sábado, abril 19, 2008

Sob um pseudônimo

Quando o diretor do Jornal CORREIO convidou-me para ocupar este espaço, após a morte do Gilberto Victorino, optei por adotar um pseudônimo. Essa opção não foi para sentir-me à vontade para falar sobre o que quisesse, até porque qualquer irresponsabilidade traria à cena o verdadeiro autor. Desejei, a princípio, que os leitores não se deixassem influenciar pelo nome que subscreveria o texto. Depois, para que o discurso não se contradissesse com meus atos; ademais, minha conduta pessoal - enquanto não prejudica a ninguém, direta ou indiretamente - só me diz respeito. Sou um pecador; prefiro adotar este termo, por minhas convicções religiosas, sem hipocrisia. Jamais lançaria mão de minhas limitações e fragilidades para fazer apologia à libertinagem. Por isso adotei um pseudônimo.
E recebo, de certa forma surpreso, no início desta semana, um e-mail do secretário municipal de Cultura censurando a crônica da semana passada. Lamentei profundamente não ter ele compreendido o teor do texto e, pior ainda, ter se definido, ao seu livre arbítrio, nas entrelinhas, o que, aliás, desmentiu as lisonjas ao estilo literário do articulista, incapaz de se fazer compreendido. Equivocado sobre valores evangélicos, apoiado no relativismo dos princípios da caridade fraterna, sem se comprometer com a verdade - "o vosso falar seja sim sim, não não; porque tudo o que passa disso vem do Maligno" (Mt 5,37) [note bem, esse relativismo é quem falta com a verdade, não o missivista, para que não haja dúvidas] - insinua um cinismo no discurso daquele que, até então crente de sua amizade, sente-se, desde então, como um desafeto.
Quod scripsi, scripsi. Não o fiz movido por nenhum ressentimento, até mesmo porque, confesso, não via motivos para desacreditar nos trabalhos que vinham sendo realizados pela administração municipal; cheguei a ressaltar isso, em algumas circunstâncias, impressionado pelo que observava em determinados setores. Minhas simpatias políticas, embora nem um pouco influenciadas por rubras ideologias, também não influenciaram minhas letras, porque no atual sistema nada me seduz, como já me expressei noutras oportunidades, aqui neste mesmo espaço, sob um pseudônimo. Quanto ao odor de minha carne, já sinto o ar da putrefação há tempos, não pela insolência com que é apontada, mas pelas chagas purulentas da decepção. Deus louvado, são essas mesmas vúlneras, com esse fedor repugnante, que me fazem lembrar, a todos os momentos, que nada sou. Nenhum elogio é capaz de me iludir, da mesma forma que nenhuma condição temporária me convence, muito menos do que a muitos que se dizem desapegados, por não necessitar delas para ser o que verdadeiramente sou: um miserável. E justamente por sê-lo não deveria incomodar tanto.
O secretário de Cultura, contudo, mostrou-se grato; uma grande virtude, uma obrigação moral para com aquele que o fez ser reconhecido pela sua competência. Quisera eu ter tamanha capacidade de externar o devotamento aos meus benfeitores; mas Deus sabe o quanto lhes sou grato. E talvez tenha sido essa veemente dedicação que o fez tomar para si todo o ressentimento pela frustração e indignação que abateu a todos, traduzida neste espaço. Provavelmente, tenha lhe faltado melhor discernimento, o que compreendo - como disse, pela sua crença e sua dedicação. Tanto foi sua equivocada interpretação que quis se colocar entre os que se misturaram com os porcos. Conhecendo-o bem, jamais o imaginaria misturado à vara de corruptos. Lamentável e claramente, quando cito o grosseiro jargão, aí mesmo o preclaro missivista não entendeu patavina.
Só deploro que, por algo passageiro, aquele que sempre tive em alta conta prefira a amargura do ressentimento. Não me decepciono com isso, porque sempre lhe devotei admiração e amizade sinceras, mesmo diante daqueles que tentavam menosprezá-lo - independente do seu estar no poder -, e com tal intensidade o fazia que nenhuma palavra de sua refutação me tocou, tanto por isso, quanto pelo equívoco de sua interpretação.
Saiba, portanto, o missivista, que sempre me foi tão caro, e mesmo assim o continuará sendo, que seu comentário chegou-me às mãos sem me causar nenhum tormento. Sed quod scripsi, scripsi.