (Bartolomeu I). A aproximação iniciada ao tempo do Beato João XXIII, após uma ruptura de cerca de 1.500 anos, teve, no atual Pontificado, dois momentos marcantes: o primeiro quando Bento XVI visitou o Patriarcado de Constantinopla e agora, na Cidade Eterna.
A presença dos prelados e sacerdotes ortodoxos junto na Igreja Romana, desde o Concílio Ecumênico Vaticano II, a cada dia marcam mais e mais a reaproximação de um distanciamento que marcou os primórdios do Cristianismo, em meados do primeiro milênio. O momento em que a comemoração jubilar do Apóstolo Paulo move toda a cristandade, quis o Santo Padre que a ela se unissem esses filhos diletos, depósitos da fé primitiva, guardiões de uma cultura religiosa milenar, vislumbrando a conquista de novos campos de diálogo, a superação das diferenças que os divide e, quiçá, ainda que num porvir distante, uma definitiva união daquela Igreja em que a figura de Paulo é tão expressiva, haja visto sua atuação, principalmente, como bispo em Jerusalém, Antioquia, Chipre e Grécia.
“Este homem deve levar meu nome aos gentios, aos reis e aos filhos de Israel” – esta foi a determinação divina a Ananias. E hoje, num mundo hedonista em que as pessoas se cedem ao pragmatismo e os valores se confundem no relativismo, as Cartas Paulinas instruem sobre a disposição para seguir o Cristo. “O chamado a ser o mestre dos povos é ao mesmo tempo e intrinsecamente um chamado ao sofrimento na comunhão com Cristo, que nos redimiu mediante sua Paixão. Em um mundo no qual a mentira é potente, a verdade se paga com o sofrimento”, destacou o Santo Padre em sua homilia, indicando que o sofrimento do Apóstolo “o torna confiável como mestre de verdade, que não busca seu próprio proveito, a própria glória, o prazer pessoal, mas se empenha por Aquele que nos amou e se entregou por todos nós”. É esta a nossa missão.

sábado, junho 28, 2008

Deus guarde o Papa



A Santa Igreja celebra neste domingo, dia 29 de junho, a solenidade de São Pedro e São Paulo. No mesmo dia, comemora-se o Dia do Papa, quando, então, nossas intenções se voltam à colina Vaticana, donde o Vigário de Cristo guia seus súditos, no mundo todo, nas sendas rumo à salvação, à Pátria Celeste. E quem é esse que, resgatado dentre os homens – susceptível, portanto, a todas as fragilidades humanas – pela graça da vocação, à qual corresponde, e se entrega ao ministério de salvar almas e a ele se dedica de tal forma que é ornado com a plenitude do sacerdócio e elevado ao trono de Pedro? Ele é simplesmente aquele que atendeu prestimoso ao “veni, sequere me” do Divino Mestre, largou tudo e pôs-se a caminho, confiante nAquele em quem tudo pode. Ele confiou e se entregou.
Ao longo de toda a história da Igreja, encontraremos sempre esse episódio de desprendimento; alguns perseverando até a morte; outros, tíbios, não correspondendo sempre à graça ou até se desertando das fileiras sagradas. Mas todos aqueles que foram revestidos do Ministério Petrino o foram pela graça de Deus; até mesmo nas mais diferentes e complicadas situações, nos momentos politicamente críticos, em que se confundiam os princípios e se deturpavam valores, o Espírito Santo agiu, de forma que as tempestades que ameaçavam a Barca de Pedro se abrandaram, alcançando a nau, novamente, águas tranqüilas.
Assim, confirma-se que Cristo é a Cabeça do Corpo Místico, que é a Igreja, de maneira absolutamente única. De maneira invisível governa-o por si mesmo e diretamente iluminando os corações, fortalecendo as vontades, infundindo nas almas a graça santificante, livrando a sua Esposa Imaculada dos perigos mortais, guiando-a no caminho da eterna bem-aventurança. De maneira visível, governa-a ainda indiretamente, por meio daquele que faz as suas vezes na terra.
O Papa, longe de usurpar o lugar de Cristo, está-lhe subordinado em tudo e por tudo. Tem por ofício conservar o Corpo unido à divina Cabeça. O título de “Vigário” mostra sobejamente sua dependência total para com Cristo. E aos gestos do Sumo Pontífice se unem os de uma miríade de santos e mártires que pelejaram em torno da cátedra de Pedro e de um tanto outro sem número que ainda combate rumo à Jerusalém celeste. Ao longo de dois mil anos, desapareceram impérios, mudaram as civilizações, mas o Rochedo plantado na colina Vaticana, na Cidade Eterna, permanece inabalável, imperecível, até o final dos tempos, guiado por aquele que, nas palavras de Santa Catarina de Sena, é o “Doce Cristo na Terra”. Por isso, ao reverenciar o Santo Padre, pedimos que “o Senhor o conserve e vivifique e o faça feliz na terra e não o abandone nas mãos dos seus inimigos”.
Deus guarde o Papa!

quinta-feira, junho 12, 2008

Quo usque tandem?

Era o ano 63 a.C.. Lúcio Sérgio Catilina, perdendo-se em desvarios, ambicionando o poder, retira-se de Roma para, junto de seu exército subversivo, preparar o ataque contra o governo da República. Ele se corroia em amargura, ferido pela verve de Marco Túlio Cícero que, no Senado, proferira a célebre série de discursos que se perpetuaram na literatura clássica como as Catilinárias. Relendo-os, desejei dividir com os prezados leitores alguns excertos dessa que é considerada uma mais belas páginas da literatura latina. A tradução é de Sebastião Tavares de Pinho, Edições 70, Lisboa, 1989.

Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? - Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?

Ó tempos, ó costumes! (...) Que há, pois, ó Catilina, que ainda agora possas esperar, se nem a noite com suas trevas pode manter ocultos os teus criminosos conluios, nem uma casa particular pode conter, com suas paredes, os segredos da tua conspiração, se tudo vem à luz do dia, se tudo irrompe em público? É tempo, acredita-me, de mudares essas disposições; desiste das chacinas e dos incêndios. Estás apanhado por todos os lados. Todos os teus planos são para nós mais claros que a luz do dia... (...)

Sendo assim, prossegue, Catilina, o caminho encetado; sai da cidade de uma vez para sempre; as portas estão abertas; põe-te a caminho. Há muito que te reclamam como general supremo esses teus acampamentos manlianos. Leva também contigo todos os teus; se não todos, pelo menos o maior número possível. Limpa a cidade. (...) Grande deverá ser o nosso reconhecimento para com os deuses imortais, particularmente para com o próprio Júpiter Estator aqui presente, o mais antigo protetor desta cidade, por tantas vezes termos escapado a esta peste tão abominável, tão horrorosa e tão hostil à República. Nunca mais a suprema segurança do Estado deve ser posta em perigo por causa de um homem apenas. (...)

Mas de que servem as minhas palavras? A ti, como pode alguma coisa fazer-te dobrar? Tu, como poderás algum dia corrigir-te? Tu, como tentarás planear alguma fuga? Tu, como podes pensar nalgum exílio? Oxalá os deuses imortais te inspirassem tal propósito, muito embora eu veja que, se tu, apavorado com as minhas palavras, te decidires a partir para o exílio, uma enorme tempestade de ódios ameaça desabar sobre nós, se não no tempo presente, por causa da fresca lembrança...”

Ó tempora, ó mores!

quarta-feira, junho 04, 2008

Más influências

Ainda correm pelos meios universitários, com prévia preparação nas salas dos ensinos fundamental e médio, as más influências marxistas que, não obstante já se terem-na comprovado, embora sedutoras pelo caráter social, perniciosas e frustradas na prática. Os centros acadêmicos especializados em Ciências Humanas são os mais propensos a se lhes enamorar, justamente pela ilusória solução do que consideram ser o “problema” de nossos dias. Com a pressão do capitalismo, incontrolável sobre os países denominados do terceiro mundo, a panacéia social que desgraçou o leste europeu por mais de meio século, entravou o desenvolvimento social dos cubanos e ainda é um flagelo na China, há quem acredite serem Karl Marx e Engels os redentores.

Enquanto se atêm simplesmente à base econômica, os resistentes comunistas tornam-se mais calculistas que os apologistas do capitalismo, interessados tão somente na produção; acreditam que a partir daí os outros aspectos da vida estariam solucionados. Lamentavelmente, sobre esse mesmo prisma os partidos políticos pautam seus planos de governo. É possível que não haja, hoje, no Brasil uma sigla sequer que não tenha se influenciado por essas teorias esquerdistas. O que poderia se deduzir como sendo decorrente da eficiência do projeto, nada mais é do que a ambição a lhes inflama o âmago, é o querer mais, é a soberba de quem não é capaz de se auto-gerir e quer se meter a liderar os asseclas de sua mesma crença.

O sucesso desse intento só se conseguirá de uma forma: manipulando as gerações vindouras. Por isso, tornam-se os centros acadêmicos campo fértil para se disseminar tão pernicioso pensamento, instigando, como sempre, a chamada luta de classes, promovendo o avivamento de um ódio entre pobres e ricos, ainda se lhes referindo como proletários e burgueses. Repugnante a forma de antojo com que muitos lentes ainda tentam moldar a mente dos jovens estudantes, sem se lhes descrever com clareza todo o contexto do momento histórico. O que foi uma ameaça na primeira metade do século XX, tomou impulso nos anos 60 e triunfou-se na última década da centúria passada, com sua disfarçada ascensão ao poder.

Penso que, de imediato, nada possa ser feito, senão as instituições que ainda se preservam desse mal continuem quais atalaias imbatíveis nessa mixórdia ideológica e até comportamental a que assistimos, enquanto facínoras e apedeutas confundem os bons, alguns conseguindo se adiantar às massas para conduzi-las, certamente, ao abismo do materialismo e/ou do niilismo. Como já se sucedeu noutras épocas, há-de chegar o momento em que, perdidos no vazio desse mundo sem Deus, busquem os bastiões que resguardam os princípios necessários para a restauração da sociedade, reconduzindo a humanidade pelas sendas do cristianismo.

domingo, maio 25, 2008

Um revolucionário refugiado no Olhos d'Água

A capela de Nossa Senhora da Lapa de Olhos d’Água comemora, dia 7 de junho, os 275 de sua ereção, pelo então bispo do Rio de Janeiro, Dom Antônio do Guadalupe. Naquela época, quase todo o território da Capitania das Minas Gerais estava sob a jurisdição eclesiástica do Bispado do Rio de Janeiro; só em 1745 seria criada a Diocese de Mariana. Seu construtor foi Manuel Moraes Coutinho, casado com Margarida Rodrigues, falecida em 20/08/1837 e sepultado dentro da capela daquela paragem, de cujas terras eram proprietários[1].

Manuel Moraes Coutinho, nascido na freguesia de São Sebastião da Vila de Toiro, bispado de Lamego, Concelho de Vila Nova de Paiva, Viseu, Portugal, era filho de Antônio de Moraes e de Ana de Carvalho. Veio para o Brasil nos primórdios do século XVIII, já aparecendo como proprietário da Fazenda Cataguases, na freguesia de Prados, por volta de 1722. Tendo contraído dois casamentos, deixou numerosa prole, cuja descendência espalhou-se pelos Campos das Vertentes, em Minas, e na região de Cantagalo, no Estado do Rio de Janeiro, destacando-se, entre estes, prósperos cafeicultores e líderes políticos, como o Visconde de Imbé e o Dr. Raul de Moraes Veiga, governador daquele Estado entre os anos de 1918 a 1922. Moraes Coutinho morreu em 1777, deixando, além da Fazenda Cataguases, uma outra propriedade denominada São Simão, “ao pé do Rio São Francisco”. Após a morte de sua primeira mulher, casou-se com Ana Nunes da Costa, filha de Caetano da Costa Nunes e de Luzia de Jesus.[2]

Na capela de Nossa Senhora da Lapa de Olhos d’Água foi batizado, em 9/5/1782,[3] o padre Gonçalo Ferreira da Fonseca, que se tornou um chefe político na região do Camapuã, tendo sido vereador à Câmara de Queluz entre 1841 e 1848.[4] Por muitos anos, exerceu aquela capelania, onde residia na Fazenda São Gonçalo. Nessa sua propriedade, retirou-se o Cônego Antônio Marinho, historiador da Revolução Liberal de 1842.

Marinho foi um dos intelectuais do Partido Liberal que participaram do movimento que, em Minas, eclodira-se como um eco da rebelião dos paulistas, em retaliação às manobras do partido Conservador, que reassumira o poder no ano anterior, em detrimento às propostas de renovação. Inflamara-se a situação com a lei que criava o Conselho de Estado e a reforma do Código de Processo Criminal.

A marcha iniciou-se em junho de 1842, finda em Santa Luzia, após ter passado por Barbacena, Queluz e Sabará, onde os Legalistas prostraram os revoltosos, levados presos. Entre os mineiros detidos, alguns queluzenses, como o padre Francisco Pereira de Assis (tio paterno do Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira). Também foram presos o padre Gonçalo Ferreira da Fonseca e o Cônego Antônio Marinho, este após ter se entregado à Justiça, pois fugira quando os Legalistas venceram em Santa Luzia, o que causou espécie a Teóphilo Ottoni. À incompreensão do líder mineiro, Marinho teria retorquido: “Mais vale ser magro no mato, do que gordo na boca do gato”...

Marinho foi levado a julgamento na comarca de Piranga, quando surpreendeu o júri dada sua capacidade de auto-defesa, livrando-se da condenação que coube a muitos revolucionários, anistiados posteriormente a 14 de março de 1844, por beneplácito de Sua Majestade Dom Pedro II. O Xenofonte da Revolução, como o cognominou o historiador Moreira de Azevedo, retirou-se, então, na Fazenda São Gonçalo, na aplicação de Nossa Senhora da Lapa de Olhos d’Água. Naquele recanto, encontrou a tranqüilidade necessária para se refazer moral e intelectualmente. Nesse remanso, segundo a tradição, “no coração das virgens florestas”, segundo sua expressão,[5] teria escrito o livro “História do Movimento Político que no ano de 1842 teve lugar na Província de Minas Gerais”.

A obra, não obstante ter sido redigida ainda sob a inspiração da emoção de um liberal derrotado, não pode ser questionada quanto à falta para com a verdade dos fatos. Porém, é a visão dele apenas. Uma advertência que ele lançou ao fim do tomo segundo desculpa esse deslize, alegando que informações que pedira a outras regiões que se envolveram com o conflito chegaram às suas mãos tardiamente, quando o livro já se encontrava no prelo. Isso foi o suficiente para macular a honra do Exército Imperial, que denodadamente assegurara a integridade do Império e o poder do monarca, tendo à frente o bravo Barão de Caxias. Quanto aos anseios dos liberais, ficou também a lição para o Imperador, que no ano seguinte constatara a justeza do que lhe cobravam os revoltosos e teria afirmado anos mais tarde: “Foi um erro. Talvez o maior de todo o reinado”...

Anistiados os revoltosos, muitos retomaram as lides políticas. Cônego Marinho que, além de ter se dedicado ao magistério em Ouro Preto, Congonhas e São João del Rei, fora deputado à Assembléia Provincial, de 1835 a 1842, retorna à Corte, onde se elege à Assembléia Geral de 1845 a 1849. Sua atuação brilhante como parlamentar eloqüente na defesa dos interesses públicos reafirmava-o, mais uma vez, como vigoroso político intelectual pelo seu raciocínio e concisão das idéias; seria um sociólogo de seu tempo.

Sobre sua atuação legislativa, o historiador Rodrigues de Almeida observa que “se dedicou-se também à política, não o fez por egoísmo do interesse próprio, e jamais serviu-se dela como meio desonesto. (...) Tomando parte ativa nas questões partidárias, reconheceu o Cônego Marinho as inconveniências e as escabrosidades da política, dedicando-se voluntariamente depois tão somente ao sacerdócio, para o apostolado do bem”. Cônego Marinho, que fora pregador da Casa Imperial nomeado em 1839 e, ano seguinte, feito Cônego Honorário do Cabido da Sé do Rio de Janeiro, foi elevado à dignidade de Monsenhor camareiro secreto do Beato Pio IX, em 1847. De acordo com seus biógrafos, morreu pobre, vítima de febre amarela, no dia 13 de março de 1853, no Rio de Janeiro, onde foi sepultado no Cemitério São João Batista.[6]



[1] - VALE, Dario Cardoso – MEMÓRIA HISTÓRICA DE PRADS, Belo Horizonte, 1985, pág. 123

[2] - RICHA, Lênio Luiz – FAMÍLIA MORAES COUTINHO, in GENEALOGIA BRASILEIRA – ESTADO DO RIO DE JANEIRO – POVOADORES DA REGIÃO SERRANA - http://br.geocities.com/lenioricha/cantagalo_morcout.htm

[3] - VALE, opus cit. pág. 150

[4] - MILAGRE, Allex – MEMORIAL DA CÃMARA DE CNSELHEIRO LAFAIETE, 2005

[5] - SISSON, S. A. – GALERIA DOS BRASILEIROS ILUSTRES – JOSÉ ANTÔNIO MARINHO, in http://pt.wikisource.org/wiki/Galeria_dos_Brasileiros_Ilustres/Jos%C3%A9_Ant%C3%B4nio_Marinho

[6] - ALMEIDA, Joaquim Rodrigues de Almeida – CÔNEGO JOSÉ ANTÔNIO MARINHO, in HISTÓRIA DO MOVIMENTO POLÍTICO DE 1842, 2ª EDIÇÃO, Typographia Almeida, Conselheiro Lafayette, 1939

quinta-feira, maio 15, 2008

O mês de Maria

Há instantes na vida em que o homem parece retirar-se do cenário tumultuado do dia-a-dia e busca um alento para o seu ânimo, muitas vezes fragilizado por uma apostasia que vai se generalizando em todos os meios. E o mês de maio é um desses momentos propícios à interiorização, a partir de simples reminiscências, parecendo ouvir-se, ainda, ao longe, o toque de um sino, sentir um aroma de sacralidade e até o burburinho de crianças alegres e ansiosas parece tomar conta do ambiente de sua imaginação. É o mês de maio, dedicado à Virgem Maria.

É provável que uma das primeiras oportunidades que se tem nesta vida para desenvolver a espiritualidade nos seja dada ainda na infância. E as celebrações do mês de maio são uma delas, seguramente. A princípio, apenas o momento de se prestar homenagens à Medianeira de todas as graças, muitas vezes até cumprindo um capricho dos pais, uma herança que vem passando de geração a geração. Mas, ao meditar a grandeza do momento, ver-se-á que nada mais é do que a expressão sincera do que um católico espera: poder um dia contemplar, no páramo, a doce mãe, advogada dos pecadores. E a nenhuma criança pode ser tirada essa oportunidade terrena, de coroar a Virgem Maria, assim como desejaria coroá-la no céu.

Naquele momento em que todo esse anseio e essa alegria pueril se transluz nas figuras pequeninas que, vestidas a caráter, levam seu tributo a Maria, tudo tem um significado. Desde a procissão que caminha ao altar preparado para o ato, significando a caminhada da humanidade em busca da Perfeição, até as balas e doces distribuídas no fim (tão combatidas), cujo significado, para os pequeninos, nada mais é do que as graças que Deus as concede, por intercessão de sua Mãe Santíssima.

Enquanto o mundo avança em seu curso natural, ainda se pode parar por um momento e mergulhar nesse ambiente, até certo ponto de nostalgia, e relembrar aqueles momentos que só a percepção, ainda que limitada, de uma criança pode descrever, enquanto se ouve ao longe o coro pueril a entoar: “Meninas vimos trazer flores, / cantar hinos de alegria / nesta horas tão solene / saudar a Virgem Maria...”. Maio de tantas recordações...