Tem causado comentários diversos a Portaria do Juiz da Infância e da Juventude de Patos de Minas, que proibiu a permanência de menores de 16 anos fora de casa após as 23h. A medida não é inusitada, visto outras cidades do interior e até de outros Estados já terem imposto regras eficientes, evitando o envolvimento de crianças e adolescentes em transgressões. Em Conselheiro Lafaiete, no início da década de 90, a juíza Valéria Rodrigues - salvo engano – adotou semelhante atitude, creio que com êxito.
Como se esperava, aplausos e críticas têm sido levantados de todos os lados. As críticas, no entanto, são as que mais nos causam admiração, pois só alguém alienado da realidade em que vivemos pode ainda acreditar na inocência de tantos menores que, soltos pelo mundo – quase sempre vítimas de desestruturas familiares e de desajustes sociais -, envolvem-se em pequenos furtos, agressões e, principalmente, com o tráfico de drogas.
A decisão judicial já comprovou que essa disciplina é capaz de conter os índices de criminalidade. Esse “toque de recolher”, como alguns denominam, além de coibir o envolvimento de menores na delinquência, auxilia os pais, despidos cada vez mais de sua responsabilidade sobre os filhos menores, seja pela insubordinação destes ou até mesmo pela incoerência sugerida por uma dúbia interpretação da legislação pertinente. Com isso, reafirma-se a pátria autoridade de educar, de impor limite aos filhos, mesmo que, para isso, sejam necessárias medidas que não sejam simples censura, mas um ato de proteção às crianças e adolescentes.
Ao vir à tona um tema tão presente na atualidade, em todas as esferas, vale lembrar que o respaldo jurídico apenas é insuficiente para proteger os menores. A atenção dos pais é primordial, seguindo-se o equilíbrio na harmonia familiar e o constante acompanhamento de tudo o que faz, seja na escola, nas brincadeiras em casa ou com os colegas de rua, no computar (para aqueles que lhe tem acesso), buscando perceber seus conceitos em suas experiências ou diante do que assiste na TV, por exemplo. Os pais são os primeiros, necessários e indispensáveis educadores de seus filhos, responsabilidade esta que não pode ser relegada, muito menos atribuída a outrem, nem mesmo a tios ou avós (exceto em determinados casos).
Medidas adotadas pela Justiça, impondo horário para a permanência de menores fora de casa, desacompanhados, constituem um instrumento de intimidação mais para os pais, chamados a assumirem a sua autoridade e à responsabilidade de educadores, de formadores do caráter de seus filhos, dentro dos princípios morais e religiosos eficazes. Só assim serão moldados lídimos cidadãos responsáveis, aniquilando os delinquentes em potencial que se formam à mercê da irresponsabilidade dos pais, aliada à decadência social.
O segundo volume da Coleção do Teatro Brasileiro, da WWW Sua Editora, do Rio de Janeiro, trouxe a comédia em três atos “A tradicional família mineira”, do teatrólogo Cleiber Andrade. O conceituado escritor, de uma ampla formação humanista, permitiu-se discorrer a pena ao sabor de um bom humor específico sobre os conceitos norteadores dos hábitos e princípios de bicentenários clãs. Seguindo a mesma linha de Martins Pena e Aluízio Azevedo, o autor lafaietense como que deu uma pausa em seus estudos, na criação de dramas como “Zero Hora”, “Três dias sem Deus”, “Concerto em Si-bemol” – só para citar alguns – e na composição poética a que se entrega com tanto primor, deu uma pausa para “brincar” com usos e costumes de uma aristocracia falida, mas devotada à conservação de modos obsoletos e à veneração de seus ancestrais, além de manias diversas, decorrentes sabe-se lá do quê. São indispensáveis os elogios à obra de Cleiber Andrade, mesmo tendo as autoridades em literatura já os terem feito com muita competência, pelo vasto conhecimento literário que possuem. Mas não há como deixar de admirar a facilidade com que toma de um tema, simples que seja, e consegue enredá-lo, transformando-o numa perfeita trama, seja pela acentuação dramática, seja na desopilação emocional que o humor proporciona. Em “A tradicional família mineira”, principalmente os que puderam conviver com pessoas pertinazes nos apegos às tradições de família, por mais insignificantes ou estranhas que sejam, vão identificar algum conhecido ou mesmo parente. Os discursos prolixos enaltecendo a ascendência – às vezes questionáveis -, a exaltação de um parente que se projetou na sociedade, os conceitos equivocados, a beatice acendrada, entre outras características das personagens, trabalhou-as muito bem o autor, constituindo uma lídima comédia de costumes, com o toque peculiar do teatrólogo e o retoque caricatural que lhe é permitido. Ler “A tradicional família mineira” de Cleiber Andrade, mais do que se distrair com uma deliciosa peça ao estilo da comédie-française, é um convite à reflexão de nossos conceitos também. A evolução dos tempos, as revoluções de comportamento e uma banalização dos costumes e até do pensamento muitas vezes podem facilmente conduzir o indivíduo ao ridículo, a um contra-senso sem precedentes, indo de um extremo ao outro, sob o casulo da liberdade de expressão, ou de uma excentricidade sem precedentes, tão somente pelo desejo de se fazer notar, o que leva os fracos e desarmados nessa batalha cultural se acastelarem, escudando-se com seus conceitos e preconceitos. Mas com sua peça, Cleiber não dá mão àqueles mendicantes infelizes da atenção alheia. Numa censura subliminar, ele atenta para o perigo a que se incorre ao manter-se inflexível como os Moura do Amaral e os T. de Mendonça, e com maestria reafirma a divisa de Molière, escrita por Jean de Santeuil, talvez inspirado na “Ars Poética” de Horácio: “Ridendo castigat mores”.
Uma tênue diferença distingue o reconhecimento que se deve ter para com os antepassados do “culto” que os orientais, especialmente, sugerem. Esse reconhecimento advém mais do sentimento de gratidão, e não apenas de uma ação benemérita, embora ela seja, quase sempre, o instrumento pelo qual chegamos ao seu autor. Ao deparar-se com a Pietá numa das capelas laterais da Basílica de São Pedro, no Vaticano, logo vem à mente o nome de Michelangelo; na peregrinação à Basílica do Bom Jesus, em Congonhas, é impossível olvidar os mestres do barroco mineiro, Aleijadinho e Athayde; da mesma forma como a arquitetura grandiosa de Brasília evoca Niemeyer. Esses vultos que se celebrizaram, especificamente, pelo dom da arte têm seu nome perpetuado na lembrança de todos aqueles que conhecem e admiram sua obra. A referência em que muitas pessoas se tornam, cada uma em seu campo de atuação, é um reflexo que, naturalmente, deseja-se espelhar; se não é possível, ao menos passa-se a reverenciar sua memória, num ato de gratidão e de reconhecimento. Desta forma, tornou-se comum dar aos logradouros públicos, aos edifícios, repartições, projetos etc. dar o nome dessas pessoas que, de alguma forma, notabilizaram-se pelos seus feitos ou até mesmo pelo seu simples jeito de ser. Esse reconhecimento que se lhe presta é uma extensão do sentimento de gratidão que, na iniciativa de alguém, se extravasa numa pública manifestação, por mais singela, ou pessoal, que seja essa demonstração. O modus vivendi que vai se institucionalizando entre os povos torna-se uma medida emergencial, enquanto os valores vão se perdendo, junto com ele os princípios e as indicações que norteiam a formação social. O afã em se recompor, em recuperar o tempo perdido, em reaver os prejuízos pecuniários distraem o homem numa ilusória sensação de estar como que velejando em águas tranqüilas, distanciando-se mais e mais de seu mundo real, de seu torrão surrealista, da identidade genética impressa na sua formação, em seus hábitos, nas suas idéias. Com isso, perdem-se, também, o conhecimento e o reconhecimento de sua cultura e dos promotores dela. “As relações entre as gerações alteraram-se de tal maneira que já não favorecem, como antes, a transmissão dos conhecimentos antigos e da sabedoria herdada dos antepassados”, destacou o Santo Padre Bento XVI numa de suas alocuções em recente viagem à África. Um abismo vai se abrindo, cada vez maior, entre as gerações, dificultando a compreensão de suas atitudes e de seu pensamento. Vai-se rompendo o elo que as une, e as referências vão se desaparecendo no oceano do esquecimento humano, por entre as brumas do passado. Há de chegar o dia em que o sol da fraternidade aqueça as relações enrijecidas dos homens, evapore a névoa da indiferença e traga à nitidez todo esse horizonte da história que tão facilmente se o deixa de contemplar.
A tragédia ocorrida no início da semana, quando o avião que fazia a linha Rio de Janeiro/Paris desapareceu, enlutou o coração de muitas famílias brasileiras, inclusive de Conselheiro Lafaiete. Entre os passageiros do funesto vôo 4478 da Air France, também estava Sua Alteza Imperial e Real Dom Pedro Luiz Maria José Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança, Príncipe do Brasil, Príncipe de Orleans e Bragança, quarto na sucessão dinástica ao Trono e Coroa do Brasil, presidente de honra da Juventude Monárquica. Os monarquistas receberam, consternados, a notícia do desaparecimento daquele em quem depositavam as esperanças de continuidade de liderança do movimento no Brasil, sucedendo a seus tios Dom Luiz de Orleans e Bragança, que neste sábado registra mais um natalício, Dom Bertrand, e a seu pai Dom Antônio Maria.
Dom Pedro Luiz contava com 26 anos de idade, tendo nascido no Rio de Janeiro, a 12/1/1983, primogênito de Dom Antônio Maria de Orleans e Bragança e de Dona Christine, princesa de Ligne. O jovem príncipe sempre se mostrou comprometido com a tradição da família e a responsabilidade que lhe competia enquanto sucessor dos direitos dinásticos. Durante a campanha para o plebiscito de 1993, ainda menino, esteve ao lado de seu amoroso pai, trabalhando pelo “esclarecimento” das massas sobre a realidade do sistema monárquico. Na modéstia da vida familiar – ao contrário do que boçais anarquistas propagam de fantasiosas regalias -, o Príncipe do Brasil foi educado dentro dos princípios do nacionalismo e da Santa Religião, que sempre nortearam a formação dos lídimos sucessores dos fundadores de nossa Pátria.
Em 1999, Dom Pedro Luiz foi aclamado presidente de honra da Juventude Monárquica do Brasil, possuidor que era das virtudes notáveis para aquela geração que buscava as mais acrisoladas referências de integridade e devotamento à causa. De presença discreta nas rodas sociais, mas sempre marcante pela sua inteligência e cultura, jamais se jactou de sua estirpe; ao contrário, tinha consciência de sua responsabilidade, tendo afirmado, certa vez: “A gente carrega esse fardo e precisa dar exemplo”. Graduado em Administração de Empresas pelo Ibmec do Rio de Janeiro, pós-graduado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas, acompanhava atentamente a economia brasileira, chegando a comentar, sem nenhum desafeto, sobre a política adotada pelo atual presidente da República, “por diminuir o fosso entre os brasileiros”; comentário desapegado de qualquer paixão, senão pelo bem-querer de seu povo.
O Príncipe do Brasil residia em Luxemburgo, onde trabalhava no renomado Banco Paribas, de grande prestígio na Europa, além de prestar consultoria financeira para algumas empresas. Vinha sendo reconhecido nas casas reais do Velho Mundo pela sua distinção, decorrente de uma sóbria galhardia e apurado senso crítico. Era, ainda, detentor da Grã-Cruz das Imperiais Ordens de Pedro Primeiro e da Rosa.
O seu desaparecimento deixa um sentimento de perda muito dorido para os movimentos monarquistas e admiradores da Família Imperial. Nada mais resta, senão rezar pelo conforto de seus idolatrados pais, Dom Antônio e Dona Christine, e pelo seu descanso eterno junto de Deus Nosso Senhor. Lembrando o célebre Padre Vieira, a quem tantas finezas deve a Dinastia de Bragança, “é verdade que morreu, mas por meio da morte eternizou a idade, melhorou a gentileza, canonizou a discrição” (Sermão nas exéquias de Dona Maria Ataíde, 1649, VII). Seu desaparecimento cristalizou o vigor de sua juventude, o viço de seu donaire, as virtudes que ornavam o seu caráter. “Não teve de que testar, porque todos os bens que possuía os levou consigo. A sabedoria e a virtude não se deixam em testamento, porque se levam: e nós todos a matar-nos, pelo que se há-de deixar!” (Sermão para as exéquias do sereníssimo Príncipe de Portugal Dom Teodósio, 1654, I).
Resquiescat in pace.
Envolve-nos uma aura de saudade e de devoção ao ressoar, desde os dias de nossa meninice, o canto alegre das crianças engalanadas para coroarem a Virgem Maria. É a piedade filial que se expressa dessa forma, numa antecipação do gozo eterno que se terá quando, enfim, participarmos das alegrias perenes na Pátria celeste. Finda nossa caminhada neste mundo, nos vestíbulos do santuário da bem-aventurança, certamente já identificaremos, evolando pelas planuras celestes, semelhante cântico que, outrora, nos antecipara àquele momento de graça e de esplendor. O mavioso entoar das meninas vai se figurando, melhor definido, nos sonhos de José do Egito, nas visões apocalípticas de São João. A cada ano, renova-se esse ritual que, não fossem os exageros tecnológicos que se vão lhe acrescentando, além de interesses outros que não sejam a mais sincera e ingênua manifestação de veneração à Virgem Maria, continuaria a ser a mais expressiva loa dos corações enlevados pela devoção. Ah, maio, em que tudo nos faz desejar a pureza dos pequenos e bendizer a Deus, “porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos” (Mt 11,25). Se no velho mundo o mês das flores foi dedicado a Nossa Senhora, pelo clima agradável e a natureza pululando vidas multicores pelos campos; os dias de outono abaixo dos trópicos nos atentam à frieza das atitudes humanas, tocadas pela decadência do pecado, incitando-nos a desejar, com mais convicção e sinceridade, o amor abrasador que impele até Deus. Perde-se pelos séculos a origem dessa delicada manifestação de carinho, a coroação da imagem da Virgem Santíssima, ilustrando as celebrações do Mês de Maria animadas pelos padres jesuítas, em especiais tratados editados ainda no século XVIII. Em Minas, esse costume salutar para a alma introduziu-o as Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, quando se estabeleceram nas alterosas em meados do século XIX. Desde então, revivem-se, a cada ano, as manifestações de filial devoção dos católicos fervorosos que, em sentimento, se unem às vozes pueris em súplica à Santa Mãe, no anelo de salvação:
“Céu de Maria, Lindo, estrelado... Deixa o meu cantinho Lá no céu guardado.”
Outrora, quando os meios de comunicação eram ineficientes e as investigações demoradas, quando não burladas, facilmente se disseminava uma calúnia. Assim aconteceu com os cavaleiros templários, alvo da ambição de Felipe IV da França, cognominado O Belo, que em 1307 conseguiu exterminar a Ordem e confiscar os seus bens, causando sofrimento a tantas pessoas que assistiram, atônitas, as atrocidades cometidas. Entre tantas acusações impetradas contra os monges-guerreiros, incitadas pelo monarca francês, estava a de idolatria a uma “cabeça com barba”. Recentemente, o L’Osservatore Romano publicou um interessante artigo da pesquisadora Barbara Frale, estudiosa do tão cobiçado Arquivo Secreto do Vaticano, em que ela conclui que a “cabeça com barba” venerada pelos templários nada mais era do que o Santo Sudário. Em “Os templários e o Sudário – Os documentos demonstram que o tecido lençol foi custodiado e venerado pelos cavaleiros da Ordem no século XIII”, a pesquisadora minuciosa discorre sobre a trajetória da instituição, ereta com a finalidade de custodiar os lugares santos. Na consultas dos documentos diversos, Frale encontrou no processo contra os templários a descrição do ingresso de Arnaut Sabbatier, em 1287, no grêmio dos templários. De acordo com o documento, Sabbatier teria sido conduzido a um local só acessível aos monges-soldados do Templo, onde lhe teria sido apresentado um lençol de linho com a figura de Nosso Senhor impressa. Obedecendo às disposições do cerimonial, ele teria osculado-o três vezes na altura dos pés. Esse lençol de linho Barbara Frale não duvida que fosse o Santo Sudário, inclusive baseando-se nos estudos de Ian Wilson, da Universidade de Oxford, especialista na sagrada relíquia. Wilson afirma que a relíquia teria desaparecido após o saque da capela dos imperadores de Bizâncio, em 1204, reaparecendo no espólio do templário Geoffroy de Charney, que foi queimado juntamente com o grão-mestre da Ordem, Jacques de Molay, por determinação de Felipe IV. Inúmeras calúnias foram promovidas e disseminadas para ignomínia dos Templários, inclusive fomentando a imaginação de tantas pessoas, construindo fábulas absurdas, antagônicas à realidade dos fatos, diferentes dos sinceros propósitos daqueles cavaleiros. Uma delas é o famigerado “O Código da Vinci”, cujo correr da pena de Dan Brown foi impulsionado pela ânsia de sensacionalismo, sem um sólido embasamento histórico, senão um cruzamento de suposições levianas, depondo contra a verdade dos fatos e a idoneidade das personagens reais e das instituições. O trabalho da professora Barbara Frale é digno de todos os encômios, pelo bem que proporciona à humanidade, desvendando o passado ofuscado não só pelas brumas do tempo, mas pela tirania de determinados governos que, à custa do sacrifício da honra e da verdade, manchou a si próprio com o sangue inocente dos bons, lançando ao vento as penas da difamação. Aliás, essa mesma pesquisadora, há poucos anos, foi quem encontrou o célebre Pergaminho de Chinon, por meio do qual o Papa Clemente V exonera de culpa os templários. Permita Deus, o trabalho da doutora Frale não seja apenas uma referência, mas um exemplo de dedicação, de seriedade e de comprometimento para com a história e com a verdade.
A exclamação de uma casta saudosa e esperançosa ainda ecoa pelas terras lusitanas: “El Rei voltará!” Já não mais uma indagação, mas a certeza de que um dia, quando estiverem ainda “a ver navios”, ei-lo que surgirá com toda a sua majestade e, até certo ponto, antagônica inocência. O jovem Rei que desaparecera na célebre Batalha de Alcácer Quibir, na África, protótipo de um monarca dotado das virtudes necessárias para esse múnus, passou ao olimpo da imortalidade por simplesmente ter desaparecido. Não se mostrara um grande líder - era jovem demais para fazê-lo. Mas, apenas a valentia de partir e ir lutar para maior glória de Deus, reforçada, quiçá, pelo testemunho daqueles que o rodearam, não foi o suficiente para transformá-lo em um mito, sobrevivendo, até hoje, no imaginário português, especificamente, desde os meados do segundo milênio; todo um prelúdio histórico e um instante oportuno possibilitaram, do desaparecimento de um rei, o surgimento de um mito. Esse episódio envolvendo religiosidade e patriotismo marca o surgimento de uma nova maneira de esperar, ou pelo menos a configura desta forma. A esperança que o povo português passa a alimentar a partir daquele verão de 1578 decorre não apenas do desaparecimento de um “rei querido”; mais que isso, fere-lhe o patriotismo, sucedendo-se uma crise dinástica que perdurou por cerca de seis décadas. E esse é o principal motivo que faz do rei menino um mito, associando-se à sua imagem uma ideologia messiânica que atravessa, de forma singular, a história de Portugal, desde o Século XVI, acreditando no advento iminente de um rei libertador. Aí, então, inaugura-se o “sebastianismo” que, além da fé no regresso de El Rei, é um conjunto de temas messiânicos sucessivamente reelaborados em contextos de crise e de indefinição política; aliás, usado também como arma, num avivamento dos valores nacionalistas do povo, baseando-se nas profecias do sapateiro de Bandarra, e reiterado nos sermões do Padre Vieira, no contexto das invasões e no miguelismo, em Antônio Pires Sardinha, Fernando Pessoa, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão, entre outros; enfim, no imaginário popular, onde o sebastianismo assumiu uma enorme importância, dando expressão a um desejo persistente de libertação da miséria e opressão quotidianas. A tragédia, o sofrimento e a esperança são que alimentam o sebastianismo há séculos; na angústia de um povo, a crença no porvir. Sem perder o controle da compreensão da mentalidade e da estrutura que sustentam esse mito, há de sempre buscar a influência que tal sentimento vem exercendo no sentimento de portugueses e, por legado, dos brasileiros em alguns estudos. Dom Sebastião apresenta-se como uma figura controversa, inspirando admiração e ódio ao mesmo tempo, diferentemente para cada pessoa, indo de messias a cretino, de salvador a demente, inspirando paixões e atiçando polêmicas. Isso, porque estudam-no enquanto homem, e não como um mito, pois é desta forma como ele se apresenta, tendo hoje se tornado um fenômeno social e elemento inerente da alma humana. Daí compreender-se-á por que, no âmago de cada um, desde aquele surto apocalíptico dos quinhentos, ainda suspira a esperança de que “El Rei voltará!”
Quase seiscentos anos após sua morte, só agora, para gáudio dos portugueses – e por que não também dos brasileiros –, foi canonizado o carmelita Nuno de Santa Maria (nascido Nuno Álvares Pereira – 1360-1431). Um dos grandes heróis lusitanos, Nuno Álvares, que recebeu o título de “Condestável do Reino” por Dom João I, o Mestre de Avis, apresenta-se desde a sua época aos homens de fé como exemplo de cristão exemplar e súdito fiel, defendendo sua religião e sua pátria, convicto de sua missão. Foi um militar destemido, mas, antes, um católico fervoroso que, tendo encerrada sua carreira, recolheu-se na vida religiosa e, nutrindo-se da espiritualidade carmelita, tornou-se exemplo de humildade, trabalhando na portaria do convento que mandara erigir em Lisboa e como esmoler, atendendo aos pobres; aliás, dizem que aí se iniciou a “sopa dos pobres”, que ele servia aos que batiam à porta pedindo-lhe um adjutório. O nacionalismo acendrado do bom povo português tende a cultuar o mais novo lusitano elevado à glória dos altares pelos seus feitos notáveis, como vencedor de grandes batalhas que garantiram a unidade do Reino, como a de Aljubarrota, cantada por Camões n’Os Lusíadas. Era o modesto Portugal enfrentando o brutal exército de Castela, contando mais com a coragem e a austeridade de seu comandante, Dom Nuno, do que com os recursos bélicos, tão primitivos ainda naquela época. Alguns de seus biógrafos, numa interpretação sobrenatural de sua vida, creditam essas vitórias à sua fé e ao mais puro desejo de assegurar a catolicidade de sua terra. Parecia antever as tristes divisões marcadas pelo Cisma do Ocidente, em que Castela, por interesses políticos, aliou-se ao anti-papa de Avinhão, enquanto Portugal manteve-se fiel ao Bispo de Roma. Mas é ao final de sua vida que empreende a mais terrível batalha, atento, certamente, à admonição de São Paulo: “não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares” (Ef 6,12). Preparou-se, então, com as armas espirituais, ou seja, a armadura da justiça, a espada do Espírito, o escudo da fé, a oração, a disponibilidade para anunciar o Evangelho na construção de um reino de paz, perseverante na prática do bem. Ao cerrar os olhos para este mundo, enquanto entregava sua alma inteiramente a Deus, traduzia-se seu necrológio em testemunho de uma vida ornada de virtudes, reconhecidas pelo Papa Bento XV, em 1918, quando o beatificou, e agora pelo papa Bento XVI, que o canonizou. A figura de São Nuno de Santa Maria propõe-nos a tomada de decisões desprendidas de quaisquer interesses, senão os de fazer o bem pelo amor de Deus. É desta forma que ele ainda se nos apresenta, de um caráter íntegro, de convicções coerentes, de atitudes santas, no recolhimento da cogula do devotamento e da humildade, aquecido pelo amor abrasado de Jesus, guiando-se pela luz do Evangelho. São Nuno de Santa Maria, rogai por nós!
Neste dia, 23 de abril, comemora-se o natalício do Professor Alberto Libânio Rodrigues (1953-2000). Passados nove anos desde o seu falecimento prematuro, no dia 13 de outubro, seu nome ainda permanece vivo no meio cultural de Conselheiro Lafaiete, sua terra natal que tanto amou, cultuou e a divulgou.
Por isso, neste dia, reverenciamos sua memória, em reconhecimento ao seu trabalho como jornalista e agente cultural, além de escritor, historiador e poeta, dotado de uma verve como poucos a possuíram. Ao mesmo tempo em que se mostrava condoreiro, seus textos eram claros e diretos, granjeando admiradores sinceros e desafetos incontidos. Mas com o bom humor e a sinceridade que lhe eram peculiares, Alberto Libânio vivia destemidamente com todos, fosse falando, fosse empunhando sua pena, aliás, temida por muitos.
Sua estréia na imprensa foi num momento em que ela ainda era manipulada, servil aos interesses do partidarismo político interiorano, como vinha acontecendo desde o limiar da República, nos últimos anos do século XIX. Este era o perfil do jornalismo em Conselheiro Lafaiete até a década de 70. Por cerca de 80 anos, a imprensa esteve quase sempre nas mãos dos líderes políticos, sob o comando de partidos distintos que lançavam mão dela para “doutrinar” seus eleitores.
No momento em que a cidade inicia uma nova fase, em todos os aspectos, tanto questões sociais e culturais, influenciada, talvez, ainda pelos influxos de revolução de conceitos em todos o mundo desde o pós-guerra, como questões sócio-econômicas, principalmente com o advento da siderurgia, a partir da implantação da Aços Minas Gerais, em Ouro Branco, nos anos 70, nesse momento a imprensa passa por uma reformulação. Os primeiros sinais desse revigoramento jornalístico – para não dizer implantação de um novo jornalismo na cidade – puderam ser sentidos em “O Processo” (1972-1978), mas a efetivação desse alvorecer de uma nova e importante fase da história da comunicação em Conselheiro Lafaiete deu-se com a criação do jornal “Panorama” (1978-1984).
A cidade teve o seu primeiro jornal em 1894. No entanto, desde essa época, as publicações sempre estiveram nas mãos de um determinado grupo político ou de alguém que se deixasse influenciar – de certa forma até ser manipulado –, fosse pela situação governista, fosse pela oposição. Dezenas de títulos já haviam encabeçado os semanários, quinzenários, até mensários, destinados a informar a população de Queluz e, posteriormente, de Conselheiro Lafaiete. Nenhum deles, entretanto, encorajara-se a enfrentar a política local, exercendo um jornalismo imparcial, ou menos tendencioso. E isso se deveu, e muito, a Alberto Libânio, com destaque para sua atuação no jornalismo.
O futuro de um filho de um alfaiate e de uma costureira, que teve uma infância difícil, principalmente após o pai ter sido acometido por um derrame; aluno relapso na escola, reprovado em algumas séries do antigo curso ginasial e concluindo os estudos secundários em exames supletivos talvez não fosse promissor, se se tentar traçar seu perfil intelectual a partir daí.
Alberto Libânio Rodrigues foi esse menino que nunca conquistou boa condição financeira. Mas se projetou de maneira significativa quando, após alguns fracassos, definiu “o que queria fazer da sua vida” e pôs-se a lutar pelos seus objetivos. O que fora uma iniciação profissional - mais uma forma de ajudar à mãe, então viúva, no sustento da casa, com parcos cruzeiros -, despertou o interesse do menino de apenas 12 anos de idade, quando entrou pela primeira vez numa gráfica de jornal, tendo seu primeiro contato com os tipos de chumbo, a tinta e o papel, até tomar gosto pela leitura das notícias. A partir desse contato despretensioso com a imprensa, despertou-lhe o interesse pelas artes gráficas, passando à redação, excursionando pela publicidade e marketing, até se firmar como jornalista destemido e atuante, considerado, hoje, um marco na história da imprensa em Conselheiro Lafaiete. Aliás, essa atuação verificou-se não apenas em sua cidade natal, mas também em outros municípios por onde passou, custando-lhe a tranqüilidade, uma melhor condição econômica e até amizades. Empedernido em suas concepções, não cedia às influências, menos ainda às pressões, e seguia determinado com seu propósito, sem se permitir o esmorecimento. “O grau de obsolescência da cabeça de muitas pessoas é, às vezes, maior que o Monte Sinai”, dizia Alberto Libânio.
Ele superou suas limitações, trabalhou incansável, reagiu contra sistemas políticos adotados em detrimento da liberdade de expressão e acabou se tornando uma referência para o jornalismo do interior. Aliás, foi nessa faina que participou da fundação da Associação dos Jornais do Interior de Minas Gerais (ADJORI-MG), em 1982, sob a orientação da Associação Brasileira de Jornais do Interior (ABRAJORI), exercendo o cargo de primeiro secretário em sua primeira diretoria.
O novo estilo que Alberto Libânio lançou na imprensa lafaietense, entre os anos de 1978 a 1984, tornou-se, pois, uma referência para os veículos de comunicação impressos que o sucederam na cidade, tanto a linha editorial, quanto os conceitos de empreendedorismo e de administração.
Mas seu talento não se conteve dentro de uma redação de jornal, apenas. Ele foi além, promoveu sua terra natal, idolatrada em seu célebre “Queluzíadas”, legado de patriotismo aos seus conterrâneos, profissão de fé numa terra que nasceu do idealismo, na abertura de novos caminhos que indicam o progresso. Como editor, promoveu o soerguimento e/ou aparecimento de muitas instituições e pessoas, entre literatos e pesquisadores. Seus estudos históricos e genealógicos o conduziram ao vetusto Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, onde ocupou a cadeira cujo patrono era o Cônego José Antônio Marinho. Na Academia Mineira de Trovas encontrou assento entre os magníficos trovadores do Estado e, em seu torrão natal, fundou a Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette, que o teve como presidente até o seu passamento. Era a realização de um antigo sonho, vislumbrado nos primórdios dos anos 80, de reunir os intelectuais lafaietenses num sodalício onde as aspirações comuns dos acadêmicos impulsionassem a cultura local.
E eis que seu sonho se realizou e perdura ainda hoje, pujante, empunhando o guião erguido por Alberto Libânio, cuja divisa bem define os nossos ideais: “Labore scriptisque ad immortalitatem”.
Homenagem da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette ao seu fundador.
Corações em prece se voltam à Cidade Eterna para saudar o Beatíssimo Padre Bento XVI. No dia 16 de abril, Sua Santidade completou 82 anos de vida, com muita disposição e aparente vitalidade, não obstante o jugo da idade e o fardo de seu ministério. No dia 19, comemora-se o quarto ano de seu pontificado. E é com veneração que o reverenciamos pela sua magnânima existência, dedicada a Nosso Senhor e à Sua Igreja. Ah! Quantas não terão sido as propostas que as circunstâncias em determinados momentos não ousaram tentar seduzi-lo? Quantos atrativos talvez, debalde, procuraram demovê-lo? Quantas armadilhas certamente lhe prepararam os asseclas de lúcifer para arrefecê-lo ao longo de sua peregrinação por este mundo? Em “A minha vida”, escrita no final do segundo milênio, o então Cardeal Joseph Ratzinger, testemunha essa experiência, que às vezes nos constrange - e que muito mais, no entanto, nos fortalece -, ao remeter-se à lenda de São Corbiniano. Conta-se que aquele santo bispo, indo para a Roma, teria sido surpreendido por um urso atacando o seu cavalo. O bispo teria subjugado o feroz animal, obrigando-o a levar o fardo que ia sobre o lombo do cavalo. “E também eu levei para lá tudo o que era meu, e de há vários anos a esta parte caminho com a minha missão e o seu peso pelas ruas da Cidade Eterna”, concluía o então Prefeito da Congregação Para a Doutrina da Fé. A figura do urso foi-lhe tão marcante que, ainda hoje, o Santo Padre o conserva em seu brasão pontifício. Bento XVI, por meio de seus escritos, homilias, discursos, alocuções, desde muito antes de chegar a Roma, ainda na sua saudosa Bavária, sempre ofereceu uma interpretação sobrenatural dos fatos e dos desígnios de Deus; a figura do urso é uma. Talvez, por isso, o Papa tenha relatado esse episódio do primeiro bispo daquela que foi sua sé episcopal. Ele se coloca na figura do urso e o fardo, o múnus episcopal com o qual chegou ao Limiar dos Apóstolos. Mas penso que o urso seriam as adversidades que nos ameaçam e às vezes nos atacam, contra quem lutamos durante nossa vida. O fardo é a doutrina que nos rege, é a graça que nos conduz pela via em busca da perfeição. São lições como esta que o Vigário de Cristo sempre apresenta para nossa reflexão, cousas do cotidiano, ou de fácil compreensão, para certificarmo-nos de que a santidade é um dom acessível por todos que a desejam e se dispõem a viver plenamente em união com Cristo. A eleição de Bento XVI há quatro anos surpreendeu a muitos, que ainda hoje têm em sua retina a imagem cativante de João Paulo II. Os epítetos de “Panzerkardinal” (Cardeal Blindado) e de “Grande Inquisidor”, que alguns injustamente lhe imputavam, devido à sua rígida ortodoxia dogmática, eram como que um entrave nos olhos daqueles que não queriam vê-lo como o vemos hoje: firme em seu Magistério, solícito em seu ministério, pai e pastor de todos aqueles que se deixam guiar pela sua cruz. Sua voz tranqüila, seu verbo preciso, sua presença austera revelam-nos a fonte onde hauri sua segurança: a oração. E na salmodia da Liturgia Diária, certamente, lhe consola o salmista: “Estarei sempre convosco, porque vós me tomastes pela mão. Vossos desígnios me conduzirão, e, por fim, na glória me acolhereis” (Sl 73, 23-24), suplicando-nos, ainda: “Rezai por mim, para que eu não fuja, por receio, diante dos lobos” (Homilia na Missa da Entronização, 24/04/2005). Ad multos annos, beatissime Pater!
Prorrompe dos cantos litúrgicos o “Aleluia”, anunciando que o Cristo ressuscitou verdadeiramente. É a explosão de uma alegria intensa diante de um acontecimento feliz, aguardado pelo povo de Israel, predito pelos profetas, sobrepondo-se a toda expectativa. “Louvai o Senhor!” é a expressão literal dessa interjeição que se seguirá a toda oração nas próximas semanas, na Igreja Católica, quando se constata efetivamente a conclusão do centurião diante da Cruz: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!” (Mt 27,54). É o legado daqueles que primeiro acreditaram em Deus, dirigindo-se a Ele dessa forma, agradecendo a providência especial que o protegeu nos momentos difíceis de sua existência.
O “Aleluia” remete-nos à libertação dos israelitas, agrilhoados no Egito, sem Pátria e sem altar, vítimas da tirania dos faraós, quando Deus ouviu o clamor desse povo e lembrou-se de Sua aliança (Ex 6,5). A celebração daquela primeira páscoa, a passagem do exílio à libertação, prefigurava, desde então, a passagem da morte para a vida. O sangue do cordeiro imolado assegurou a vida àquele povo sofredor. O sangue do verdadeiro Cordeiro, imolado na cruz, resgatou a humanidade cativa pelo pecado, restituindo-lhes a graça da vida eterna. “O Senhor é o herói dos combates (...), lançou no mar os carros do faraó e o seu exército” (Ex 15,3-4). O canto de Moisés era a expressão da alegria de toda aquela gente.
O “Aleluia” que se anuncia pelos cânticos alegres, pelo repicar dos sinos, é a manifestação da humanidade que vive na liberdade da graça de Deus, livre dos grilhões do pecado. É uma parcela do sentimento que São João anteviu desde Patmos, ao contemplar a Jerusalém celeste, ao ouvir os eleitos num só coro: “Aleluia! A nosso Deus, a salvação, a glória, e o poder, porque os seus juízos são verdadeiros e justos” (Apoc 19,1-2).
Cristo venceu a morte e os tormentos da Cruz. Ele vive, verdadeiramente. “Em virtude da Cruz, difundiu-se a alegria no mundo todo”, reza a Igreja na liturgia da Sexta-feira Santa. Essa alegria se renova todos os dias, a cada vez que o sacrifício incruento da Cruz se repete, anunciando o triunfo de Nosso Senhor Jesus Cristo, reunindo toda a grei num só canto de ação de graças: “Aleluia! Aleluia! Aleluia!”. Alegria que deve ser haurida em toda a sua plenitude, pois esse sentimento brota do mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Que benefício maior o homem poderia obter de Deus, senão a sua redenção?
“Aleluia!” é a expressão que se prorrompe dos corações fiéis, que louvam a Deus pela Sua misericórdia. “Aleluia!” é o sentimento que se esvai dos corações generosos, que buscam, por meio da caridade, da fraternidade, da entrega irrestrita a Deus, partilhar esse gáudio que nos toma pela graça de que um dia poderemos contemplar o Senhor face a face (Sl 41,3). “Aleluia! O Senhor ressuscitou verdadeiramente!"
Desde que iniciou o seu pontificado, há quase quatro anos, o Papa Bento XVI tem sido alvo de críticas decorrentes de uma aparente proposital má interpretação de suas palavras. Alguns vaticanistas atribuem esses equívocos a uma inoperância da assessoria de imprensa da Santa Sé; outros, a mais uma investida de anticlericais endemoninhados, o que em determinadas épocas acontece desde os tempos apostólicos. As palavras de Bento XVI, no entanto, não revelam nenhuma novidade. O que ele diz é o que a Igreja sempre ensinou; ele reafirma apenas o que vinha sendo esquecido em meio à confusão de um mundo conturbado por um progresso desordenado em todos os sentidos, que vai se paganizando, a ponto de influenciar uma secularização dos meios religiosos. A voz que se ecoa desde a colina vaticana é o Magistério Petrino apontando para todo o orbe as sendas da salvação. Impossível buscar atribuir a essa firmeza do ensinamento dogmático uma outra finalidade, senão a de nos resguardar da perdição do mundo, da carne e do demônio. Que outro interesse teria o Santo Padre em incitar todo o mundo a uma elevação espiritual, aspirando as cousas do alto, como nos exorta São Paulo: “Afeiçoai-vos às coisas lá de cima, e não às da terra” (Col 3,2)? E é no versículo seguinte dessa epístola que o Apóstolo nos lembra que estamos mortos, “e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus”; mortos para este mundo, livres em Deus – “inter mortuos liber”. O mundo, porém, não mais consegue ouvir o ensinamento da Igreja, ou melhor, não mais o quer ouvir. O comodismo, os atrativos, a irresponsabilidade são mais condizentes com o hedonismo, professado por todos aqueles que, pela sua ideologia, pelo seu posicionamento político, pela imoralidade, pela falta de caridade, por mera desfaçatez, intentam contra o Corpo Místico de Cristo. Causa-me estranheza quando se levantam contra a Igreja, mais especificamente contra o Santo Padre, como que lhe cobrando uma retratação. Ora, não se cobram explicações, senão quando se deseja uma compreensão clara, movida pelo anseio de aprender, de assimilar, de professar. Como podem os muçulmanos ouvirem o Papa, se não o reconhecem como Vigário de Cristo? Com que direito os judeus cobram explicações da Igreja, se “a Luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a Luz, pois as suas obras eram más” (Jo 3,19)? Como se levantarão os ociosos morais e buscarão a emenda, se preferem a satisfação que o mundo lhes oferece? Jesus diz a Nicodemos que “quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado” (Jo 3,18). A voz do Papa é tão simplesmente a reafirmação da doutrina cristã. “Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3,17). Sim! Seja salvo por Ele, pelo seu ensinamento, pelo seu sacrifício, “para dar testemunho da verdade”. Esse mundo que hostiliza o Cristo é o mesmo que, desde a Criação, intenta contra o homem, flagela a humanidade contra a sua dignidade, atraindo sempre mais asseclas, reunidos hoje em movimentos, instituições, ongs, seitas religiosas, grupos ideológicos, enfim todos aqueles que, surdos diante do Magistério da Igreja, cegos diante da Cruz, preferem, talvez, ser contados entre aqueles que já foram condenados: “Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos” (Mt 25,41).
Costuma-se ouvir: “No meu tempo as cousas eram diferentes!” Exclamação comum em diversas ocasiões. Não precisa ser do tempo do Onça para se notar as nuanças no trato, nos modos e na moda. Se por séculos as boas maneiras foram por muitos bem assimiladas e repassadas de pai para filho, nas últimas décadas essa capacidade pouco se a admite nas relações familiares, diretamente entre os varões e seus rebentos buliçosos, que logo querem se desprender da rama para, onde caírem, tentarem se enraizar e ter vida própria. Mais uma vez, deparamo-nos com o anseio por liberdade. O homem foi criado livre, é livre, mas não contenta com essa liberdade; quer sempre mais.
As crianças de hoje são bastante diferentes das de antanho. Talvez pelo excesso de informação que absorvem dos meios de comunicação, elas se intrometem nas palestras, sem nenhum pudor, nem temor de repreensão. Os temas preferidos são aqueles que, até há pouco, era “conversa de gente grande”. Esses são geralmente as mais observadas, ainda quando se trata da vida alheia, de futilidades mundanas, gostos e desgostos pessoais, enfim, nada mais profundo. Lamenta-se isso, pois ocupam-se com cousas pouco ou nada edificantes em detrimento da infância e da adolescência, quando o mundo vai se abrindo lentamente, num despertar rosicler da inocência encantada, delineando a realidade da existência nos vestíbulos da maturidade.
Aliás, exemplo de uma aparente maturidade precoce são os telefones móveis (celulares). A vontade de ter um é tamanha que até as fábricas de brinquedos já lançaram modelos que apitam, tocam músicas, fluorescentes, só não comunicam, motivo pelo qual não atrairam tanto os pequenos. Eles querem os aparelhos de ponta, que fotografam, filmam, armazenam, acessam e-mails e outros recursos tantos, além de sua finalidade primeira, que é falar com uma outra pessoa à distância. O que parece uma brincadeira ou um capricho pueril pode se tornar um risco medonho. Daí a importância dos pais reverem seus “métodos” para educar os filhos, sem tantos mimos, menos ainda condescendências inconvenientes aos jovens. Cada cousa a seu tempo.
Pode parecer uma objeção deste articulista à psicologia moderna. No entanto, é apenas um comentário sobre algo corriqueiro que se tem consentido às crianças e aos jovens, sem vislumbrar as conseqüências perniciosas, além de alguns benefícios. Antes de consentir as vontades deve-se dedicar à educação, formação e orientação dos pequenos e dos adolescentes sobre os cuidados necessários, sem ameaças fantasmagóricas, simplesmente atentando-os para a realidade em que se vive, seja ela social, cultural ou econômica. É apenas um modo de preparar melhor os filhos para o mundo que se move ao sabor da corrupção dos valores e dos avanços tecnológicos.
Como nos anos anteriores, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apresentou um tema muito atual como proposta de reflexão na Campanha da Fraternidade deste ano, durante a celebração litúrgica da Quaresma. Para se contrapor a uma realidade medonha e sem perspectiva, Isaías clama desde os tempos bíblicos que “a paz é fruto da justiça” (Is 32,17). Contrapõe-se, sim, pois o estado de segurança, sob todos os aspectos, já não é possível ser assimilado em sua lata abrangência. O estado de segurança já não se o vive, mas sim de insegurança na família, na sociedade, até nas convicções que se tornam tíbias e sem fundamento. Quando se depara com o tema da Campanha – “Fraternidade e Segurança Pública” –, é possível que poucos, poucos mesmo, entendam todo o contexto em que se insere o objeto dessa reflexão. A segurança pública é muito mais do que uma instituição responsável por manter a ordem na sociedade. A segurança pública é algo que se começa a trabalhar em casa, no seio da família, numa convivência sadia, sem nenhuma forma de agressão verbal, nem física, devendo os pais assegurar um ambiente tranqüilo e edificante. A escola, por sua vez, seria uma colaboração preciosa nesse processo de formação e de conscientização fraterna e solidária. Assim, disseminar-se-iam os sólidos princípios e inconfundíveis conceitos que asseguram o discernimento comum dos lídimos valores em que se funda a civilização cristã. Mesmo parecendo uma utopia, nada custa-nos trabalhar – não sonhar – para que essa sociedade perfeita um dia se efetive. Na atual circunstância, não se conquistará a paz imediatamente. Será um longo processo, porém é mister que se o inicie. Uma aparente estabilidade imposta à força de armas ou de intimidação diplomática não é um estado de paz. “O fruto da justiça é semeado em paz por aqueles que praticam a paz” (Tg 3,18), portanto, devem os governantes assegurá-la, dando condições de uma vida digna, com toda a assistência necessária para população, abrindo-lhes possibilidade de crescimento em todos os segmentos. Orientados sobre os perigos que corrompem a harmonia social, reflexo de um bem-estar pessoal que se repercutirá por todo o ser, influenciando uns aos outros, exalar-se-ão os sentimentos de amor inspirados pela graça, desenvolvendo a prática do perdão e da misericórdia. Como tem alertado o papa Bento XVI insistentemente, somente uma humanidade em que reine a civilização do amor poderá gozar duma paz autêntica e duradoura. Portanto, cabe a cada um começar fazendo a sua parte, dominando seus instintos, orientando-se de acordo com os sólidos princípios cristãos, na solidariedade, no combate a tudo aquilo que corrompe o homem e o mundo. Aí, sim, estaremos avançando a passos largos rumo a um estado em que a paz deixará de ser inalcançável, mas sazonado fruto da justiça.
A ignorância das massas e o açoite despropositado da mídia conseguiram inverter os valores na polêmica sobre o aborto a que se submeteu uma menina de nove anos, em Pernambuco. Neste caso, apenas, é possível avaliar o nível de formação da população, indistintamente. Não importa, nesta observação, a classe social, o grau de instrução, muito menos a religião que se professa. Como que nas previsões apocalípticas, o mundo todo se revolve confuso e o certo passa a ser considerado errado e o detestável torna-se preferência comum.
Na beligerância que levantam as hostes desumanas, movidas por um execrável anticlericalismo, lançam mão de todas as armas para corromper a civilização cristã, promovendo a destruição do homem. Esse intento diabólico persegue aquele que foi criado à imagem e semelhança de Deus desde a criação, conforme narram as Sagradas Escrituras, com a queda pelo pecado original. Influências malignas sobre o livre arbítrio, dominando os instintos do homem, logram êxito sobre os tíbios, instigam os maus, sacrificam os inocentes, martirizando a graça constantemente concedida e pouco sentida.
A vida é muito mais que um organismo em harmonioso funcionamento; é graça, é missão, é o testemunho da existência de Deus, mavioso canto que exalta a obra da criação. Por isso buscam-se maneiras mil para corrompê-la, seja por meio de teorias confusas com argumentos imprecisos, no desrespeito à dignidade humana, na agressão física, na apologia ao aborto e à eutanásia (agora com a nova denominação de “suicídio assistido” nos Estados Unidos), enfim, todas as formas que violam o direito de existir.
No caso em epígrafe, causa-nos espécie concluir que a imbecilidade das pessoas é que as leva a se escandalizarem com o fato de não se ter aplicado [sic] as sanções da Igreja ao acusado do crime e tê-lo feito àqueles que consideram ter protegido [sic] a vítima. Ora, o hediondo ato per si já se condena; a aplicação da sanção foi, além de uma ratificação do público delito, a confirmação do posicionamento da Igreja Católica com relação à defesa da vida.
Não nos propusemos, nestas linhas, explicar, muito menos justificar, a atitude do Senhor Arcebispo de Olinda-Recife. Sua medida, endossada pela Santa Sé, e suas declarações já o fizeram claramente. “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mc 4,9) e que se posicione com as armaduras da fé e do temor de Deus, confiante na Sua proteção, para o grande combate contra todas as formas de violência que procuram atingir o homem, privando-o da graça e do dom da vida.
Enquanto me informo por meio do noticiário que na Cidade Eterna uma Conferência Internacional discute a “Evolução Biológica: Fatos e Teorias”, num estudo crítico sobre “A origem das espécies” de Darwin, 150 após sua publicação, entrego-me a devaneios sobre o mundo e o progresso célere que nos assusta a cada vez que acessamos um meio de comunicação. De repente, deparamo-nos até com uma nova interpretação de alguns membros da Igreja, buscando correlacionar a teoria do criacionismo (Deus, criador de todas as cousas, inclusive do homem) com a teoria do evolucionismo (uma mutabilidade progressiva das espécies, por meio da qual teria “surgido” o homem). Não pretendo nestas poucas linhas tratar desse complexo tema; ele apenas foi motivo para que eu me entregasse, repentinamente, à percepção de um mundo que está se evoluindo assustadoramente. Ao mesmo tempo em que nos escandalizamos com algo, maravilhamo-nos por outro, num misto de escândalo e fascínio a confundir-nos, como se reportássemos à infância e a tudo nos entregássemos atentos e crentes. Talvez seja nostalgia de um tempo que passou sem que percebêssemos e agora sentimos seus reflexos no momento em que, parece-nos, não conseguimos acompanhar a evolução do mundo. Treinados a um modo de vida plasmado dentro de concepções conservadores, por vezes retrógradas e obsoletas, um temor incontido nos sobressalta com o novo, ainda que distante, inalcançável, além dos nossos sentimentos, célere e multiplicador, manipulado pelas hipóteses científicas e coordenado pela precisão tecnológica. Enquanto observamos, estáticos, sua capacidade múltipla de articulação, delineia-se um monstro devorador ameaçando-nos. Pavor maior, quiçá, seja imaginá-lo solto por esse mundo, sem conseguirmos controlá-lo. Nesse instante lembramos, então, que pode ser mais uma sinalização da possibilidade de uma criação divina que permite a evolução e a controla a seu modo e sapiência. Sentimo-nos ínfimos grãos de areia na imensidão do universo, presos a um tempo que se bate contra a eternidade, assim como, certamente, muito do que nos assusta também o seja... É quando se nos vislumbra, enfim, uma possibilidade de elevação e, sob um olhar sobrenatural, impulsiona-nos uma necessidade premente de buscar os valores espirituais. Passado e presente de repente se fundem, dissipam-se os fantasmas, evaporam-se os monstros, clareia-se o que era uma escuridão de dúvidas. Arriscamos dar passos mais seguros, avançamos na história, na confiança daquele que tudo pode e que nos fortalece. A propósito, vem-nos à mente singela quadrinha de Mário Quintana:
Quantas vezes a gente, em busca da ventura, Procede tal e qual o avozinho infeliz: Em vão, por toda parte, os óculos procura Tendo-os na ponta do nariz!
Há muito o carnaval no Brasil perdeu o sentido de entretenimento apenas. Ainda que as origens dessa comemoração sejam pagãs, posteriormente convertidas em uma espécie de “despedida” dos folguedos para se iniciar o tempo de penitência, por um período foi de muita brincadeira e alegria por aqui. Hoje, porém, a licenciosidade impera no reinado de Momo.
Para incentivar mais ainda a promiscuidade no carnaval, se não bastassem as letras insinuantes das músicas e a nudez explorada sob todos os aspectos, o governo contribui de forma eficaz. O tema pode estar saturado, mas deve-se sempre retomá-lo, por constituir-se uma apologia à libertinagem as campanhas que propõem um “prazer seguro”. Isso é um escárnio a uma sociedade que pensara ser formada em princípios morais e religiosos sólidos; entretanto, os ingênuos e oportunistas, quando não dissolutos, cedem ao canto da sereia que os atrai aos escolhos, enquanto se permitem às vagas dos pensamentos corrompidos e das pretensões impuras.
Nessa campanha não se perde nenhuma oportunidade. Em todas as ocasiões e pelos meios de comunicação o escândalo promovido é mais repugnante ainda, colocando crianças e adolescentes à mercê dos insensatos, promotores de uma ilusão barata, de uma confusão, misturando os conceitos que definem a educação sexual, da sexualidade, da afetividade, noutras dimensões além de uma mera informação. Percebe-se que não compreendem que educar, na verdade, é ajudar a crescer, a discernir e a escolher, a respeitar e a comunicar. A campanha de educação sexual que se tem assistido por aí parece andar, para muita gente, unida à convicção de que a atividade sexual não tem limites e é um direito para quem assim o quiser, seja adolescente, jovem ou adulto. Por isso, defende-se a distribuição de preservativos durantes carnaval a todos, inclusive aos adolescentes e jovens, que se enfileiram nesse "cordão" da licenciosidade.
A sexualidade é uma força e um dinamismo de vida que não se esgota na relação sexual, mas se exprime numa relação pessoal alargada e enriquecida de mil maneiras, que traduzem em doação, respeito e ajuda mútua. A atividade sexual, a qualquer nível, é sempre humana e humanizadora, por isso não se pode separar da afetividade. Nunca se fará educação sexual apenas informando ou somando saberes diversos; muito menos essas campanhas surtirão algum efeito nesse sentido, ao possibilitarem a desordem dos sentidos. O verdadeiro processo de educação visa a realização de um projeto de crescimento e de fidelidade, cada vez mais necessário e urgente, requerendo atenção e competência. Que estejam todos atentos.
Assistimos, em nossos dias, a uma confusão de idéias e de valores como jamais se viu. Uns atribuem esse fenômeno ao imediatismo da comunicação, outros à liberdade de expressão, dando a cada um o direito de falar o que quer e o que pensa. Realmente, ambas são responsáveis por essa catástrofe. O imediatismo da comunicação é deveras eficiente, tanto que o tempo parece-nos mais veloz; os dias passam como um suspiro e os anos se vão a um leve aceno. A liberdade de expressão é um direito natural, porém quando se sabe expressar e o faz com prudência. Hoje, no entanto, somos obrigados a escutar as levianas colocações e proposições dos boçais que se postam nas tribunas e nas esquinas, a berrar uma miríade de asneiras, sem nenhum nexo no raciocínio ou capacidade de argumentação, desfilando pela imprensa, televisão e, pior, pela internete. A falta de discernimento do conhecimento é o maior responsável por essa tragédia. O ensino está acessível a uma grande parte da sociedade; já não é privilégio de determinada classe. Isso não basta. O sistema educacional deve ser eficiente e adequado à capacidade daqueles a que se destina. Os estudantes, os universitários, precisam ser estimulados a se aprofundarem nos estudos. É inadmissível a omissão dos órgãos competentes, a indiferença de instituições de ensino preocupadas mais com o rentável empreendimento, a irresponsabilidade dos pais em não impor limites aos filhos e exigir-lhes maior aproveitamento nos estudos. O resultado vemos por aí: profissionais incompetentes, pessoas de conceitos levianos, incapazes de raciocinar, de argumentar, de defender sua opinião com um sólido pensamento. O resultado disso observa-se na confusão de idéias, na falta de princípios, responsáveis pela corrupção dos valores e das instituições. O resultado disso constata-se na lividez das propostas, ora supérfluas, ora absurdas, com pouca, ou nenhuma, consistência, capaz de corresponder à necessidade do que se propõe ou à expectativa de quem a anseia. O resultado disso é a instabilidade dos momentos, a frivolidade dos anseios, a oscilação da opinião ao balouçar do vento. Uma grave crise grassa a humanidade, a crise social, que atinge todos os meios de formação do homem, ou seja, a família, a escola, o local de trabalho, inclusive os meios de convivência social. Um mundo de valores efêmeros consome um outro, de uma convicta ortodoxia, de princípios sólidos e valores inabaláveis que, por ser firme como um carvalho, tomba sob o temporal de opções e de contradições, de interesses e preconceitos, aliciando o amor-próprio por meio das tibiezas morais. Dessa forma, sobre a ignorância de tantos, edifica-se um novo mundo, mais alheio e distante dos veros sentidos, essenciais para o resgate dos lídimos valores que restaurarão a dignidade do homem e a sua capacidade de pensar.
Desde há muito, tenho evitado comentar os desenlaces acerca da aproximação da Fraternidade Sacerdotal São Pio X e a Santa Sé. Essa omissão deve-se ao fato de não me permitir nenhum juízo confuso, até mesmo por tê-la conhecido bem proximamente, nem tampouco fazê-lo de forma temerária. Deus louvado, o Decreto pontifício divulgado em 21 de janeiro, em que suspende a excomunhão dos bispos sagrados por Dom Marcel Lefebvre, em 1988, é um passo significativo e de grande importância para que as tratativas possam avançar de forma mais fraterna, inter pares.
Mas, no auge das comemorações, surge a figura de Dom Richard Williamson, um dos bispos beneficiados com o Decreto. O que teria sido uma entrevista sem muita abrangência para um canal de televisão sueco acabou se tornando um barril de pólvora. O prelado, ao comentar sobre o holocausto dos judeus na Segunda Grande Guerra, teria contestado o número de vítimas que geralmente é divulgado. A propósito, esse comentário mal explicado não é a primeira que se o ouve. Porém, sempre que o fazem reportam-se ao holocausto promovido pelo regime comunista no leste europeu e, mais recente, pelas guerras no Oriente Médio.
A declaração de Dom Williamson, contudo, veio à tona simplesmente por causa da redenção oferecida pelo Santo Padre. Caso contrário, ela teria passado de forma despercebida; basta observar que, salvo engano, ela foi gravada em setembro de 2008.
A celeuma provocada por sua opinião pessoal acabou refletindo sobre a Fraternidade, à qual pertence, no momento em que se consegue romper uma barreira que dificultava o diálogo com Roma. Pior ainda, aqueles que se opõem a essa aproximação dos considerados “tradicionalistas” (aliás, denominação um pouco equivocada, se levar em conta a definição correta de “tradição” e, mais ainda, sua correlação com o Magistério da Igreja), os opositores desse diálogo lançaram mão da figura de Dom Williamson como um protótipo de toda a Fraternidade.
O bispo já se retratou, inclusive escreveu ao Secretário de Estado, Cardeal Tarcisio Bertone, desculpando-se pelo infeliz comentário e lamentando-se pelo sofrimento acarretado ao Beatíssimo Padre. Deve-se observar, todavia, que o comentário de Dom Williamson não foi simplesmente leviano. Na entrevista falava-se sobre diversos temas, como política mundial, sociedade contemporânea, enfim, impressões sobre o mundo moderno. Pelo que li de sua entrevista, o comentário não foi de uma tonalidade anti-semítica; uma observação apenas sobre contrastes de tratamento que se dá a assuntos específicos, unicamente por interesses políticos.
Diz o ditado que “há males que vêm para o bem”; esse também talvez seja mais um. Com isso, todos os envolvidos nesse caso devem se posicionar e assumir um posicionamento claro. O superior geral da Fraternidade, Dom Bernard Fellay, mostrou-se disposto ao diálogo e, humildemente, suplicou ao Santo Padre a remissão das penas que o Decreto de 1º de julho de 1988 lhes impusera, a ele e aos demais bispos, Dom Bernard Tissier, Dom Alfonso de Galaretta e Dom Richard Williamson. Mais ainda, o superior já deu mostras que não permitirá divisões entre os seus.
A divergência de opiniões no seio da Fraternidade, doravante, será benéfica. Desta forma, separar-se-á o joio do trigo e se conhecerá quem está disposto a ficar cum Petro, sub Petro.
No início do ano letivo, o departamento em que trabalho, numa instituição de ensino, mandou confeccionar uma faixa de boas-vindas aos alunos. Uma simples frase causou dúvidas e transtorno. Como se escreve, após a reforma ortográfica: bem-vindo ou benvindo? De acordo com as regras do hífen, que são as mais complexas e variáveis da reforma, passar-se-ia a grafar “benvindo”. Desta forma, então, foi confeccionada a faixa. Posta em lugar adrede, a inscrição causou espécie: “Acadêmicos, sejam benvindos!”. No departamento, logo começaram as inquirições sobre a inscrição. Uma professora de português foi consultada e acusou o erro também. No entanto, a regra não é clara quanto a isso. Assim, buscamos esclarecimento à Academia Brasileira de Letras, responsável pela língua pátria. Qual não foi nossa surpresa, quando recebemos a seguinte resposta: “Pelo novo acordo, o prefixo bem só não terá hífen se o segundo elemento for um derivado de fazer ou querer: benfeito (a), benfeitor, benfazejo, benfeitoria, benquerer, benquisto, benquerença etc. O advérbio bem é usado com hífen em todos os outros casos: bem-administrada, bem-elaborada, bem-estar, bem-criado, bem-falante, bem-ditoso, bem-aventurado, bem-humorado, bem-vindo(s), bem-te-vi, bem-sinalizado, bem-sucedido, bem-nascido etc.” Realmente, a inscrição estava errada. Razão disso, a controvertida reforma ortográfica, especificamente acerca do uso do hífen. A resposta dada pela ABL não consta em nenhum manual que, até o momento, encontra-se disponível. Pelo visto, assim como a legislação brasileira, a reforma terá exceções surpreendentes, contradizendo umas às outras. Ademais, o acadêmico Evanildo Bechara, considerado maior entendido da reforma já adiantou: “É claro que a interpretação que fiz está sujeita a erros. Só não erra quem não faz”. Pelos próximos anos, certamente, muitas dúvidas nos abordarão. Consola-nos o fato de, no Brasil, a assimilação da reforma ser mais fácil do que nos outros países. O motivo são as reformas anteriores que tivemos, e que foram, de certa forma, suavizando o impacto que causará em Portugal, onde a última reforma ortográfica aconteceu no limiar da República, em 1911. Aliás, naquela época, os lusitanos ultrapassavam os brasileiros com uma revisão da língua que só conseguimos superá-la cerca de trinta anos depois. Por ora, resta-nos irmos adaptando, acostumando e aprendendo mais com os deslizes ortográficos.