domingo, agosto 03, 2008

Bernardo Guimarães em Queluz

Foi inaugurada, no mês de dezembro de 2006, a restauração da casa onde residiu o poeta e romancista Bernardo Guimarães, em Ouro Preto, passando a abrigar a Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop) e o Núcleo de Ofícios de Ouro Preto. Na ocasião, a imprensa da capital deu ampla cobertura, falando sobre o processo de restauração pelo qual passou o imponente sobrado do século 19 e a respeito de mais um espaço destino a promoções culturais naquela Imperial Cidade. Porém, mais uma vez, a passagem de Bernardo Guimarães por Queluz de Minas foi omitida, senão citada discretamente em seu cronológio.

Bernardo Guimarães, de acordo com seus biógrafos, teria chegado em Queluz em 1873, para reger as cadeiras de Latim e Francês; alguns deles chegaram a afirmar que fora nomeado ara o Liceu de Queluz. Observa-se, entretanto, que nessa época não havia nenhuma escola de curso ginasial na cidade, senão as escolas primárias “uma para meninos e outra para meninas”. Poderia supor-se que residia em Queluz e lecionava no renomado Colégio Matosinhos, em Congonhas. Mas, por que não residia então naquele distrito?

Daí poderia ser porque fora nomeado Juiz Municipal para este termo – uma outra informação de um de seus biógrafos. No entanto, até o momento, não foi encontrada uma prova documental, não obstante ficar-me a impressão de ter visto sentença sua assinada em processos dessa época, no Cartório de Órfãos, podendo ter-me incorrido em equívoco.

Em Queluz, Bernardo Guimarães residiu em uma casa que existia na antiga rua dos Barrancos, no trecho hoje denominado rua Desembargador Dayrell de Lima, onde posteriormente funcionou o Colégio Monsenhor Horta. Essa casa foi residência do padre Cândido Tadeu Pereira Brandão, que foi vigário colado da freguesia de Nossa Senhora da Conceição entre julho de 1823 a 16 de abril de 1848. O vigário era natural daqui, tendo nascido em 1785 e falecido a 2 de janeiro de 1850; era filho do capitão Manoel Pereira Brandão e de Jacintha Georgiana de Mariscote. Ordenou-se presbítero secular do Hábito de São Pedro, a 3 de maio de 1812, por dom frei Cipriano de São José. Exerceu a capelania de Dores (atual Capela Nova), de outubro de 1816 a abril de 1817, vindo ser coadjutor do vigário Fortunato Gomes Carneiro, sucedendo-o após sua morte. Apresentado para vigário colado por Carta Imperial de 21 de junho de 1824, foi colado a 17 de agosto seguinte. Exerceu na Vila o cargo de professor particular de Latim e exerceu a vereança entre os anos de 1845 a 1848, quando presidiu a Câmara. Nesse último ano, o Presidente da Província concedeu-lhe licença na vigararia com vencimento até que ele se restabelecesse de uma catarata, tendo falecido dois anos depois.

Durante os anos que residiu em Queluz, até por volta de 1877, aqui nasceram os filhos de Bernardo Guimarães, Isabel, em 1873, e o poeta Afonso da Silva Guimarães, que pertenceu à Academia Mineira de Letras, falecido em 1955. Nesse período, também, foram editadas duas de suas poesias mais conhecidas e consideradas pornográficas, embora não sejam de seu período bestialógico, “O Elixir do Pajé” e “A Origem do Mênstruo”, publicadas clandestinamente em 1875. O seu célebre romance “A Captiva Isaura” (conhecido hoje como “A Escrava Isaura”), também é dessa época, conforme consta de um contrato com a Editora Garnier, cujo original se encontra, hoje, na Editora Itatiaia, de Belo Horizonte, que adquiriu os direitos daquela. Todavia, isso não prova que o romance teria sido escrito aqui, muito menos se inspirado numa realidade específica de alguma família queluzense, até mesmo porque existe a tradição na família de que ele teria escrito o livro quando passava temporada na fazenda da família, em Ouro Preto.

O motivo pelo qual veio parar em Queluz talvez tenha sido influência do conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira, com quem trabalhara no Rio de Janeiro, no jornal “Actualidade”. Lafayette, mesmo distante de sua terra natal, sempre ingeria-se na política local, por meio de seu pai, o Barão de Pouso Alegre, e de seu irmão Washington Rodrigues Pereira. A afinidade que tinha com Bernardo Guimarães também se comprova por um bilhete que lhe escreveu pedindo sua opinião sobre um soneto que escrevera:

Meu caro Bernardo Guimarães,

É este o soneto de que te fallei. Conheces a história. A minha bella noiva perdeu a razão há quatro annos. E eu não sei como diante de tão rude golpe ainda conservo a minha. Pobre moça! Eu me sinto capaz de todos os sacrifícios por ella.

O nosso Flávio, que sujeita tudo à razão fria, acha que eu sou um desequilibrado, Mas tu, que és poeta, não pensas assim.

Teu do c. [coração]

Lafayette

Rio, 28 de março de 1867.

A noiva a que se refere Lafayette talvez seja uma de quem comentara com seu irmão Washington numa carta, quando era presidente da Província do Ceará. Flávio Farnese foi companheiro de ambos também no jornal “Actualidade”. O soneto é o seguinte:

“Consagrei-te no alvorecer da vida

O que tinha em meu ser de puro e santo

- ilusões, a alegria, a dor, o pranto,

A esperança de etérea cor tingida.


A voz tua ressoava sentida

Aos meus ouvidos, como ignoto canto;

Tua fronte vertia estranho encanto

De sombras e de mistérios cingida.


Mas a luz que te iluminava a mente

Apagou-a o Aquilão da adversidade

E deixou-me, de mim, de Deus descrente.


Amei outras. Ó, fora uma impiedade!

Pálida, semimorta, inconsciente,

Foste sempre e és a minha divindade!”

O período em que Bernardo Guimarães residiu em Queluz não foi dos melhores. Acometido pelas desventuras que envolvem os fracos os abatem tão facilmente, teria o poeta, já no final de sua vida, passado os dias perdendo-se entre a inspiração e a necessidade de anestesiar-se da realidade. Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, nascido em Ouro Preto, a 15 de agosto de 1825, após deixar Queluz, retorna ao seu torrão natal para morrer pobre, a 10 de março de 1884.

Casa onde residiu Bernardo Guimarães na cidade de Queluz (MG)