Discurso proferido na reunião conjunta da ACLCL com a Academia de Letras de São João del Rei, dia 30/09/2007, naquela cidade.
É indescritível a sensação que nos toma neste instante em que, qual num ato litúrgico, reunimo-nos nesta solenidade, inspirados pelos sentimentos fraternos e pelo civismo que nos move a alistarmo-nos nas fileiras que pugnam pela preservação do belo, das artes, de nossa cultura em geral.
E a essa sensação se soma a emoção de poder falar a tão eminentes confrades, guardiões deste templo sagrado, onde se conservam as referências literárias, zelosos pelos valores desta urbe que se constitui um pilar sagrado das tradições mineiras.
“Solve calceamentum de pedibus tuis:
lócus enim, in quo stas, terra sancta est.” (Ex3,5)
Sinto este sussurrar divino aos meus ouvidos. A terra onde piso é sagrada, pois nela se alteou, solidamente, os marcos que direcionam o caminhar da história. Aqui se levantou a cruz primeiro, antes daquelas que viriam a ser o centro governamental destas terras, a cujo reflexo floresceu a fé católica que se espalhou pelas Gerais. Aqui se travaram as primeiras lutas pela consolidação do que é hoje nosso grandioso Estado.
Não deitaria incenso nos turíbulos que perfumam este panteão, se fosse tíbia a devoção pela terra onde impera a Virgem do Pilar, se não me convencessem os grandes feitos de seu bom povo nesses três séculos de história.
E me sinto, nesta tribuna, temeroso pela responsabilidade que se me impõe, ao dirigir-me à fina flor da intelectualidade são-joanense, que, em meio às tempestades das paixões e críticas desencontradas, peculiares numa sociedade inconsciente, não pensante, acende em suas frontes os santelmos luminosos que os distinguem como tal.
Temo profanar este templo, onde a palavra há de sempre se elevar; temo profaná-lo se não reverenciar ex imo corde a plêiade de insignes varões que imaginariamente se postam neste recinto, na lembrança de cada um, nas crônicas deste silogeu, na história de São João del Rei.
Mas, sabedor do espírito cristão de nossa gente, confortado ainda pela afirmação do Conde Carlos de Laet, de que, “neste habitáculo das letras, a tolerância não é somente uma virtude, mas uma exigência impreterível”, atrevo-me a falar em nome dos caros confrades da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette.
Nesta confiança, dirijo-me aos Senhores membros da Academia de Letras de São João del Rei para externar nossa satisfação ao prosseguirmos com o intercâmbio que se iniciou no último verão, quando recebemos atenciosa visita de uma comitiva são-joanense em nossa solenidade de final de ano. Eram os primeiros passos de um relacionamento mais próximo entre as duas entidades irmãs, aliás, um resgatar de relações passadas entre São João del Rei e Carijós, um reaproximar de duas pátrias irmãs.
Embora a Real Vila de Queluz tenha se emancipado da Vila de São José, em 1790, até a terceira década dos oitocentos esteve ligada à Comarca do Rio das Mortes, o que, daí em diante, não significou um distanciamento, conquanto já fosse acendrado o comprometimento fraterno de inspiração e de ideais.
Essa esplêndida significação orna esta especial oportunidade em que o resgate do passado destas duas cidades nos dá uma idéia viva da eternidade da correlação assim existente.
Carijós, como muitas outras localidades, surgiu no alvorecer da civilização mineira, após os áureos raios do sol da prosperidade ter se lançado sobre o Campo das Vertentes. E para lá seguiram os que por aqui passaram, e lá se fixaram muitos que aqui nasceram.
A partir daí, já se observa essa amizade que, apesar da distância geográfica, perduraria pelos séculos seguintes pelo afeto, pelos ideais e, principalmente, pela fé.
E por essas veredas do tempo vai-se acentuando essa convivência, como num dos mais inflamados instantes de nossa história, a Conjuração Mineira: aqui como um dos focos – por que não dizer o berço? – das aspirações democráticas em Minas; lá como uma espécie de parlamento dessas proposições, mais precisamente nas estalagens da Varginha e das Bandeirinhas.
O momento, no entanto, não era aquele. Precisava a brasilidade ser mais burilada, os ideais menos apaixonados, o pensamento mais solidificado nas convicções ortodoxas. Assim, quando o momento se fez oportuno, São João e Queluz se posicionaram, garantindo a integridade do Império do Brasil que se inaugurava. E, logo, logo, em dois momentos vemo-las juntas, marchando com os mesmos propósitos. O primeiro, na sedição de Ouro Preto em 1883, em imediata reação, nas palavras do Cônego José Antônio Marinho, “na heróica Vila de Queluz” levantou-se o movimento de resistência à rebelião e a Câmara de São João del Rei chamava ao presidente Manuel Inácio de Sousa e Melo para que aqui se instalasse o governo provisório. Isso, porém, não se sucedeu dada a firmeza com que se desbaratou os revoltosos. Poucos anos depois, ainda afligidos por inconseqüências reacionárias, levantou-se a coluna dos liberais, reunindo gente de cá e de lá na Revolução de 1842 que, não obstante terem vencido os legalistas, a bandeira dos derrotados, doravante, norteou muitas decisões de S. M. Dom Pedro II.
Minas se engrandecia cada vez mais; o Brasil se reafirmava como o grandioso Império do Cruzeiro do Sul, com a participação de ilustres personagens, entre muitos, que nasceram à sombra dos campanários são-joanenses e os que se refugiavam sob o cerúleo manto da Senhora da Conceição de Queluz.
E não poderia deixar de citar a receptividade do 11º Regimento de São João del Rei, num dos recentes e trágicos episódios da historia universal, quando para cá vieram 67 jovens lafaietenses se prepararem para lutarem no Velho Mundo, nos instantes decisivos da Segunda Grande Guerra Mundial
Em todos os momentos, São João e Conselheiro Lafaiete – desde os tempos de Carijós – miram dois destinos do desenvolvimento, a grandeza e a felicidade, não da maneira insensível como o mundo no-los apresenta hoje, racionalista, paganizada, como que na formação de uma “humanidade sem Deus”. Mas diferentemente, na convicção de que a crença em Deus é o mais firme alicerce da ordem social, correndo sempre a depositar na ara santa, baluarte inexpugnável da nacionalidade, os seus tributos de ação de graças.
Se se crê num Brasil hoje democrático, este estado tem um quê de mineiridade; vivificou-se com o bafejo das aspirações de nosso povo, desde aqui, para toda a Terra de Santa Cruz.
É por isso, Senhores, que nesta sessão em que se reafirmam os objetivos comuns dos que nos antecederam, se reafirmam, também, os objetivos comuns da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette e da Academia de Letras de São João del Rei. É como que para professarmos, unidos, os mesmos ideais de cultuar e preservar o idioma pátrio, com o qual se canta nossa história, com o qual melhor se expressa nossa cultura.
Externo nossa gratidão, primeiramente, ao professor João Bosco da Silva, que com sua participação no Concurso Literário promovido por nossa Academia possibilitou essa aproximação proposta pelo acadêmico Antônio Guilherme de Paiva e efetivada, hoje, sob os auspícios da presidência do acadêmico Wainer de Carvalho Ávila.
Doravante, mais unidos, continuaremos a defender nosso Brasil não apenas com o que nos impõe a cidadania, mas principalmente com os elementos, não menos indispensáveis, se não mesmo essenciais à existência da nacionalidade, que são a fé, a língua e as tradições culturais. Mercê de Deus Nosso Senhor, não se tem hoje muitas cidades descurado deste sacrossanto e patriótico dever, ao erguerem, ao lado dos templos religiosos, tão marcantes em nossa cultura, santuários, como este, da língua pátria e das tradições locais.
Hoje, quando muitos oscilam entre um estrangeirismo muitas vezes iconoclasta e um pseudo-nacionalismo rubro e indefinidamente equivocado, urge defendermos o patrimônio das riquezas imponderáveis da lídima brasilidade. E tal como o povo hebreu conservava outrora, na sua preciosa Arca da Aliança, toda revestida de ouro, o maná do deserto, as Tábuas da Lei e a vara florida de Arão, da mesma forma, guardemos e salvaguardemos, também nós, no escrínio de nossos cenáculos, o maná da fé patriótica, as tábuas da lei do civismo e o ramo sempre em flor das tradições de honra e bondade de nosso povo. Assim, fraternalmente unidos, marchemos resolutos e confiantes para o futuro, que é a Terra da Promissão, terra onde florescem, como rosas de Jericó, os ideais que não morrem, e dos quais somos destemidos propagadores, pois nos situam e nos consolam no tempo, cristalizando-nos no olimpo onde se imortalizam os feitos de nossas Academias.
Tenho dito.
É indescritível a sensação que nos toma neste instante em que, qual num ato litúrgico, reunimo-nos nesta solenidade, inspirados pelos sentimentos fraternos e pelo civismo que nos move a alistarmo-nos nas fileiras que pugnam pela preservação do belo, das artes, de nossa cultura em geral.
E a essa sensação se soma a emoção de poder falar a tão eminentes confrades, guardiões deste templo sagrado, onde se conservam as referências literárias, zelosos pelos valores desta urbe que se constitui um pilar sagrado das tradições mineiras.
“Solve calceamentum de pedibus tuis:
lócus enim, in quo stas, terra sancta est.” (Ex3,5)
Sinto este sussurrar divino aos meus ouvidos. A terra onde piso é sagrada, pois nela se alteou, solidamente, os marcos que direcionam o caminhar da história. Aqui se levantou a cruz primeiro, antes daquelas que viriam a ser o centro governamental destas terras, a cujo reflexo floresceu a fé católica que se espalhou pelas Gerais. Aqui se travaram as primeiras lutas pela consolidação do que é hoje nosso grandioso Estado.
Não deitaria incenso nos turíbulos que perfumam este panteão, se fosse tíbia a devoção pela terra onde impera a Virgem do Pilar, se não me convencessem os grandes feitos de seu bom povo nesses três séculos de história.
E me sinto, nesta tribuna, temeroso pela responsabilidade que se me impõe, ao dirigir-me à fina flor da intelectualidade são-joanense, que, em meio às tempestades das paixões e críticas desencontradas, peculiares numa sociedade inconsciente, não pensante, acende em suas frontes os santelmos luminosos que os distinguem como tal.
Temo profanar este templo, onde a palavra há de sempre se elevar; temo profaná-lo se não reverenciar ex imo corde a plêiade de insignes varões que imaginariamente se postam neste recinto, na lembrança de cada um, nas crônicas deste silogeu, na história de São João del Rei.
Mas, sabedor do espírito cristão de nossa gente, confortado ainda pela afirmação do Conde Carlos de Laet, de que, “neste habitáculo das letras, a tolerância não é somente uma virtude, mas uma exigência impreterível”, atrevo-me a falar em nome dos caros confrades da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette.
Nesta confiança, dirijo-me aos Senhores membros da Academia de Letras de São João del Rei para externar nossa satisfação ao prosseguirmos com o intercâmbio que se iniciou no último verão, quando recebemos atenciosa visita de uma comitiva são-joanense em nossa solenidade de final de ano. Eram os primeiros passos de um relacionamento mais próximo entre as duas entidades irmãs, aliás, um resgatar de relações passadas entre São João del Rei e Carijós, um reaproximar de duas pátrias irmãs.
Embora a Real Vila de Queluz tenha se emancipado da Vila de São José, em 1790, até a terceira década dos oitocentos esteve ligada à Comarca do Rio das Mortes, o que, daí em diante, não significou um distanciamento, conquanto já fosse acendrado o comprometimento fraterno de inspiração e de ideais.
Essa esplêndida significação orna esta especial oportunidade em que o resgate do passado destas duas cidades nos dá uma idéia viva da eternidade da correlação assim existente.
Carijós, como muitas outras localidades, surgiu no alvorecer da civilização mineira, após os áureos raios do sol da prosperidade ter se lançado sobre o Campo das Vertentes. E para lá seguiram os que por aqui passaram, e lá se fixaram muitos que aqui nasceram.
A partir daí, já se observa essa amizade que, apesar da distância geográfica, perduraria pelos séculos seguintes pelo afeto, pelos ideais e, principalmente, pela fé.
E por essas veredas do tempo vai-se acentuando essa convivência, como num dos mais inflamados instantes de nossa história, a Conjuração Mineira: aqui como um dos focos – por que não dizer o berço? – das aspirações democráticas em Minas; lá como uma espécie de parlamento dessas proposições, mais precisamente nas estalagens da Varginha e das Bandeirinhas.
O momento, no entanto, não era aquele. Precisava a brasilidade ser mais burilada, os ideais menos apaixonados, o pensamento mais solidificado nas convicções ortodoxas. Assim, quando o momento se fez oportuno, São João e Queluz se posicionaram, garantindo a integridade do Império do Brasil que se inaugurava. E, logo, logo, em dois momentos vemo-las juntas, marchando com os mesmos propósitos. O primeiro, na sedição de Ouro Preto em 1883, em imediata reação, nas palavras do Cônego José Antônio Marinho, “na heróica Vila de Queluz” levantou-se o movimento de resistência à rebelião e a Câmara de São João del Rei chamava ao presidente Manuel Inácio de Sousa e Melo para que aqui se instalasse o governo provisório. Isso, porém, não se sucedeu dada a firmeza com que se desbaratou os revoltosos. Poucos anos depois, ainda afligidos por inconseqüências reacionárias, levantou-se a coluna dos liberais, reunindo gente de cá e de lá na Revolução de 1842 que, não obstante terem vencido os legalistas, a bandeira dos derrotados, doravante, norteou muitas decisões de S. M. Dom Pedro II.
Minas se engrandecia cada vez mais; o Brasil se reafirmava como o grandioso Império do Cruzeiro do Sul, com a participação de ilustres personagens, entre muitos, que nasceram à sombra dos campanários são-joanenses e os que se refugiavam sob o cerúleo manto da Senhora da Conceição de Queluz.
E não poderia deixar de citar a receptividade do 11º Regimento de São João del Rei, num dos recentes e trágicos episódios da historia universal, quando para cá vieram 67 jovens lafaietenses se prepararem para lutarem no Velho Mundo, nos instantes decisivos da Segunda Grande Guerra Mundial
Em todos os momentos, São João e Conselheiro Lafaiete – desde os tempos de Carijós – miram dois destinos do desenvolvimento, a grandeza e a felicidade, não da maneira insensível como o mundo no-los apresenta hoje, racionalista, paganizada, como que na formação de uma “humanidade sem Deus”. Mas diferentemente, na convicção de que a crença em Deus é o mais firme alicerce da ordem social, correndo sempre a depositar na ara santa, baluarte inexpugnável da nacionalidade, os seus tributos de ação de graças.
Se se crê num Brasil hoje democrático, este estado tem um quê de mineiridade; vivificou-se com o bafejo das aspirações de nosso povo, desde aqui, para toda a Terra de Santa Cruz.
É por isso, Senhores, que nesta sessão em que se reafirmam os objetivos comuns dos que nos antecederam, se reafirmam, também, os objetivos comuns da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette e da Academia de Letras de São João del Rei. É como que para professarmos, unidos, os mesmos ideais de cultuar e preservar o idioma pátrio, com o qual se canta nossa história, com o qual melhor se expressa nossa cultura.
Externo nossa gratidão, primeiramente, ao professor João Bosco da Silva, que com sua participação no Concurso Literário promovido por nossa Academia possibilitou essa aproximação proposta pelo acadêmico Antônio Guilherme de Paiva e efetivada, hoje, sob os auspícios da presidência do acadêmico Wainer de Carvalho Ávila.
Doravante, mais unidos, continuaremos a defender nosso Brasil não apenas com o que nos impõe a cidadania, mas principalmente com os elementos, não menos indispensáveis, se não mesmo essenciais à existência da nacionalidade, que são a fé, a língua e as tradições culturais. Mercê de Deus Nosso Senhor, não se tem hoje muitas cidades descurado deste sacrossanto e patriótico dever, ao erguerem, ao lado dos templos religiosos, tão marcantes em nossa cultura, santuários, como este, da língua pátria e das tradições locais.
Hoje, quando muitos oscilam entre um estrangeirismo muitas vezes iconoclasta e um pseudo-nacionalismo rubro e indefinidamente equivocado, urge defendermos o patrimônio das riquezas imponderáveis da lídima brasilidade. E tal como o povo hebreu conservava outrora, na sua preciosa Arca da Aliança, toda revestida de ouro, o maná do deserto, as Tábuas da Lei e a vara florida de Arão, da mesma forma, guardemos e salvaguardemos, também nós, no escrínio de nossos cenáculos, o maná da fé patriótica, as tábuas da lei do civismo e o ramo sempre em flor das tradições de honra e bondade de nosso povo. Assim, fraternalmente unidos, marchemos resolutos e confiantes para o futuro, que é a Terra da Promissão, terra onde florescem, como rosas de Jericó, os ideais que não morrem, e dos quais somos destemidos propagadores, pois nos situam e nos consolam no tempo, cristalizando-nos no olimpo onde se imortalizam os feitos de nossas Academias.
Tenho dito.