quinta-feira, junho 12, 2008

Quo usque tandem?

Era o ano 63 a.C.. Lúcio Sérgio Catilina, perdendo-se em desvarios, ambicionando o poder, retira-se de Roma para, junto de seu exército subversivo, preparar o ataque contra o governo da República. Ele se corroia em amargura, ferido pela verve de Marco Túlio Cícero que, no Senado, proferira a célebre série de discursos que se perpetuaram na literatura clássica como as Catilinárias. Relendo-os, desejei dividir com os prezados leitores alguns excertos dessa que é considerada uma mais belas páginas da literatura latina. A tradução é de Sebastião Tavares de Pinho, Edições 70, Lisboa, 1989.

Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? - Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?

Ó tempos, ó costumes! (...) Que há, pois, ó Catilina, que ainda agora possas esperar, se nem a noite com suas trevas pode manter ocultos os teus criminosos conluios, nem uma casa particular pode conter, com suas paredes, os segredos da tua conspiração, se tudo vem à luz do dia, se tudo irrompe em público? É tempo, acredita-me, de mudares essas disposições; desiste das chacinas e dos incêndios. Estás apanhado por todos os lados. Todos os teus planos são para nós mais claros que a luz do dia... (...)

Sendo assim, prossegue, Catilina, o caminho encetado; sai da cidade de uma vez para sempre; as portas estão abertas; põe-te a caminho. Há muito que te reclamam como general supremo esses teus acampamentos manlianos. Leva também contigo todos os teus; se não todos, pelo menos o maior número possível. Limpa a cidade. (...) Grande deverá ser o nosso reconhecimento para com os deuses imortais, particularmente para com o próprio Júpiter Estator aqui presente, o mais antigo protetor desta cidade, por tantas vezes termos escapado a esta peste tão abominável, tão horrorosa e tão hostil à República. Nunca mais a suprema segurança do Estado deve ser posta em perigo por causa de um homem apenas. (...)

Mas de que servem as minhas palavras? A ti, como pode alguma coisa fazer-te dobrar? Tu, como poderás algum dia corrigir-te? Tu, como tentarás planear alguma fuga? Tu, como podes pensar nalgum exílio? Oxalá os deuses imortais te inspirassem tal propósito, muito embora eu veja que, se tu, apavorado com as minhas palavras, te decidires a partir para o exílio, uma enorme tempestade de ódios ameaça desabar sobre nós, se não no tempo presente, por causa da fresca lembrança...”

Ó tempora, ó mores!

quarta-feira, junho 04, 2008

Más influências

Ainda correm pelos meios universitários, com prévia preparação nas salas dos ensinos fundamental e médio, as más influências marxistas que, não obstante já se terem-na comprovado, embora sedutoras pelo caráter social, perniciosas e frustradas na prática. Os centros acadêmicos especializados em Ciências Humanas são os mais propensos a se lhes enamorar, justamente pela ilusória solução do que consideram ser o “problema” de nossos dias. Com a pressão do capitalismo, incontrolável sobre os países denominados do terceiro mundo, a panacéia social que desgraçou o leste europeu por mais de meio século, entravou o desenvolvimento social dos cubanos e ainda é um flagelo na China, há quem acredite serem Karl Marx e Engels os redentores.

Enquanto se atêm simplesmente à base econômica, os resistentes comunistas tornam-se mais calculistas que os apologistas do capitalismo, interessados tão somente na produção; acreditam que a partir daí os outros aspectos da vida estariam solucionados. Lamentavelmente, sobre esse mesmo prisma os partidos políticos pautam seus planos de governo. É possível que não haja, hoje, no Brasil uma sigla sequer que não tenha se influenciado por essas teorias esquerdistas. O que poderia se deduzir como sendo decorrente da eficiência do projeto, nada mais é do que a ambição a lhes inflama o âmago, é o querer mais, é a soberba de quem não é capaz de se auto-gerir e quer se meter a liderar os asseclas de sua mesma crença.

O sucesso desse intento só se conseguirá de uma forma: manipulando as gerações vindouras. Por isso, tornam-se os centros acadêmicos campo fértil para se disseminar tão pernicioso pensamento, instigando, como sempre, a chamada luta de classes, promovendo o avivamento de um ódio entre pobres e ricos, ainda se lhes referindo como proletários e burgueses. Repugnante a forma de antojo com que muitos lentes ainda tentam moldar a mente dos jovens estudantes, sem se lhes descrever com clareza todo o contexto do momento histórico. O que foi uma ameaça na primeira metade do século XX, tomou impulso nos anos 60 e triunfou-se na última década da centúria passada, com sua disfarçada ascensão ao poder.

Penso que, de imediato, nada possa ser feito, senão as instituições que ainda se preservam desse mal continuem quais atalaias imbatíveis nessa mixórdia ideológica e até comportamental a que assistimos, enquanto facínoras e apedeutas confundem os bons, alguns conseguindo se adiantar às massas para conduzi-las, certamente, ao abismo do materialismo e/ou do niilismo. Como já se sucedeu noutras épocas, há-de chegar o momento em que, perdidos no vazio desse mundo sem Deus, busquem os bastiões que resguardam os princípios necessários para a restauração da sociedade, reconduzindo a humanidade pelas sendas do cristianismo.

domingo, maio 25, 2008

Um revolucionário refugiado no Olhos d'Água

A capela de Nossa Senhora da Lapa de Olhos d’Água comemora, dia 7 de junho, os 275 de sua ereção, pelo então bispo do Rio de Janeiro, Dom Antônio do Guadalupe. Naquela época, quase todo o território da Capitania das Minas Gerais estava sob a jurisdição eclesiástica do Bispado do Rio de Janeiro; só em 1745 seria criada a Diocese de Mariana. Seu construtor foi Manuel Moraes Coutinho, casado com Margarida Rodrigues, falecida em 20/08/1837 e sepultado dentro da capela daquela paragem, de cujas terras eram proprietários[1].

Manuel Moraes Coutinho, nascido na freguesia de São Sebastião da Vila de Toiro, bispado de Lamego, Concelho de Vila Nova de Paiva, Viseu, Portugal, era filho de Antônio de Moraes e de Ana de Carvalho. Veio para o Brasil nos primórdios do século XVIII, já aparecendo como proprietário da Fazenda Cataguases, na freguesia de Prados, por volta de 1722. Tendo contraído dois casamentos, deixou numerosa prole, cuja descendência espalhou-se pelos Campos das Vertentes, em Minas, e na região de Cantagalo, no Estado do Rio de Janeiro, destacando-se, entre estes, prósperos cafeicultores e líderes políticos, como o Visconde de Imbé e o Dr. Raul de Moraes Veiga, governador daquele Estado entre os anos de 1918 a 1922. Moraes Coutinho morreu em 1777, deixando, além da Fazenda Cataguases, uma outra propriedade denominada São Simão, “ao pé do Rio São Francisco”. Após a morte de sua primeira mulher, casou-se com Ana Nunes da Costa, filha de Caetano da Costa Nunes e de Luzia de Jesus.[2]

Na capela de Nossa Senhora da Lapa de Olhos d’Água foi batizado, em 9/5/1782,[3] o padre Gonçalo Ferreira da Fonseca, que se tornou um chefe político na região do Camapuã, tendo sido vereador à Câmara de Queluz entre 1841 e 1848.[4] Por muitos anos, exerceu aquela capelania, onde residia na Fazenda São Gonçalo. Nessa sua propriedade, retirou-se o Cônego Antônio Marinho, historiador da Revolução Liberal de 1842.

Marinho foi um dos intelectuais do Partido Liberal que participaram do movimento que, em Minas, eclodira-se como um eco da rebelião dos paulistas, em retaliação às manobras do partido Conservador, que reassumira o poder no ano anterior, em detrimento às propostas de renovação. Inflamara-se a situação com a lei que criava o Conselho de Estado e a reforma do Código de Processo Criminal.

A marcha iniciou-se em junho de 1842, finda em Santa Luzia, após ter passado por Barbacena, Queluz e Sabará, onde os Legalistas prostraram os revoltosos, levados presos. Entre os mineiros detidos, alguns queluzenses, como o padre Francisco Pereira de Assis (tio paterno do Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira). Também foram presos o padre Gonçalo Ferreira da Fonseca e o Cônego Antônio Marinho, este após ter se entregado à Justiça, pois fugira quando os Legalistas venceram em Santa Luzia, o que causou espécie a Teóphilo Ottoni. À incompreensão do líder mineiro, Marinho teria retorquido: “Mais vale ser magro no mato, do que gordo na boca do gato”...

Marinho foi levado a julgamento na comarca de Piranga, quando surpreendeu o júri dada sua capacidade de auto-defesa, livrando-se da condenação que coube a muitos revolucionários, anistiados posteriormente a 14 de março de 1844, por beneplácito de Sua Majestade Dom Pedro II. O Xenofonte da Revolução, como o cognominou o historiador Moreira de Azevedo, retirou-se, então, na Fazenda São Gonçalo, na aplicação de Nossa Senhora da Lapa de Olhos d’Água. Naquele recanto, encontrou a tranqüilidade necessária para se refazer moral e intelectualmente. Nesse remanso, segundo a tradição, “no coração das virgens florestas”, segundo sua expressão,[5] teria escrito o livro “História do Movimento Político que no ano de 1842 teve lugar na Província de Minas Gerais”.

A obra, não obstante ter sido redigida ainda sob a inspiração da emoção de um liberal derrotado, não pode ser questionada quanto à falta para com a verdade dos fatos. Porém, é a visão dele apenas. Uma advertência que ele lançou ao fim do tomo segundo desculpa esse deslize, alegando que informações que pedira a outras regiões que se envolveram com o conflito chegaram às suas mãos tardiamente, quando o livro já se encontrava no prelo. Isso foi o suficiente para macular a honra do Exército Imperial, que denodadamente assegurara a integridade do Império e o poder do monarca, tendo à frente o bravo Barão de Caxias. Quanto aos anseios dos liberais, ficou também a lição para o Imperador, que no ano seguinte constatara a justeza do que lhe cobravam os revoltosos e teria afirmado anos mais tarde: “Foi um erro. Talvez o maior de todo o reinado”...

Anistiados os revoltosos, muitos retomaram as lides políticas. Cônego Marinho que, além de ter se dedicado ao magistério em Ouro Preto, Congonhas e São João del Rei, fora deputado à Assembléia Provincial, de 1835 a 1842, retorna à Corte, onde se elege à Assembléia Geral de 1845 a 1849. Sua atuação brilhante como parlamentar eloqüente na defesa dos interesses públicos reafirmava-o, mais uma vez, como vigoroso político intelectual pelo seu raciocínio e concisão das idéias; seria um sociólogo de seu tempo.

Sobre sua atuação legislativa, o historiador Rodrigues de Almeida observa que “se dedicou-se também à política, não o fez por egoísmo do interesse próprio, e jamais serviu-se dela como meio desonesto. (...) Tomando parte ativa nas questões partidárias, reconheceu o Cônego Marinho as inconveniências e as escabrosidades da política, dedicando-se voluntariamente depois tão somente ao sacerdócio, para o apostolado do bem”. Cônego Marinho, que fora pregador da Casa Imperial nomeado em 1839 e, ano seguinte, feito Cônego Honorário do Cabido da Sé do Rio de Janeiro, foi elevado à dignidade de Monsenhor camareiro secreto do Beato Pio IX, em 1847. De acordo com seus biógrafos, morreu pobre, vítima de febre amarela, no dia 13 de março de 1853, no Rio de Janeiro, onde foi sepultado no Cemitério São João Batista.[6]



[1] - VALE, Dario Cardoso – MEMÓRIA HISTÓRICA DE PRADS, Belo Horizonte, 1985, pág. 123

[2] - RICHA, Lênio Luiz – FAMÍLIA MORAES COUTINHO, in GENEALOGIA BRASILEIRA – ESTADO DO RIO DE JANEIRO – POVOADORES DA REGIÃO SERRANA - http://br.geocities.com/lenioricha/cantagalo_morcout.htm

[3] - VALE, opus cit. pág. 150

[4] - MILAGRE, Allex – MEMORIAL DA CÃMARA DE CNSELHEIRO LAFAIETE, 2005

[5] - SISSON, S. A. – GALERIA DOS BRASILEIROS ILUSTRES – JOSÉ ANTÔNIO MARINHO, in http://pt.wikisource.org/wiki/Galeria_dos_Brasileiros_Ilustres/Jos%C3%A9_Ant%C3%B4nio_Marinho

[6] - ALMEIDA, Joaquim Rodrigues de Almeida – CÔNEGO JOSÉ ANTÔNIO MARINHO, in HISTÓRIA DO MOVIMENTO POLÍTICO DE 1842, 2ª EDIÇÃO, Typographia Almeida, Conselheiro Lafayette, 1939

quinta-feira, maio 15, 2008

O mês de Maria

Há instantes na vida em que o homem parece retirar-se do cenário tumultuado do dia-a-dia e busca um alento para o seu ânimo, muitas vezes fragilizado por uma apostasia que vai se generalizando em todos os meios. E o mês de maio é um desses momentos propícios à interiorização, a partir de simples reminiscências, parecendo ouvir-se, ainda, ao longe, o toque de um sino, sentir um aroma de sacralidade e até o burburinho de crianças alegres e ansiosas parece tomar conta do ambiente de sua imaginação. É o mês de maio, dedicado à Virgem Maria.

É provável que uma das primeiras oportunidades que se tem nesta vida para desenvolver a espiritualidade nos seja dada ainda na infância. E as celebrações do mês de maio são uma delas, seguramente. A princípio, apenas o momento de se prestar homenagens à Medianeira de todas as graças, muitas vezes até cumprindo um capricho dos pais, uma herança que vem passando de geração a geração. Mas, ao meditar a grandeza do momento, ver-se-á que nada mais é do que a expressão sincera do que um católico espera: poder um dia contemplar, no páramo, a doce mãe, advogada dos pecadores. E a nenhuma criança pode ser tirada essa oportunidade terrena, de coroar a Virgem Maria, assim como desejaria coroá-la no céu.

Naquele momento em que todo esse anseio e essa alegria pueril se transluz nas figuras pequeninas que, vestidas a caráter, levam seu tributo a Maria, tudo tem um significado. Desde a procissão que caminha ao altar preparado para o ato, significando a caminhada da humanidade em busca da Perfeição, até as balas e doces distribuídas no fim (tão combatidas), cujo significado, para os pequeninos, nada mais é do que as graças que Deus as concede, por intercessão de sua Mãe Santíssima.

Enquanto o mundo avança em seu curso natural, ainda se pode parar por um momento e mergulhar nesse ambiente, até certo ponto de nostalgia, e relembrar aqueles momentos que só a percepção, ainda que limitada, de uma criança pode descrever, enquanto se ouve ao longe o coro pueril a entoar: “Meninas vimos trazer flores, / cantar hinos de alegria / nesta horas tão solene / saudar a Virgem Maria...”. Maio de tantas recordações...

quinta-feira, maio 08, 2008

Deus, Pátria, Família

A cidade de São Paulo reviveu um dos raros movimentos de lucidez dos movimentos sociais, no dia 1º de maio. Enquanto hostes subversivas, que por muito tempo ameaçaram a ordem nacional, requerem agora absurdas indenizações a ex-terroristas (por ironia do destino, alguns ocupando cargos públicos), um grupo de jovens idealistas reaviva os ideais da gloriosa Ação Integralista Brasileira (AIB). O manifesto chamou a atenção de quem passava pela Estação Pinacoteca, não pela formação dos jovens integralistas, ou pelo lábaro contendo o sigma num círculo central, mas pela maneira como se postavam: ordeiros, graves, silentes, diferente das arruaças a que chamam hoje de protestos ou manifestações.

No momento em que o mundo se perde em meio a ideologias confusas, massacrado pelos interesses de um capitalismo escravagista, numa sociedade laica, distanciando-se mais e mais de Deus, reacende o facho do Integralismo para indicar o rumo à humanidade. Ao contrário do que muitos boçais defendem, ainda que sua formação possa lembrar uma corporação ortodoxa, indo muito além com infelizes comparações com outros movimentos, a FIB não se assemelha aos frustrados Nazismo e Fascismo. Isso porque o Integralismo se submete a uma ordem hierárquica natural de valores espirituais e materiais, “de acordo com as leis que regem os seus movimentos e sob a dependência da realidade primordial, absoluta e suprema, que é Deus” (cf. Manifesto Integralista – 1932).

Aí está o ápice a que tudo se deve destinar: Deus – “...nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada...” (Jo 19,11). Nesse reconhecimento do poder divino desenvolve-se uma cadeia em que se sucede a hierarquia advinda dessa Autoridade, sendo espiritual sobre o moral, este sobre o social, o social sobre nacional e a este procedendo o particular. Plínio Salgado discerniu bem que em Deus está a força unificadora que assegura a convergência e o equilíbrio das vontades individuais e realiza a integração total das energias da Nação em razão do bem coletivo. Aí está a diferença dos outros movimentos.

Acalenta-nos a disposição dos neo-integralistas, reavivando-nos a esperança de uma restauração social com base nos princípios cujo resgate se vislumbra sob a égide da Frente Integralista Brasileira. Com a graça de Deus Nosso Senhor, há-de se resgatar a primazia da família na formação de uma Nação organizada, una, indivisível, forte, poderosa, rica, próspera e feliz.

Anauê!

sábado, maio 03, 2008

Enrico Dante, uma vida a serviço da Casa Pontifícia

Todo amante da Sagrada Liturgia da Igreja Católica, que busca estudá-la e acaba apreciando fotos e vídeos, principalmente anteriores ao Concílio Vaticano II, perceberá nas cerimônias da Basílica Vaticana a presença de Monsenhor Enrico Dante.

De estatura alta, muito magro, parecendo consumir-se em dedicação à liturgia papal e à contemplação dos Sagrados Mistérios, sua imagem não passa despercebida. É o dedicado mestre de cerimônias do Santo Padre, que desde jovem sacerdote ingressou no serviço da Cúria Romana, chegando a Cardeal da Santa Igreja.

Enrico Dante nasceu na cidade de Roma, a 5 de julho de 1884, onde cerrou os olhos para este mundo, abandonando-se completamente à vontade de Nosso Senhor, a quem serviu intensamente em toda a sua vida, no dia 24 de abril de 1967. Era filho de Achille Dante, um dedicado defensor de Giuseppe Garibaldi, e de Zenaide Ingegni. Tinha apenas 8 anos quando ficou órfão de mãe, juntamente com mais duas irmãs e um irmão, que mais tarde veio como missionário para o Brasil.

Após fazer os estudos secundários com os Padres de Sion, em Paris, ingressou no Colégio Capranica, na cidade de Roma, em 1901. Doutorou-se em Filosofia, Teologia, Cânones e Direito Civil, na Pontifícia Universidade Gregoriana, passando a advogar na Sacra Rota Romana.

Ordenou-se padre a 3 de julho de 1910, na Igreja de Santo Apolinário, em Roma, pelo Exmº. Sr. Dom Giuseppe Ceppetelli, Patriarca Latino de Constantinopla. De 1911 a 1928, Enrico Dante lecionou Filosofia no Pontifício Ateneu Urbaniano “De Propaganda Fide”; de 1928 a 1947, passou a reger, também, a cadeira de Teologia. Em 1913, ingressou como oficial da Sagrada Penitenciária Apostólica.

No dia 25 de março de 1914, foi admitido como membro da Pontifícia Academia de Cerimônias. O Santo Padre Pio XI confiou-lhe a reabertura da Nunciatura Apostólica de Paris, em 1923, ao que ele declinou, por ter duas irmãs em Roma que necessitavam dele, por serem órfãs. Continuou suas atividades na Cidade Eterna, sendo nomeado pelo Pai da Cristandade como suplente na Sagrada Congregação para os Ritos, a 26 de outubro daquele ano, passando a substituto a 28 de setembro de 1930.

Elevado à dignidade de Prelado Doméstico de Sua Santidade, a 15 de maio de 1943, e, a 27 seguinte, feito sub-secretário da S. C. Cerimonial. A 13 de junho de 1947, foi elevado a Prefeito das Cerimônias Pontifícias. O ponto alto de sua atuação ao lado do Pastor Angelicus foi no Ano Santo de 1950. Em reconhecimento à sua atuação e dedicação à Casa Pontifícia, o Beato João XXIII fê-lo pró-secretário da Sagrada Congregação dos Ritos, a 24 de janeiro de 1959, passando a secretário a 5 de janeiro de 1960.

Exerceu o ministério pastoral, na Diocese de Roma, em Torre Nova e na Basílica Patriarcal de Latrão. Em Santa Maria em Monte, na Piazza del Popolo, foi decano do Cabido. Por mais de 40 anos, ouviu confissões na Igreja do Sacro Cuore al Suffragio, em Roma. Ao mesmo tempo, encontrava oportunidade para práticas esportivas, sendo um atleta entusiasta, que ajudou a fundar o Roma, time de futebol, além de praticar alpinismo.

Como cerimoniário da Casa Pontifícia, participou dos Conclaves de 1914, 1922, 1939, 1958 e 1963, atuando nas cerimônias de coroação dos papas Bento XV, Pio XI, Pio XII, João XXIII e Paulo VI. Enrico Dante foi o primeiro mestre de cerimônias papal a ajudar o Sumo Pontífice numa sagração de um bispo no Rito Bizantino, a do futuro cardeal Gabriel Acacius Coussa, OSBA.

Em 28 de agosto de 1962, foi eleito arcebispo titular de Carpasia, mais uma forma de reconhecimento do Vigário de Cristo. A 21 de setembro seguinte, foi sagrado pelo Beato João XXIII, na Basílica Lateranense, sendo co-sagrantes o Exmº. Arcebispo Titular de Sardica, assessor da Sagrada Congregação Consistorial, Dom Francesco Carpino, e pelo Exmº. Arcebispo Titular de Teolemaide di Tebaide, assessor do Supremo Santo Ofício, Dom Pietro Parente. Na mesma cerimônia, foram sagrados, também, os futuros cardeais Cesare Zerba, Pietro Palazzini, e Paul-Pierre Philippe – OP.

Participou de todas a ssessões do Concílio Vaticano II (1962-1965). Dom Enrico Duarte teve atuação mis marcante na primeira sessão, inclusive fazendo parte de comissões. Entretanto, a partir da segunda sessão, os rumos incertos que as comissões e os trabalhos começaram a tomar, encontraram nele um determinado opositor.

O Papa Paulo VI elevou-o a Cardeal Presbítero da Santa Igreja, no Consistório de 22 de fevereiro de 1965, com o título de Santa Ágata dos Godos, em Roma. Durante a cerimônia em que foi-lhe colocado o barrete, o Santo Padre, acidentalmente, pôs-lhe na cabeça o barrete do Cardeal Lawrence Shehan, que era muito maior, ficando a cabeça de Dom Dante enterrada sob o capelo, não sendo contido o esboço de um riso no rosto do Papa e de seus assistentes.

Com idade avançada, apesar de um estado físico sempre bem disposto, encontrou-o a enfermidade, para que se preparasse melhor para o encontro definitivo com o Pai. Hospitalizado, recebeu a visita do Papa Paulo VI, no dia 6 de abril de 1967, que foi levar o conforto espiritual e o protesto de gratidão da Casa Pontifícia àquele que a serviu, com tanta dedicação, por toda a vida.

A primavera avançava pelas primeiras semanas no ano de 1967. Roma amanhecia fria, um vento ainda cortava quem contra ele se lançasse pelas ruas da Cidade Eterna. Num dos quartos do Hospital Gemelli, prostrado num leito de sofrimentos finais, estava o Cardeal Enrico Duarte. Os Santos Sacramentos já lhe haviam sido administrados. O Santo Viático já o tinha em seu coração, aguardando o momento derradeiro. Entre uma invocação e outra da Ladainha dos Agonizantes, o Purpurado entregou sua alma ao Criador; voou ao encontro do Deus que sempre amou e serviu. Era 24 de abril de 1967.

Após solenes exéquias, seu corpo foi enterrado na Igreja de Santa Ágata dos Godos. Em sua memória, A. Fanttinnanzi ergueu-lhe um monumento em sua Sé Cardinalícia, em cuja cripta descansam seus restos mortais, à espera da ressurreição em Cristo Nosso Senhor.

Bibliografia

- "Enrico Dnte" in "I cenni biographici, le attività i meriti dei nuovi porporati" - L'Osservatore Romano, Cidade do Vaticano, nº 44, 22/23 de fevereiro de 1965, p. 5;

- McElwain, A. R. "That man beside Pope John. Monsignor Dante is always in the picture", Catholic Digest. XXVI, 9 de julho de 1962, pp. 14-18;

- Wikipédia - http://en.wikipedia.org/wiki/Enrico_Dante




Busto do Cardeal Dante, sobre o monumento que lhe foi erigido na Igreja de Santa Ágata dos Godos



Ao lado do Beato João XXIII, no dia de sua coroação



Ao lado do Servo de Deus Pio XII, durante um consistório de eleição de novos cardeais



Lápide de seu monumento, na Igreja de Santa Ágata dos Godos



Gaveta mortuária na cripta da Igreja de Santa Ágata, onde jazem os restos mortais do Cardeal Enrico Dante

quinta-feira, maio 01, 2008

Decadência social

Na ânsia de emancipação em relação a Deus e à sua Revelação, o homem cortou as ligações com os princípios da ordem natural, separou a fé e a razão. Ora, ensina o Magistério da Igreja que "a reta razão demonstra as bases da fé e, esclarecida por ela, cultiva a ciência das coisas divinas; e a fé, por sua vê, livra e defende a razão dos erros e lhe proporciona inúmeros conhecimentos" (Const. de Fide Catholica, "Dei Filius", D nº 1.799). Mas isso gerou a Revolução e, esta, promoveu o liberalismo, o naturalismo e o racionalismo. Deificaram a razão, cavando abismos e levantando muralhas; forjaram uma liberdade, sem os fundamentos da verdade. Com este espírito fez-se a Revolução, cujos frutos sazonados a humanidade colhe e saboreia, alimentando a livre interpretação dos valores éticos e morais e dos princípios em que se baseiam.

Essa Revolução é quem advoga a liberdade de pensamento e a liberdade de expressão, subterfúgio mor para propalar aos quatro ventos os mais absurdos conceitos, contaminando todos os meios sociais, principalmente aqueles sem formação e, pior ainda, sem capacidade de discernimento. E isso pode-se verificar a cada dia, principalmente quando a eficiência dos meios de comunicação cuidam em trazer-nos o máximo de informações possíveis, até as mais hediondas, como o tão explorado cruel assassinato da menina Isabella Nardoni, desrespeitada que está sua memória pela incessante investigação, como se pretendesse exaurir a disposição de todos, até da Justiça, em solucionar o caso.

A confusão de valores que prevalece em meio à sociedade atual, quiçá decorrente um distanciamento, cada vez mais intenso, dos princípios cristãos não pode continuar. Para contê-la, basta buscar nos relatos históricos a exemplo que nos deixaram aqueles que nos antecederam e restaurar, por exemplo, a prioridade da voz da Santa Igreja, que possui os meios para refrear o desvario da humanidade que se perde em desatinos. E deparamo-nos com um sermão proferido pelo cardeal Augusto Álvaro da Silva, em 1927, quando uma igreja, na Bahia, foi profanada e o Santíssimo Sacramento ultrajado - sinal de uma sociedade em decadência - e se atenta para a sua responsabilidade:

"Meus caríssimos irmãos, não é a vós que me dirijo agora; não, não é a vós. É a Ele, a Jesus Sacramentado! Não é a vós, que sentis também sobre a fronte, vergada ao peso do opróbrio, o raio inflamado da justiça de Deus! Não é a vós, que atirais aos ventos os gemidos de uma aflição sem termo! Não é a vós. É a Ele, no Santíssimo Sacramento! - É a Ti, ó Jesus, realmente aqui sobre este altar, nas mesmas espécies sacramentais em que foste vítima adorável de Teu amor para conosco! É a Ti, Senhor, que se elevam os meus brados de aflição... Nós Te sabemos horrivelmente ofendido na profanação de um dos filhos que me deste, que ousou levantar, contra Ti, mão sacrílega! - Não foi um só o criminoso! Foi meu também. Porque Pastor não fiz chegar, até este infeliz, as vozes claras na presença real... 'Ai de mim porque calei!'".

sexta-feira, abril 25, 2008

Pelo mundo afora

A recente visita do Santo Padre aos Estados Unidos foi como um reafirmar da posição da doutrina da Igreja Católica, muitas vezes dissonante da voragem de um mundo capitalista, que tem como almenara dessa ideologia perniciosa a América do Norte. Durante sua estadia nos Estados Unidos, Bento XVI apresentou-se como o lídimo Vigário de Cristo que foi levar conforto aos desamparados, dar direcionamento aos desnorteados, defender os oprimidos, apontar os impiedosos, pregar por uma sociedade regida pelos princípios cristãos, sob o reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Ninguém pode deixar de admitir a austeridade do Bispo de Roma, o Pedro de nossos dias, destemido, ao se indignar com o mau procedimento de alguns padres, repreendendo-os com energia; ao alertar as autoridades daquela grande Nação da importância de um caminhar pari passu com outros países, com atenção especial para aqueles considerados do terceiro mundo; ao falar de paz no fórum das mais expressivas lutas pela ordem mundial, assegurando o bem-estar da humanidade, a Organização das Nações Unidas; ao reafirmar aos seus bispos o múnus episcopal e descortinar para o seu rebanho um mundo que, sem Cristo, não superará as ansiedades políticas e sociais que tanto tormentam.

"Petrus autem taceat". Penso, contudo, que um dos mais significativos momentos da visita do "doce Cristo na Terra" - nas palavras de Santa Catarina de Sena - aos Estados Unidos foi quando se silenciou diante do Ground Zero. Genuflexo, em oração, foi um dos mais altissonantes discursos proferidos na América do Norte. O silêncio de Bento XVI era o sufrágio pelas vítimas da tragédia de 11 de setembro de 2001; era o grito contra a prepotência das grandes Nações; era o clamor pelas almas que se perdem para a voracidade da ambição, do poder, da opressão; era o protesto contra a loucura em nome de uma pseudo fé; era a oração por um mundo que se perde sem Deus.

Porém, o papa taciturno diante do Ground Zero respondia aos muitos questionamentos de um mundo paganizador. Com uma sobrenatural missão profética, advinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, naquele areópago da civilização moderna, o Patriarca do Ocidente, silente, levanta sua voz e incita a construção de um mundo mais humano e solidário, na perspectiva dos Santos Evangelhos e da doutrina católica. A Igreja pode e deve falar de tudo, porque "se estes [os discípulos] se calarem, clamarão as pedras" (Lc 19,40). Por isso a voz do Sucessor de Pedro ecoa por todo o orbe e nem os indiferentes conseguem não se deixar tocar pela graça que Nosso Senhor nos concede.

sábado, abril 19, 2008

Sob um pseudônimo

Quando o diretor do Jornal CORREIO convidou-me para ocupar este espaço, após a morte do Gilberto Victorino, optei por adotar um pseudônimo. Essa opção não foi para sentir-me à vontade para falar sobre o que quisesse, até porque qualquer irresponsabilidade traria à cena o verdadeiro autor. Desejei, a princípio, que os leitores não se deixassem influenciar pelo nome que subscreveria o texto. Depois, para que o discurso não se contradissesse com meus atos; ademais, minha conduta pessoal - enquanto não prejudica a ninguém, direta ou indiretamente - só me diz respeito. Sou um pecador; prefiro adotar este termo, por minhas convicções religiosas, sem hipocrisia. Jamais lançaria mão de minhas limitações e fragilidades para fazer apologia à libertinagem. Por isso adotei um pseudônimo.
E recebo, de certa forma surpreso, no início desta semana, um e-mail do secretário municipal de Cultura censurando a crônica da semana passada. Lamentei profundamente não ter ele compreendido o teor do texto e, pior ainda, ter se definido, ao seu livre arbítrio, nas entrelinhas, o que, aliás, desmentiu as lisonjas ao estilo literário do articulista, incapaz de se fazer compreendido. Equivocado sobre valores evangélicos, apoiado no relativismo dos princípios da caridade fraterna, sem se comprometer com a verdade - "o vosso falar seja sim sim, não não; porque tudo o que passa disso vem do Maligno" (Mt 5,37) [note bem, esse relativismo é quem falta com a verdade, não o missivista, para que não haja dúvidas] - insinua um cinismo no discurso daquele que, até então crente de sua amizade, sente-se, desde então, como um desafeto.
Quod scripsi, scripsi. Não o fiz movido por nenhum ressentimento, até mesmo porque, confesso, não via motivos para desacreditar nos trabalhos que vinham sendo realizados pela administração municipal; cheguei a ressaltar isso, em algumas circunstâncias, impressionado pelo que observava em determinados setores. Minhas simpatias políticas, embora nem um pouco influenciadas por rubras ideologias, também não influenciaram minhas letras, porque no atual sistema nada me seduz, como já me expressei noutras oportunidades, aqui neste mesmo espaço, sob um pseudônimo. Quanto ao odor de minha carne, já sinto o ar da putrefação há tempos, não pela insolência com que é apontada, mas pelas chagas purulentas da decepção. Deus louvado, são essas mesmas vúlneras, com esse fedor repugnante, que me fazem lembrar, a todos os momentos, que nada sou. Nenhum elogio é capaz de me iludir, da mesma forma que nenhuma condição temporária me convence, muito menos do que a muitos que se dizem desapegados, por não necessitar delas para ser o que verdadeiramente sou: um miserável. E justamente por sê-lo não deveria incomodar tanto.
O secretário de Cultura, contudo, mostrou-se grato; uma grande virtude, uma obrigação moral para com aquele que o fez ser reconhecido pela sua competência. Quisera eu ter tamanha capacidade de externar o devotamento aos meus benfeitores; mas Deus sabe o quanto lhes sou grato. E talvez tenha sido essa veemente dedicação que o fez tomar para si todo o ressentimento pela frustração e indignação que abateu a todos, traduzida neste espaço. Provavelmente, tenha lhe faltado melhor discernimento, o que compreendo - como disse, pela sua crença e sua dedicação. Tanto foi sua equivocada interpretação que quis se colocar entre os que se misturaram com os porcos. Conhecendo-o bem, jamais o imaginaria misturado à vara de corruptos. Lamentável e claramente, quando cito o grosseiro jargão, aí mesmo o preclaro missivista não entendeu patavina.
Só deploro que, por algo passageiro, aquele que sempre tive em alta conta prefira a amargura do ressentimento. Não me decepciono com isso, porque sempre lhe devotei admiração e amizade sinceras, mesmo diante daqueles que tentavam menosprezá-lo - independente do seu estar no poder -, e com tal intensidade o fazia que nenhuma palavra de sua refutação me tocou, tanto por isso, quanto pelo equívoco de sua interpretação.
Saiba, portanto, o missivista, que sempre me foi tão caro, e mesmo assim o continuará sendo, que seu comentário chegou-me às mãos sem me causar nenhum tormento. Sed quod scripsi, scripsi.

sexta-feira, abril 11, 2008

Será a verdade?

Resisti, a princípio, comentar os últimos episódios políticos em Conselheiro Lafaiete. O motivo? Vergonha. Nunca na história da cidade um administrador público foi “convidado a prestar esclarecimentos”, buscado em sua casa, às 6h (da manhã, para que fique bem claro), sobre irregularidades em sua administração. Nunca. Foi a primeira vez. Aqueles de quem, noutros tempos, os órgãos competentes suspeitaram e as línguas ferinas acusaram de mau gerenciamento do erário, podem hoje se sentir honrados com isso, pois pela punição deduz-se a hediondez do crime. Até então, nenhum deles foi preso por isso. Enquanto, aquele que se jactou de uma lisura, transparência, retidão, que, agora constata-se, talvez nunca tenham existido, é “convidado a prestar esclarecimentos” à Polícia Federal. “O pior celerado é aquele que oculta suas mãos manchadas de sangue e incita o ódio contra os inocentes” (Bossuet in “Discours sur l’histoire universelle”, 1682).

Chega a causar-nos comiseração dos órfãos desorientados, das viúvas inconsoláveis, dos credores desesperados que ficam de um sistema que, mero reflexo do atual governo da República, permitiam-se à quimera de que viviam na rica Pasárgada do Império Persa, por serem “amigos do rei”... E os abutres que se travestiam de dedicados fâmulos, agora aguardam, em largos rodopios, o momento de se debruçar sobre a fétida carnagem que resta desse latrocínio moral, pela violência com que foi atacada a ingenuidade de muitos, oxalá até daquele que foi “convidado a prestar esclarecimentos”.

Na manhã do dia 26 de março, após ter caído o pano de cena na Câmara, encerrando os trabalhos da Comissão Processante, expressei, neste mesmo espaço, a indignação da falta de energia dos vereadores que a compuseram. Eles cerraram os olhos e preferiram a omissão, obviamente por interesses pessoais. E hoje, neste mesmo espaço, ocupo-me com este tema apenas para lembrar que ninguém é “convidado a prestar esclarecimentos”, da forma como foi, e por lá permanecer, se não houver indícios de seu comprometimento com o que se investiga. Ora, se ele permitiu e até se beneficiou, deve ser castigado. Se foi omisso – pior ainda, por covardia, deve ser censurado. Se não sabia do que estava acontecendo, deve ser desterrado por incompetência, pois o homem que não se cerca de pessoas confiáveis, que não tem conhecimento do que se passa sob o seu teto, é um pascácio ou um alienado. E vem-nos à lembrança o provérbio popular, assaz grosseiro, que bem justificaria sua “inocência”: “quem com porcos se mistura, farelos come”.

A certeza que nos consolou há pouco mais de um mês efetivou-se na última semana: “nihil diu occultum”. A verdade começa vir à tona.

quinta-feira, março 27, 2008

Na paz do Senhor

Chegou-nos na manhã da última quinta-feira, dia 27 de março, a notícia do falecimento do cônego João Baptista Gomes Neto. Há muito vinha padecendo as agruras da enfermidade e, finalmente, no enlevo dos eflúvios pascais, foi chamado a participar do gozo eterno que nos resgataram a paixão e morte de Cristo. E neste tempo em que a Santa Igreja canta a vitória da vida plena sobre a morte, cônego João Baptista já participa dessa alegria perenal, junto daqueles que o antecederam na graça da visão beatífica.

Foi um padre santo. Não temo fazer esta afirmação, nem tocado pelo escrúpulo de exceder-me em decorrência da amizade que nutríamos mutuamente, ou na emoção deste instante. Foi, sim, um padre santo. Santo no sentido de ser-nos apontado como exemplo de cristão a ser seguido. Impressionava-me o amor puro que tinha por Deus, a confiança na proteção de Nossa Senhora e a dedicação ao ministério sacerdotal. Em todas as vezes que dava mostras dessa sua devoção, parecia um infante à mesa eucarística pela primeira vez; podia-se notar o brilho de seus olhos. Era todo de Deus.

No púlpito, bastante experimentado pela prática pastoral que teve na zona da Mata, onde trabalhou por muitos anos, buscava a simplicidade das palavras e os paradigmas do dia-a-dia para melhor compreensão de seus ouvintes. No confessionário, era o ouvinte tranqüilo, o conselheiro bondoso, um pai amoroso sempre a indicar a senda segura na via espiritual. No altar – ah, no altar! – revestia-se nitidamente do alter Christus, entregando-se todo ao seu ministério. Visivelmente, tinha satisfação em, todos os dias, subir à ara santa e renovar o Santo Sacrifício da Cruz. Compreende-se aí a fonte de sua santificação, a Santa Missa, como nos assegura o padre Garrigou-Lagrange: “A santificação de nossa alma se encontra em uma união, cada dia, mais íntima com Deus, união de fé, de confiança e de amor”.

Uma saudade muito dorida feriu-nos o peito, ao sabermos do passamento do cônego João Baptista. Há muito não o via, apenas tinha notícias por telefone e pelos que lá iam visitá-lo; talvez afeta-me um remorso por não ter ido mais vezes vê-lo, mas somos reféns de um açodamento que nos impede até de ir estar com os que nos são tão caros.

Na cidade, poucos, talvez, se lembrem dele, afinal já se faz mais de dez anos que ele foi-se embora daqui. Os amigos e ex-paroquianos foram se informando uns aos outros. Nem um dobre fúnebre soou dos campanários da Matriz, avisando seus ex-paroquianos. Restou-nos afogar as lágrimas no coração, oferecendo um sufrágio a Deus Nosso Senhor pelo descanso eterno do bondoso cônego João Baptista.

Requiescat in pace.

quinta-feira, março 20, 2008

Ó árvore bendita

Aprendemos que existem duas fontes da revelação de Deus Nosso Senhor: as Sagradas Escrituras e a Tradição. Nelas estão o depositum fidei, donde os sucessores dos Apóstolos tiram as jóias que ornam a espiritualidade cristã, reafirmando as verdades eternas, alimentando a humanidade na sua caminhada rumo à Jerusalém celeste. E nos últimos dias, "visitando" os Padres da Igreja, constatamos, mais uma vez, a intimidade que eles experimentaram com os escritos sagrados, numa escuta atenta à voz de Deus, ecoada pela força do Espírito. Comunicando-nos, até nossos dias, uma pessoal experiência de Deus, a ponto de ilustrar de forma catequética todo o emaranhado de fatos e de personagens que se apresentam testemunhando a mão divina na caminhada milenar do homem.

Uma de suas ilustrações é sobre da fonte do primeiro pecado e da graça da redenção. Relata-nos um dos Padres que, encontrando-se na agonia da morte, enviou Adão seu filho Set ao Jardim do Paraíso em busca de remédio. Em lá chegando, o anjo que guardava a entrada ouviu-o, cortou um ramo da árvore de cujo fruto comera Adão, em desobediência, entregou-a a Set e disse-lhe que, quando o ramo desse o seu fruto, seu pai estaria curado. Mas o filho, chegando em casa, encontrou já o pai morto. Set plantou, então, o ramo na cabeceira da sepultura de Adão.

O ramo cresceu e transformou-se em frondosa árvore. A rainha de Sabá, conhecedora dessa história, relatou-a a Salomão, advertindo-o de que aquele madeiro seria a causa da ruína de seu povo. O sábio rei mandou cortar a árvore e enterrá-la. No entanto, ao nascer Jesus a árvore voltou à face da terra e, quando o Divino Mestre foi condenado à morte, foi justamente essa árvore que deu a madeira para o seu sacrifício. E os Padres descobriram com renovado sabor a palavra das Escrituras: "A árvore deu o seu fruto".

A prevaricação de nossos primeiros pais culminou com o maior ato de amor, que somente um Deus poderia cometer, dar-se completamente pela nossa salvação. O Criador humanou-se e se entregou à morte ignominiosa para que o seu sangue purificasse a descendência de Adão. A vida de Jesus, seu exemplo, sua entrega, condensa-se, como aponta-nos São Paulo, num símbolo tão contraditório quanto simples e evocador: a cruz. A transgressão da cruz, onde a dor dos homens de todos os tempos é excedida sem medida, tem a sua hora marcada na carne, autêntica fonte de um amor que não se contém a jorrar a flux, recriando, plenificando, devolvendo à vida. Essa "kenose" da cruz, como vemo-la no Apóstolo dos Gentios em sua Carta aos Filipenses, é a consumação do amor num sacrifício perene que se repete, incruento, todos os dias, sobre os altares. Fruto daquela árvore.

sexta-feira, março 14, 2008

Momentos de reflexão... para os políticos de Lafaiete

A Semana Santa, este ano especialmente, deveria ser um momento de especial reflexão para os políticos de Lafaiete. Não apenas pelo momento propício para tal ato de crescimento ascético, mas principalmente pelos “pecados públicos” cometidos ultimamente por eles. Frei Tibúrcio, certamente, não lhes pouparia a medieval prática da auto-flagelação como expiação de suas prevaricações.

Acredita-se que os ditos “homens de bem” se apresentam à comunidade como exemplos de retidão e capazes de administrar a “coisa pública”, com a disposição para exercerem o governo democrático. Seriam a voz altissonante do povo nos parlamentos, seriam o timoneiro dessa embarcação social que conduz os homens, singrando pelos oceanos do desenvolvimento humano. Mas não. Acabamos, sempre, por constatar que não passam eles de míseros pecadores, em meio à essa de ímpios, num mundo que clama por respeito e justiça, erguida sobre uma torrente de dejetos lançados pelos maus governos, conspurcando a honra do cargo que muitas vezes ocupam.

Mesmo não sendo regra geral, haveria de ser para o porvir, e antes para a emenda dos viciados na desonra, sem nenhum pudor, para que, ao mirarem as faltas alheias, lembrem-se de manter na conduta idônea aos representantes legitimamente eleitos pelo povo. Para exercerem bem o seu mandato, é preciso que lancem mão dos tradicionais livros de espiritualidade (fora com as modernas teorias da psicanálise), para reconhecerem o seu nada – “nihil est”, sua insignificância, e compreensão clara e profunda de que o que são e o que têm, nada mais é do que graça de Deus.

Portanto, na contemplação da paixão e morte de Cristo – o Deus que se humanou para expiar o pecado de nossos primeiros pais – que os políticos lafaietenses busquem a conversão de seus modos e o bem-estar de nosso povo. Que deixem de viver voltados apenas para o seu meio e percebam, ao seu redor, os mais de 100 mil habitantes à mercê de seu governo. Até outubro, ainda há tempo de darem provas de uma mudança radical de vida e de suas despretensiosas capacidades, senão a do engrandecimento de Conselheiro Lafaiete.

Boa Páscoa!

No pretório

Tramita no Supremo Tribunal Federal, em Brasília, um dos processos mais polêmicos da história jurídica do país, envolvendo questões morais e éticas. E nestes dias em que se comemoram a paixão, morte e ressurreição de Cristo, torna-se oportuno refletir sobre a responsabilidade dos ministros da Suprema Corte. Exercerão, eles, o papel de lídimos magistrados, a quem cabe assegurar a justiça na condução na Nação, desvinculados de qualquer compromisso pessoal, seja ideológico ou afetivo, mas comprometidos unicamente com a verdade? Ou serão Pilatos hodiernos, eximindo-se de sua responsabilidade, crédulos na frigidez científica, apenas, denotando até falta de conhecimento profundo para julgar uma questão tão complexa? Mais uma vez na história, assistimos à condenação de inocentes indefesos.

Laivos de esperança, contudo, despontam-se. Cremos ser a Providência Divina indicando o caminho a seguir, protegendo-nos da ilusão que o açodamento científico muitas vezes nos seduz. Realizaram-se, recentemente, novas descobertas científicas sobre células-tronco (ou estaminais) adultas, que não implicam a eliminação de vidas humanas, ratificando a batalha ética liderada, principalmente, pela Igreja. Equipes japonesa e americana teriam conseguido transformar células de pele humana em células-tronco, capazes de evoluir em células nervosas, cardíacas ou em qualquer dos 220 tipos de células do corpo humano. De acordo com a Federação Internacional de Associações Médicas Católicas (Fiamc) a nova técnica, ainda que exija aperfeiçoamento, é tão promissora que o cientista que conseguiu clonar a primeira ovelha do mundo, Ian Wilmut, teria anunciado que deixará de lado a clonagem de embriões para focalizar-se nas células-tronco derivadas de células da pele.

Infelizmente, cientistas e leigos ainda resistem à compreensão e à aceitação de que a vida humana nascente é digna de todo respeito, mesmo ainda não terem, essas experiências, sucessos garantidos, ao contrário da pesquisa e tratamentos com base nas células-tronco adultas, que já dão resultado. Ao tratar com elas não se destroem embriões, aliás, procedimento com êxitos muito valorizados nas sociedades ocidentais desenvolvidas e eficazes.

A nova descoberta científica, uma resposta ao apelo dos católicos do mundo inteiro que vinham alimentando essa esperança, impelidos pela voz do Vigário de Cristo, reafirma que “a ética que respeita o homem é útil também para a pesquisa e confirma que não é verdade que a Igreja esteja contra a pesquisa: está contra a má pesquisa, que é nociva para o homem, constatando que todos os milhões destinados a pesquisar com células embrionárias se converteram em um ‘esbanjamento’”, conforme observou o presidente da Academia Pontifícia para a Vida, dom Elio Sgreccia.

Enquanto isso, alguns movimentos no Brasil insistem na liberação das pesquisas que sacrificam embriões humanos. São os Herodes de nossos dias coagindo os Ministros da Suprema Corte a procederem como Pilatos.

segunda-feira, março 10, 2008

Há 200 anos...


O Brasil está lembrando, com algumas comemorações, os duzentos anos da chegada da Família Real. Em janeiro realizaram-se algumas festividades em Salvador (BA), onde primeiro aportou, e neste sábado, dia 8, será o ponto alto das comemorações na cidade do Rio de Janeiro, onde se fixou a corte portuguesa. Os Círculos Monárquicos se esforçaram para que a efeméride fosse lembrada com gratidão pelos brasileiros, mas a leviandade republicana tratou-a apenas como mais uma data histórica a ser comemorada, sem dispensar-lhe o necessário escopo de resgatar a dignidade da Casa Real Portuguesa que, ao deixar Portugal para não sucumbir à tirania napoleônica, veio inaugurar um novo tempo, veio redescobrir o Brasil.

Alguns historiadores afirmam que, há algum tempo, dom João, ainda como príncipe regente, já manifestara a possibilidade de ultrapassar o Atlântico e se estabelecer além-mar, dissuadido, contudo, pelos seus. O momento, no entanto, fez-se oportuno, quando as tropas de Napoleão marchava já em terras lusitanas em direção a Lisboa onde, indubitavelmente, renderia os Bragança e, certamente, como fizera na Espanha, exilaria-os nalguma quinta, no interior português, e colocaria no trono algum de seus protegidos. Aí sim seria a espoliação de Portugal em todos os sentidos.

É quando reage o equivocadamente considerado "bobo" Príncipe Regente. Chegara o momento de partir para assegurar a soberania da Coroa Portuguesa. Os preparativos foram, sim, às pressas; tiraram tudo o que lhes foi possível; atropelavam-se a caminho do cais; muita gente ficou, com as tropas que alcançavam já os montes ao redor de Lisboa, "a ver navios". Mas ninguém pode negar que atitude de dom João foi uma das mais acertadas, não apenas para garantir o seu domínio, mais ainda, para o desenvolvimento do Brasil.

A partir da chegada da Família Real à Terra de Santa Cruz inicia-se uma nova fase. O país conhece, então, o desenvolvimento em todos os sentidos. A abertura dos portos, declarada ainda quando estava na Bahia, foi o primeiro passo para o deslanchar comercial, e a criação de instituições assegurou o ordenamento da administração pública: Banco do Brasil, Real Gabinete de Leitura, escolas, tropas que asseguravam a segurança, um revigoramento social e intelectual, tudo isso foi primordial para que, poucos anos depois, a nacionalidade brasileira fosse ratificada coma elevação a Reino Unido e, em 1822, a fundação do Império do Brasil.

Há 200 anos o Brasil era redescoberto por dom João - O Clemente - que reafirmou a vocação desta terra bendita, onde a sucessão de seus atos a confirmou como o Império do Cruzeiro do Sul.

Viva el Rei!

"Ubi veritas?"

Chegou ao fim o affaire Júlio Barros. Uma liminar da Justiça suspendeu a sessão da Câmara de Vereadores, que votaria a cassação do prefeito de Lafaiete, na última terça-feira, dia 26. O Circo de Cavalinhos foi armado, muitos se divertiram bastante e agora se acabou a brincadeira. Pensaram ter sido o suficiente para atiçar a população, com vistas à campanha eleitoral que se inicia daqui a poucos meses, para o pleito de outubro próximo.

Ao final de pantomima, não sabemos se rimos ante tanta tibieza, às raias de uma ingenuidade pueril, ou se lamentamos pela frivolidade com que muitos assistiram e até participaram desse processo. E volto a me envergonhar de tanta gente sem princípios, desordeira, mal informada, arrogante e oportunista que quis tirar proveito dessa ameaçadora cassação, de ambos os lados, tanto correligionários, como opositores.

Nestas linhas onde, muitas vezes, permiti-me levar pela admiração do trabalho realizado pela Câmara de Vereadores de Conselheiro Lafaiete, hoje lamento não poder fazê-lo com a mesma sinceridade. E um ditado antigo, assaz grosseiro, bem traduz a frustração desse instante histórico que poderia ter sido gravado nas páginas das crônicas lafaietenses para a posteridade exaltando o brio do Poder Legislativo, resgatando a dignidade de muitos inocentes acossados pela injustiça: "ejusdem farinæ". Todos os vereadores se comprometeram por causa da fraqueza ambiciosa de alguns poucos dentre os seus.

Se houve denúncia, é porque havia algo que comprometesse a lisura do processo administrativo, aliás, como a Comissão Parlamentar de Inquérito apurou. Se se constituiu uma Comissão Processante foi porque existiram elementos que a movessem. A inaptidão da Comissão foi não ter realizado o seu trabalho a tempo, beneficiando o acusado que, é bom ressaltar, não foi absolvido. Ele apenas conseguiu uma liminar que adiaria a sessão que aconteceria no último dia do prazo legal. Portanto, frustrou-se a Comissão por ineficiência de seus membros, a propósito, pivôs de todo esse vergonhoso desfecho.

A declaração do presidente da Câmara, pastor José Boaventura, de que as urnas fariam esse julgamento foi acertada. As urnas apurarão, sim, o julgamento dos lafaietenses que, certamente, reiterarão a opção de quatro anos atrás. E seria muito bom que isso acontecesse, para que a oposição amargue por mais quatro anos a incompetência e o oportunismo de tantos que a ela se misturam, subjugada pelo governo que tentaram derribar. Consola-nos, por fim, que "nihil diu occultum". Cedo ou tarde a verdade virá à tona.

sexta-feira, março 07, 2008

Pátrias irmãs


Discurso proferido na reunião conjunta da ACLCL com a Academia de Letras de São João del Rei, dia 30/09/2007, naquela cidade.

É indescritível a sensação que nos toma neste instante em que, qual num ato litúrgico, reunimo-nos nesta solenidade, inspirados pelos sentimentos fraternos e pelo civismo que nos move a alistarmo-nos nas fileiras que pugnam pela preservação do belo, das artes, de nossa cultura em geral.
E a essa sensação se soma a emoção de poder falar a tão eminentes confrades, guardiões deste templo sagrado, onde se conservam as referências literárias, zelosos pelos valores desta urbe que se constitui um pilar sagrado das tradições mineiras.

“Solve calceamentum de pedibus tuis:
lócus enim, in quo stas, terra sancta est.” (Ex3,5)

Sinto este sussurrar divino aos meus ouvidos. A terra onde piso é sagrada, pois nela se alteou, solidamente, os marcos que direcionam o caminhar da história. Aqui se levantou a cruz primeiro, antes daquelas que viriam a ser o centro governamental destas terras, a cujo reflexo floresceu a fé católica que se espalhou pelas Gerais. Aqui se travaram as primeiras lutas pela consolidação do que é hoje nosso grandioso Estado.
Não deitaria incenso nos turíbulos que perfumam este panteão, se fosse tíbia a devoção pela terra onde impera a Virgem do Pilar, se não me convencessem os grandes feitos de seu bom povo nesses três séculos de história.
E me sinto, nesta tribuna, temeroso pela responsabilidade que se me impõe, ao dirigir-me à fina flor da intelectualidade são-joanense, que, em meio às tempestades das paixões e críticas desencontradas, peculiares numa sociedade inconsciente, não pensante, acende em suas frontes os santelmos luminosos que os distinguem como tal.
Temo profanar este templo, onde a palavra há de sempre se elevar; temo profaná-lo se não reverenciar ex imo corde a plêiade de insignes varões que imaginariamente se postam neste recinto, na lembrança de cada um, nas crônicas deste silogeu, na história de São João del Rei.
Mas, sabedor do espírito cristão de nossa gente, confortado ainda pela afirmação do Conde Carlos de Laet, de que, “neste habitáculo das letras, a tolerância não é somente uma virtude, mas uma exigência impreterível”, atrevo-me a falar em nome dos caros confrades da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette.

Nesta confiança, dirijo-me aos Senhores membros da Academia de Letras de São João del Rei para externar nossa satisfação ao prosseguirmos com o intercâmbio que se iniciou no último verão, quando recebemos atenciosa visita de uma comitiva são-joanense em nossa solenidade de final de ano. Eram os primeiros passos de um relacionamento mais próximo entre as duas entidades irmãs, aliás, um resgatar de relações passadas entre São João del Rei e Carijós, um reaproximar de duas pátrias irmãs.

Embora a Real Vila de Queluz tenha se emancipado da Vila de São José, em 1790, até a terceira década dos oitocentos esteve ligada à Comarca do Rio das Mortes, o que, daí em diante, não significou um distanciamento, conquanto já fosse acendrado o comprometimento fraterno de inspiração e de ideais.
Essa esplêndida significação orna esta especial oportunidade em que o resgate do passado destas duas cidades nos dá uma idéia viva da eternidade da correlação assim existente.
Carijós, como muitas outras localidades, surgiu no alvorecer da civilização mineira, após os áureos raios do sol da prosperidade ter se lançado sobre o Campo das Vertentes. E para lá seguiram os que por aqui passaram, e lá se fixaram muitos que aqui nasceram.
A partir daí, já se observa essa amizade que, apesar da distância geográfica, perduraria pelos séculos seguintes pelo afeto, pelos ideais e, principalmente, pela fé.
E por essas veredas do tempo vai-se acentuando essa convivência, como num dos mais inflamados instantes de nossa história, a Conjuração Mineira: aqui como um dos focos – por que não dizer o berço? – das aspirações democráticas em Minas; lá como uma espécie de parlamento dessas proposições, mais precisamente nas estalagens da Varginha e das Bandeirinhas.
O momento, no entanto, não era aquele. Precisava a brasilidade ser mais burilada, os ideais menos apaixonados, o pensamento mais solidificado nas convicções ortodoxas. Assim, quando o momento se fez oportuno, São João e Queluz se posicionaram, garantindo a integridade do Império do Brasil que se inaugurava. E, logo, logo, em dois momentos vemo-las juntas, marchando com os mesmos propósitos. O primeiro, na sedição de Ouro Preto em 1883, em imediata reação, nas palavras do Cônego José Antônio Marinho, “na heróica Vila de Queluz” levantou-se o movimento de resistência à rebelião e a Câmara de São João del Rei chamava ao presidente Manuel Inácio de Sousa e Melo para que aqui se instalasse o governo provisório. Isso, porém, não se sucedeu dada a firmeza com que se desbaratou os revoltosos. Poucos anos depois, ainda afligidos por inconseqüências reacionárias, levantou-se a coluna dos liberais, reunindo gente de cá e de lá na Revolução de 1842 que, não obstante terem vencido os legalistas, a bandeira dos derrotados, doravante, norteou muitas decisões de S. M. Dom Pedro II.
Minas se engrandecia cada vez mais; o Brasil se reafirmava como o grandioso Império do Cruzeiro do Sul, com a participação de ilustres personagens, entre muitos, que nasceram à sombra dos campanários são-joanenses e os que se refugiavam sob o cerúleo manto da Senhora da Conceição de Queluz.
E não poderia deixar de citar a receptividade do 11º Regimento de São João del Rei, num dos recentes e trágicos episódios da historia universal, quando para cá vieram 67 jovens lafaietenses se prepararem para lutarem no Velho Mundo, nos instantes decisivos da Segunda Grande Guerra Mundial
Em todos os momentos, São João e Conselheiro Lafaiete – desde os tempos de Carijós – miram dois destinos do desenvolvimento, a grandeza e a felicidade, não da maneira insensível como o mundo no-los apresenta hoje, racionalista, paganizada, como que na formação de uma “humanidade sem Deus”. Mas diferentemente, na convicção de que a crença em Deus é o mais firme alicerce da ordem social, correndo sempre a depositar na ara santa, baluarte inexpugnável da nacionalidade, os seus tributos de ação de graças.
Se se crê num Brasil hoje democrático, este estado tem um quê de mineiridade; vivificou-se com o bafejo das aspirações de nosso povo, desde aqui, para toda a Terra de Santa Cruz.

É por isso, Senhores, que nesta sessão em que se reafirmam os objetivos comuns dos que nos antecederam, se reafirmam, também, os objetivos comuns da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette e da Academia de Letras de São João del Rei. É como que para professarmos, unidos, os mesmos ideais de cultuar e preservar o idioma pátrio, com o qual se canta nossa história, com o qual melhor se expressa nossa cultura.
Externo nossa gratidão, primeiramente, ao professor João Bosco da Silva, que com sua participação no Concurso Literário promovido por nossa Academia possibilitou essa aproximação proposta pelo acadêmico Antônio Guilherme de Paiva e efetivada, hoje, sob os auspícios da presidência do acadêmico Wainer de Carvalho Ávila.
Doravante, mais unidos, continuaremos a defender nosso Brasil não apenas com o que nos impõe a cidadania, mas principalmente com os elementos, não menos indispensáveis, se não mesmo essenciais à existência da nacionalidade, que são a fé, a língua e as tradições culturais. Mercê de Deus Nosso Senhor, não se tem hoje muitas cidades descurado deste sacrossanto e patriótico dever, ao erguerem, ao lado dos templos religiosos, tão marcantes em nossa cultura, santuários, como este, da língua pátria e das tradições locais.
Hoje, quando muitos oscilam entre um estrangeirismo muitas vezes iconoclasta e um pseudo-nacionalismo rubro e indefinidamente equivocado, urge defendermos o patrimônio das riquezas imponderáveis da lídima brasilidade. E tal como o povo hebreu conservava outrora, na sua preciosa Arca da Aliança, toda revestida de ouro, o maná do deserto, as Tábuas da Lei e a vara florida de Arão, da mesma forma, guardemos e salvaguardemos, também nós, no escrínio de nossos cenáculos, o maná da fé patriótica, as tábuas da lei do civismo e o ramo sempre em flor das tradições de honra e bondade de nosso povo. Assim, fraternalmente unidos, marchemos resolutos e confiantes para o futuro, que é a Terra da Promissão, terra onde florescem, como rosas de Jericó, os ideais que não morrem, e dos quais somos destemidos propagadores, pois nos situam e nos consolam no tempo, cristalizando-nos no olimpo onde se imortalizam os feitos de nossas Academias.
Tenho dito.

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Eis-me aqui

Domingo passado, a comunidade do Colégio Nossa Senhora de Nazaré comemorou o jubileu de ouro de profissão religiosa da irmã Maria Ermelinda de Carvalho. Uma Santa Missa foi celebrada em ação de graças, reunindo, além da comunidade religiosa das Pequenas Irmãs da Divina Providência, familiares e amigos da jubilanda. Foram momentos oportunos para a reflexão sobre o entregar-se a Deus e o doar-se à sua obra. Durante a homilia, padre Lambert Noben ressaltou a grandiosidade dessa resposta ao chamado “Vem e segue-me”, feito por Nosso Senhor, cuja aceitação repercute pelo bem que se faz ao próximo, nessa entrega total.

Há muito, ouvimos falar da falta de vocações sacerdotais e religiosas. Certa vez, ouvi de um virtuoso sacerdote que se faltam vocações não é porque Deus não estaria chamando os “operários para sua messe”; são as pessoas que, envolvidas pelo burburinho dos atrativos do mundo, não se permitem ouvir a voz divina que, insistente, sussurra-lhes: “Vem e segue-me”. As promessas do mundo são sedutoras, assim como humanamente foram sedutoras as tentações do demônio a Jesus; decerto, outra cousa não poderia se esperar deste reino cujo príncipe já foi julgado.

A família também é responsável por essa insistente omissão de tantos que são chamados e não se empenham em ser escolhidos. “Se não existem religiosos santos, é porque não temos famílias santas”, asseverara o referido sacerdote. Realmente, na intimidade da família é que se molda o caráter das pessoas e, principalmente, se acende a flama da piedade no coraçãozinho dos pequenos, para que, doravante, arda a fé inabalável que há-de sustê-los por toda a vida, qual uma armadura que protegerá esses valentes soldados de Cristo nos combates contra o mundo, contra a carne e contra o demônio.

Uma das causas dessa escassez de vocações também foi apontada pelo Papa Bento XVI, na segunda-feira última, dia 18, durante audiência aos membros do Conselho para as relações entre a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica e as Uniões Internacionais dos Superiores e Superioras Gerais: o processo de secularização que avança na cultura contemporânea, influenciado até as comunidades religiosas. O Sumo Pontífice antevê, no entanto, uma força do Espírito Santo movendo muitas “almas generosas dispostas a abandonar tudo e todos para abraçar Cristo e o seu Evangelho. (...) É o desejo comum, partilhado com pronta adesão, de pobreza evangélica praticada de maneira radical, amor fiel à Igreja e generosa dedicação ao próximo necessitado, com especial atenção às pobrezas espirituais tão presentes na nossa época”.

Esse fenômeno observado pelo Beatíssimo Padre é semelhante ao que moveu irmã Ermelinda quando deu o seu “eis-me aqui”, em resposta ao chamado divino. Cada vocação é como um redescobrir do carisma de cada congregação. A aceitação é mais um impulso ascético, apostólico e missionário no processo de redenção da humanidade. Que o exemplo da entrega total de irmã Ermelinda seja um incentivo para muitos que anseiam, mas ainda titubeiam, em corresponder ao convite que Nosso Senhor faz para que “leve a pleno cumprimento a obra por ele iniciada”, como nos exorta o Santo Padre.



quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Desastres históricos

Há momentos na história que mais parece o rumo das cousas ter se desviado dos desígnios divinos. Há sempre uma mostra disso. Portugal, nossa Pátria-Mãe, lembrou-se, comovida, na última semana, do centenário de um desses instantes, o regicídio de Dom Carlos e do Duque de Bragança, Dom Luís Felipe. Como era de se esperar, os meios de comunicação não se aprofundaram no tema, ou fizeram-no sem se aprofundar no que causara esse lamentável desfecho, até a queda da monarquia naquele país, dois anos depois. Na comemoração do último sábado, no Terreiro do Paço, local onde o Rei e o Príncipe Herdeiro foram friamente assassinados, diante dos súditos que os aclamavam, uma solenidade lembrou o fatídico 1º de fevereiro de 1908, seguindo-se uma Santa Missa na Igreja de São Vicente e visita ao mausoléu onde jazem os restos mortais daqueles mártires da monarquia lusitana, naquela mesma igreja.
Ainda fazia-se moda pelo mundo derrubar as monarquias a todo custo. Era um assanhamento que se despontara ainda lá pelos setencentos, incendiado pelos iluministas, e que foi formando proselitistas pelos anos seguintes, moldando novas correntes ideológicas, provocando um caos nas sociedades. “Quanto mais uma calúnia custa a acreditar, maior é a memória dos tolos a fixar”, diz Casimir Delavigne, e desta forma foram disseminando suas loucuras influenciando até hoje os pensadores modernos, com rastros de desilusões e até de sangue pelos séculos passados. Essa observação teve-a o padre Pedro Quintela, que, na solenidade no Terreiro do Paço, referiu-se a Dom Carlos como um rei nobre e valente, morto pelas balas de ódio, cegueira, injustiça e ressentimento.
“Haverá flagelo mais terrível do que a injustiça de armas na mão?”, indagava Aristóteles, e a resposta obtiveram-na os portuguesas nos anos seguintes, com a famigerada república a partir de 5 de outubro de 1910, as inconstâncias políticas de um regime nada consolidado num país de tradição monárquica, a ditadura que, apesar de tudo, protegeu Portugal da sanha comunista que ameaçava o mundo em meados do século passado, mas estendendo-se por anos de repressão. Esse foi o prêmio dado pela República aos portugueses.
E aí, não mais apenas os monarquistas ou saudosistas, buscam compreender o que se perdeu desde 1908 a 1910 na assimilação do processo histórico. E aí bem se cabe a sentença do também português Alexandre Herculano: “Se mandarem os reis embora, hão de tornar a chamá-los”.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

O direito à vida

Na última quarta-feira, iniciou-se no Brasil a Campanha da Fraternidade, promovida desde 1963 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A cada ano, um tema é apresentado pelo episcopado para a reflexão de todos, atento à realidade e à necessidade do momento. Há dois anos já havia sido definido o tema para 2008: “Fraternidade e defesa da vida”. A vida: graça de Deus para os crentes e um mero existir pelos céticos, mas à qual se apegam uns e outros, numa desconfiança do porvir após a morte ou simples gostar de viver. Com isso, buscam-se recursos muitos para prolongar a presença de cada um neste mundo.

Entretanto, esse desejo de viver, esse apego ao mundo, acaba por conduzir o mundo por sendas em que essa vontade se acentua de tal forma que priva essa graça ou direito de outrem. Assim temos, numa primeira percepção, a polêmica do aborto. Por que praticá-lo? Seria por egoísmo, por não querer dividir-se com alguém? Seria por tamanho amor-próprio que não se permitiria doar a uma parcela sua que também se faz homem? Como detestar a carne de sua carne, o sangue de seu sangue, mesmo que essa concepção tenha sido traumática ou, como dizem, indesejada? Seria tanta soberba a ponto de se julgar senhor da vida? Da mesma forma a eutanásia é defendida, como se a vida dependesse apenas da vontade do homem.

Daí se segue também outra polêmica questão, que é a do uso dos preservativos e contraceptivos. Constatam-se, então, os equívocos que desnorteiam a conduta do homem – em nosso caso dos brasileiros – e querem impor ao mundo e até à natureza a “ordem” que defendem. São sem sentido as críticas que lançam contra a Igreja, como se ela fosse uma mera entidade, regida por estatutos humanamente alteráveis ao bel prazer de seus dirigentes e à necessidade do comodismo que se busca em nossos dias. Ora, a Igreja é uma instituição divina – para os que assim crêem e como ela mesmo se define – e a ortodoxia de sua doutrina é imutável, assimilada em todos os tempos sem interpretações relativistas. Ao se opor ao uso de preservativos ou contraceptivos ela não se mostra insensível aos riscos de se contrair doenças sexualmente transmissíveis ou outras “conseqüências”, como a de gestações indesejadas; ela tanto se preocupa que indica o remédio que possui para isso, que é a prática da castidade segundo o estado de vida. Ridículo? Não. Ridículo é sair por aí gozando a vida feito animais irracionais, atraídos pelo cheiro ou seduzidos pelas formas, desrespeitando-se e aos outros também.

E por aí se seguem outras tantas desordens que colocam em risco a vida humana. O desejo incontrolável do ser, do ter e do poder levam o homem, desestruturado moralmente, buscar a afirmar-se à custa de tudo o que tem ao seu alcance. Assim vemos o domínio que se vai aumentando sobre o sofrimento, seja ele físico ou moral, dos outros. Atualmente, no Brasil, o tráfico de drogas é um dos responsáveis pela desorientação social, a desestruturação das famílias e pelo fracasso de muitos jovens. Para sorver de um prazer momentâneo, efêmero, vão se destruindo. Isso é conseqüência de uma neo-barbárie a que assistimos impor seus limites, definindo seus domínios, é quase como que uma guerra civil que ameaça deflagrar-se - senão já em combate – sem nenhum motivo étnico ou ideológico, simplesmente pelo mostrar-se mais forte, como os bárbaros de antanho.

Por isso, a CNBB propõe a reflexão sobre o direito à vida, orientando a defesa e a promoção da existência humana, desde a sua concepção até à morte natural, “compreendida como dom de Deus e co-responsabilidade de todos na busca da sua plenificação, a partir da beleza e do sentido da vida em todas as circunstâncias, e do compromisso ético do amor fraterno” (cfr. Texto-base da CF 2008).