A exclamação de uma casta saudosa e esperançosa ainda ecoa pelas terras lusitanas: “El Rei voltará!” Já não mais uma indagação, mas a certeza de que um dia, quando estiverem ainda “a ver navios”, ei-lo que surgirá com toda a sua majestade e, até certo ponto, antagônica inocência. O jovem Rei que desaparecera na célebre Batalha de Alcácer Quibir, na África, protótipo de um monarca dotado das virtudes necessárias para esse múnus, passou ao olimpo da imortalidade por simplesmente ter desaparecido. Não se mostrara um grande líder - era jovem demais para fazê-lo. Mas, apenas a valentia de partir e ir lutar para maior glória de Deus, reforçada, quiçá, pelo testemunho daqueles que o rodearam, não foi o suficiente para transformá-lo em um mito, sobrevivendo, até hoje, no imaginário português, especificamente, desde os meados do segundo milênio; todo um prelúdio histórico e um instante oportuno possibilitaram, do desaparecimento de um rei, o surgimento de um mito. Esse episódio envolvendo religiosidade e patriotismo marca o surgimento de uma nova maneira de esperar, ou pelo menos a configura desta forma. A esperança que o povo português passa a alimentar a partir daquele verão de 1578 decorre não apenas do desaparecimento de um “rei querido”; mais que isso, fere-lhe o patriotismo, sucedendo-se uma crise dinástica que perdurou por cerca de seis décadas. E esse é o principal motivo que faz do rei menino um mito, associando-se à sua imagem uma ideologia messiânica que atravessa, de forma singular, a história de Portugal, desde o Século XVI, acreditando no advento iminente de um rei libertador. Aí, então, inaugura-se o “sebastianismo” que, além da fé no regresso de El Rei, é um conjunto de temas messiânicos sucessivamente reelaborados em contextos de crise e de indefinição política; aliás, usado também como arma, num avivamento dos valores nacionalistas do povo, baseando-se nas profecias do sapateiro de Bandarra, e reiterado nos sermões do Padre Vieira, no contexto das invasões e no miguelismo, em Antônio Pires Sardinha, Fernando Pessoa, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão, entre outros; enfim, no imaginário popular, onde o sebastianismo assumiu uma enorme importância, dando expressão a um desejo persistente de libertação da miséria e opressão quotidianas. A tragédia, o sofrimento e a esperança são que alimentam o sebastianismo há séculos; na angústia de um povo, a crença no porvir. Sem perder o controle da compreensão da mentalidade e da estrutura que sustentam esse mito, há de sempre buscar a influência que tal sentimento vem exercendo no sentimento de portugueses e, por legado, dos brasileiros em alguns estudos. Dom Sebastião apresenta-se como uma figura controversa, inspirando admiração e ódio ao mesmo tempo, diferentemente para cada pessoa, indo de messias a cretino, de salvador a demente, inspirando paixões e atiçando polêmicas. Isso, porque estudam-no enquanto homem, e não como um mito, pois é desta forma como ele se apresenta, tendo hoje se tornado um fenômeno social e elemento inerente da alma humana. Daí compreender-se-á por que, no âmago de cada um, desde aquele surto apocalíptico dos quinhentos, ainda suspira a esperança de que “El Rei voltará!”
Quase seiscentos anos após sua morte, só agora, para gáudio dos portugueses – e por que não também dos brasileiros –, foi canonizado o carmelita Nuno de Santa Maria (nascido Nuno Álvares Pereira – 1360-1431). Um dos grandes heróis lusitanos, Nuno Álvares, que recebeu o título de “Condestável do Reino” por Dom João I, o Mestre de Avis, apresenta-se desde a sua época aos homens de fé como exemplo de cristão exemplar e súdito fiel, defendendo sua religião e sua pátria, convicto de sua missão. Foi um militar destemido, mas, antes, um católico fervoroso que, tendo encerrada sua carreira, recolheu-se na vida religiosa e, nutrindo-se da espiritualidade carmelita, tornou-se exemplo de humildade, trabalhando na portaria do convento que mandara erigir em Lisboa e como esmoler, atendendo aos pobres; aliás, dizem que aí se iniciou a “sopa dos pobres”, que ele servia aos que batiam à porta pedindo-lhe um adjutório. O nacionalismo acendrado do bom povo português tende a cultuar o mais novo lusitano elevado à glória dos altares pelos seus feitos notáveis, como vencedor de grandes batalhas que garantiram a unidade do Reino, como a de Aljubarrota, cantada por Camões n’Os Lusíadas. Era o modesto Portugal enfrentando o brutal exército de Castela, contando mais com a coragem e a austeridade de seu comandante, Dom Nuno, do que com os recursos bélicos, tão primitivos ainda naquela época. Alguns de seus biógrafos, numa interpretação sobrenatural de sua vida, creditam essas vitórias à sua fé e ao mais puro desejo de assegurar a catolicidade de sua terra. Parecia antever as tristes divisões marcadas pelo Cisma do Ocidente, em que Castela, por interesses políticos, aliou-se ao anti-papa de Avinhão, enquanto Portugal manteve-se fiel ao Bispo de Roma. Mas é ao final de sua vida que empreende a mais terrível batalha, atento, certamente, à admonição de São Paulo: “não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares” (Ef 6,12). Preparou-se, então, com as armas espirituais, ou seja, a armadura da justiça, a espada do Espírito, o escudo da fé, a oração, a disponibilidade para anunciar o Evangelho na construção de um reino de paz, perseverante na prática do bem. Ao cerrar os olhos para este mundo, enquanto entregava sua alma inteiramente a Deus, traduzia-se seu necrológio em testemunho de uma vida ornada de virtudes, reconhecidas pelo Papa Bento XV, em 1918, quando o beatificou, e agora pelo papa Bento XVI, que o canonizou. A figura de São Nuno de Santa Maria propõe-nos a tomada de decisões desprendidas de quaisquer interesses, senão os de fazer o bem pelo amor de Deus. É desta forma que ele ainda se nos apresenta, de um caráter íntegro, de convicções coerentes, de atitudes santas, no recolhimento da cogula do devotamento e da humildade, aquecido pelo amor abrasado de Jesus, guiando-se pela luz do Evangelho. São Nuno de Santa Maria, rogai por nós!
Neste dia, 23 de abril, comemora-se o natalício do Professor Alberto Libânio Rodrigues (1953-2000). Passados nove anos desde o seu falecimento prematuro, no dia 13 de outubro, seu nome ainda permanece vivo no meio cultural de Conselheiro Lafaiete, sua terra natal que tanto amou, cultuou e a divulgou.
Por isso, neste dia, reverenciamos sua memória, em reconhecimento ao seu trabalho como jornalista e agente cultural, além de escritor, historiador e poeta, dotado de uma verve como poucos a possuíram. Ao mesmo tempo em que se mostrava condoreiro, seus textos eram claros e diretos, granjeando admiradores sinceros e desafetos incontidos. Mas com o bom humor e a sinceridade que lhe eram peculiares, Alberto Libânio vivia destemidamente com todos, fosse falando, fosse empunhando sua pena, aliás, temida por muitos.
Sua estréia na imprensa foi num momento em que ela ainda era manipulada, servil aos interesses do partidarismo político interiorano, como vinha acontecendo desde o limiar da República, nos últimos anos do século XIX. Este era o perfil do jornalismo em Conselheiro Lafaiete até a década de 70. Por cerca de 80 anos, a imprensa esteve quase sempre nas mãos dos líderes políticos, sob o comando de partidos distintos que lançavam mão dela para “doutrinar” seus eleitores.
No momento em que a cidade inicia uma nova fase, em todos os aspectos, tanto questões sociais e culturais, influenciada, talvez, ainda pelos influxos de revolução de conceitos em todos o mundo desde o pós-guerra, como questões sócio-econômicas, principalmente com o advento da siderurgia, a partir da implantação da Aços Minas Gerais, em Ouro Branco, nos anos 70, nesse momento a imprensa passa por uma reformulação. Os primeiros sinais desse revigoramento jornalístico – para não dizer implantação de um novo jornalismo na cidade – puderam ser sentidos em “O Processo” (1972-1978), mas a efetivação desse alvorecer de uma nova e importante fase da história da comunicação em Conselheiro Lafaiete deu-se com a criação do jornal “Panorama” (1978-1984).
A cidade teve o seu primeiro jornal em 1894. No entanto, desde essa época, as publicações sempre estiveram nas mãos de um determinado grupo político ou de alguém que se deixasse influenciar – de certa forma até ser manipulado –, fosse pela situação governista, fosse pela oposição. Dezenas de títulos já haviam encabeçado os semanários, quinzenários, até mensários, destinados a informar a população de Queluz e, posteriormente, de Conselheiro Lafaiete. Nenhum deles, entretanto, encorajara-se a enfrentar a política local, exercendo um jornalismo imparcial, ou menos tendencioso. E isso se deveu, e muito, a Alberto Libânio, com destaque para sua atuação no jornalismo.
O futuro de um filho de um alfaiate e de uma costureira, que teve uma infância difícil, principalmente após o pai ter sido acometido por um derrame; aluno relapso na escola, reprovado em algumas séries do antigo curso ginasial e concluindo os estudos secundários em exames supletivos talvez não fosse promissor, se se tentar traçar seu perfil intelectual a partir daí.
Alberto Libânio Rodrigues foi esse menino que nunca conquistou boa condição financeira. Mas se projetou de maneira significativa quando, após alguns fracassos, definiu “o que queria fazer da sua vida” e pôs-se a lutar pelos seus objetivos. O que fora uma iniciação profissional - mais uma forma de ajudar à mãe, então viúva, no sustento da casa, com parcos cruzeiros -, despertou o interesse do menino de apenas 12 anos de idade, quando entrou pela primeira vez numa gráfica de jornal, tendo seu primeiro contato com os tipos de chumbo, a tinta e o papel, até tomar gosto pela leitura das notícias. A partir desse contato despretensioso com a imprensa, despertou-lhe o interesse pelas artes gráficas, passando à redação, excursionando pela publicidade e marketing, até se firmar como jornalista destemido e atuante, considerado, hoje, um marco na história da imprensa em Conselheiro Lafaiete. Aliás, essa atuação verificou-se não apenas em sua cidade natal, mas também em outros municípios por onde passou, custando-lhe a tranqüilidade, uma melhor condição econômica e até amizades. Empedernido em suas concepções, não cedia às influências, menos ainda às pressões, e seguia determinado com seu propósito, sem se permitir o esmorecimento. “O grau de obsolescência da cabeça de muitas pessoas é, às vezes, maior que o Monte Sinai”, dizia Alberto Libânio.
Ele superou suas limitações, trabalhou incansável, reagiu contra sistemas políticos adotados em detrimento da liberdade de expressão e acabou se tornando uma referência para o jornalismo do interior. Aliás, foi nessa faina que participou da fundação da Associação dos Jornais do Interior de Minas Gerais (ADJORI-MG), em 1982, sob a orientação da Associação Brasileira de Jornais do Interior (ABRAJORI), exercendo o cargo de primeiro secretário em sua primeira diretoria.
O novo estilo que Alberto Libânio lançou na imprensa lafaietense, entre os anos de 1978 a 1984, tornou-se, pois, uma referência para os veículos de comunicação impressos que o sucederam na cidade, tanto a linha editorial, quanto os conceitos de empreendedorismo e de administração.
Mas seu talento não se conteve dentro de uma redação de jornal, apenas. Ele foi além, promoveu sua terra natal, idolatrada em seu célebre “Queluzíadas”, legado de patriotismo aos seus conterrâneos, profissão de fé numa terra que nasceu do idealismo, na abertura de novos caminhos que indicam o progresso. Como editor, promoveu o soerguimento e/ou aparecimento de muitas instituições e pessoas, entre literatos e pesquisadores. Seus estudos históricos e genealógicos o conduziram ao vetusto Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, onde ocupou a cadeira cujo patrono era o Cônego José Antônio Marinho. Na Academia Mineira de Trovas encontrou assento entre os magníficos trovadores do Estado e, em seu torrão natal, fundou a Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette, que o teve como presidente até o seu passamento. Era a realização de um antigo sonho, vislumbrado nos primórdios dos anos 80, de reunir os intelectuais lafaietenses num sodalício onde as aspirações comuns dos acadêmicos impulsionassem a cultura local.
E eis que seu sonho se realizou e perdura ainda hoje, pujante, empunhando o guião erguido por Alberto Libânio, cuja divisa bem define os nossos ideais: “Labore scriptisque ad immortalitatem”.
Homenagem da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette ao seu fundador.
Corações em prece se voltam à Cidade Eterna para saudar o Beatíssimo Padre Bento XVI. No dia 16 de abril, Sua Santidade completou 82 anos de vida, com muita disposição e aparente vitalidade, não obstante o jugo da idade e o fardo de seu ministério. No dia 19, comemora-se o quarto ano de seu pontificado. E é com veneração que o reverenciamos pela sua magnânima existência, dedicada a Nosso Senhor e à Sua Igreja. Ah! Quantas não terão sido as propostas que as circunstâncias em determinados momentos não ousaram tentar seduzi-lo? Quantos atrativos talvez, debalde, procuraram demovê-lo? Quantas armadilhas certamente lhe prepararam os asseclas de lúcifer para arrefecê-lo ao longo de sua peregrinação por este mundo? Em “A minha vida”, escrita no final do segundo milênio, o então Cardeal Joseph Ratzinger, testemunha essa experiência, que às vezes nos constrange - e que muito mais, no entanto, nos fortalece -, ao remeter-se à lenda de São Corbiniano. Conta-se que aquele santo bispo, indo para a Roma, teria sido surpreendido por um urso atacando o seu cavalo. O bispo teria subjugado o feroz animal, obrigando-o a levar o fardo que ia sobre o lombo do cavalo. “E também eu levei para lá tudo o que era meu, e de há vários anos a esta parte caminho com a minha missão e o seu peso pelas ruas da Cidade Eterna”, concluía o então Prefeito da Congregação Para a Doutrina da Fé. A figura do urso foi-lhe tão marcante que, ainda hoje, o Santo Padre o conserva em seu brasão pontifício. Bento XVI, por meio de seus escritos, homilias, discursos, alocuções, desde muito antes de chegar a Roma, ainda na sua saudosa Bavária, sempre ofereceu uma interpretação sobrenatural dos fatos e dos desígnios de Deus; a figura do urso é uma. Talvez, por isso, o Papa tenha relatado esse episódio do primeiro bispo daquela que foi sua sé episcopal. Ele se coloca na figura do urso e o fardo, o múnus episcopal com o qual chegou ao Limiar dos Apóstolos. Mas penso que o urso seriam as adversidades que nos ameaçam e às vezes nos atacam, contra quem lutamos durante nossa vida. O fardo é a doutrina que nos rege, é a graça que nos conduz pela via em busca da perfeição. São lições como esta que o Vigário de Cristo sempre apresenta para nossa reflexão, cousas do cotidiano, ou de fácil compreensão, para certificarmo-nos de que a santidade é um dom acessível por todos que a desejam e se dispõem a viver plenamente em união com Cristo. A eleição de Bento XVI há quatro anos surpreendeu a muitos, que ainda hoje têm em sua retina a imagem cativante de João Paulo II. Os epítetos de “Panzerkardinal” (Cardeal Blindado) e de “Grande Inquisidor”, que alguns injustamente lhe imputavam, devido à sua rígida ortodoxia dogmática, eram como que um entrave nos olhos daqueles que não queriam vê-lo como o vemos hoje: firme em seu Magistério, solícito em seu ministério, pai e pastor de todos aqueles que se deixam guiar pela sua cruz. Sua voz tranqüila, seu verbo preciso, sua presença austera revelam-nos a fonte onde hauri sua segurança: a oração. E na salmodia da Liturgia Diária, certamente, lhe consola o salmista: “Estarei sempre convosco, porque vós me tomastes pela mão. Vossos desígnios me conduzirão, e, por fim, na glória me acolhereis” (Sl 73, 23-24), suplicando-nos, ainda: “Rezai por mim, para que eu não fuja, por receio, diante dos lobos” (Homilia na Missa da Entronização, 24/04/2005). Ad multos annos, beatissime Pater!
Prorrompe dos cantos litúrgicos o “Aleluia”, anunciando que o Cristo ressuscitou verdadeiramente. É a explosão de uma alegria intensa diante de um acontecimento feliz, aguardado pelo povo de Israel, predito pelos profetas, sobrepondo-se a toda expectativa. “Louvai o Senhor!” é a expressão literal dessa interjeição que se seguirá a toda oração nas próximas semanas, na Igreja Católica, quando se constata efetivamente a conclusão do centurião diante da Cruz: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!” (Mt 27,54). É o legado daqueles que primeiro acreditaram em Deus, dirigindo-se a Ele dessa forma, agradecendo a providência especial que o protegeu nos momentos difíceis de sua existência.
O “Aleluia” remete-nos à libertação dos israelitas, agrilhoados no Egito, sem Pátria e sem altar, vítimas da tirania dos faraós, quando Deus ouviu o clamor desse povo e lembrou-se de Sua aliança (Ex 6,5). A celebração daquela primeira páscoa, a passagem do exílio à libertação, prefigurava, desde então, a passagem da morte para a vida. O sangue do cordeiro imolado assegurou a vida àquele povo sofredor. O sangue do verdadeiro Cordeiro, imolado na cruz, resgatou a humanidade cativa pelo pecado, restituindo-lhes a graça da vida eterna. “O Senhor é o herói dos combates (...), lançou no mar os carros do faraó e o seu exército” (Ex 15,3-4). O canto de Moisés era a expressão da alegria de toda aquela gente.
O “Aleluia” que se anuncia pelos cânticos alegres, pelo repicar dos sinos, é a manifestação da humanidade que vive na liberdade da graça de Deus, livre dos grilhões do pecado. É uma parcela do sentimento que São João anteviu desde Patmos, ao contemplar a Jerusalém celeste, ao ouvir os eleitos num só coro: “Aleluia! A nosso Deus, a salvação, a glória, e o poder, porque os seus juízos são verdadeiros e justos” (Apoc 19,1-2).
Cristo venceu a morte e os tormentos da Cruz. Ele vive, verdadeiramente. “Em virtude da Cruz, difundiu-se a alegria no mundo todo”, reza a Igreja na liturgia da Sexta-feira Santa. Essa alegria se renova todos os dias, a cada vez que o sacrifício incruento da Cruz se repete, anunciando o triunfo de Nosso Senhor Jesus Cristo, reunindo toda a grei num só canto de ação de graças: “Aleluia! Aleluia! Aleluia!”. Alegria que deve ser haurida em toda a sua plenitude, pois esse sentimento brota do mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Que benefício maior o homem poderia obter de Deus, senão a sua redenção?
“Aleluia!” é a expressão que se prorrompe dos corações fiéis, que louvam a Deus pela Sua misericórdia. “Aleluia!” é o sentimento que se esvai dos corações generosos, que buscam, por meio da caridade, da fraternidade, da entrega irrestrita a Deus, partilhar esse gáudio que nos toma pela graça de que um dia poderemos contemplar o Senhor face a face (Sl 41,3). “Aleluia! O Senhor ressuscitou verdadeiramente!"
Desde que iniciou o seu pontificado, há quase quatro anos, o Papa Bento XVI tem sido alvo de críticas decorrentes de uma aparente proposital má interpretação de suas palavras. Alguns vaticanistas atribuem esses equívocos a uma inoperância da assessoria de imprensa da Santa Sé; outros, a mais uma investida de anticlericais endemoninhados, o que em determinadas épocas acontece desde os tempos apostólicos. As palavras de Bento XVI, no entanto, não revelam nenhuma novidade. O que ele diz é o que a Igreja sempre ensinou; ele reafirma apenas o que vinha sendo esquecido em meio à confusão de um mundo conturbado por um progresso desordenado em todos os sentidos, que vai se paganizando, a ponto de influenciar uma secularização dos meios religiosos. A voz que se ecoa desde a colina vaticana é o Magistério Petrino apontando para todo o orbe as sendas da salvação. Impossível buscar atribuir a essa firmeza do ensinamento dogmático uma outra finalidade, senão a de nos resguardar da perdição do mundo, da carne e do demônio. Que outro interesse teria o Santo Padre em incitar todo o mundo a uma elevação espiritual, aspirando as cousas do alto, como nos exorta São Paulo: “Afeiçoai-vos às coisas lá de cima, e não às da terra” (Col 3,2)? E é no versículo seguinte dessa epístola que o Apóstolo nos lembra que estamos mortos, “e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus”; mortos para este mundo, livres em Deus – “inter mortuos liber”. O mundo, porém, não mais consegue ouvir o ensinamento da Igreja, ou melhor, não mais o quer ouvir. O comodismo, os atrativos, a irresponsabilidade são mais condizentes com o hedonismo, professado por todos aqueles que, pela sua ideologia, pelo seu posicionamento político, pela imoralidade, pela falta de caridade, por mera desfaçatez, intentam contra o Corpo Místico de Cristo. Causa-me estranheza quando se levantam contra a Igreja, mais especificamente contra o Santo Padre, como que lhe cobrando uma retratação. Ora, não se cobram explicações, senão quando se deseja uma compreensão clara, movida pelo anseio de aprender, de assimilar, de professar. Como podem os muçulmanos ouvirem o Papa, se não o reconhecem como Vigário de Cristo? Com que direito os judeus cobram explicações da Igreja, se “a Luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a Luz, pois as suas obras eram más” (Jo 3,19)? Como se levantarão os ociosos morais e buscarão a emenda, se preferem a satisfação que o mundo lhes oferece? Jesus diz a Nicodemos que “quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado” (Jo 3,18). A voz do Papa é tão simplesmente a reafirmação da doutrina cristã. “Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3,17). Sim! Seja salvo por Ele, pelo seu ensinamento, pelo seu sacrifício, “para dar testemunho da verdade”. Esse mundo que hostiliza o Cristo é o mesmo que, desde a Criação, intenta contra o homem, flagela a humanidade contra a sua dignidade, atraindo sempre mais asseclas, reunidos hoje em movimentos, instituições, ongs, seitas religiosas, grupos ideológicos, enfim todos aqueles que, surdos diante do Magistério da Igreja, cegos diante da Cruz, preferem, talvez, ser contados entre aqueles que já foram condenados: “Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos” (Mt 25,41).
Costuma-se ouvir: “No meu tempo as cousas eram diferentes!” Exclamação comum em diversas ocasiões. Não precisa ser do tempo do Onça para se notar as nuanças no trato, nos modos e na moda. Se por séculos as boas maneiras foram por muitos bem assimiladas e repassadas de pai para filho, nas últimas décadas essa capacidade pouco se a admite nas relações familiares, diretamente entre os varões e seus rebentos buliçosos, que logo querem se desprender da rama para, onde caírem, tentarem se enraizar e ter vida própria. Mais uma vez, deparamo-nos com o anseio por liberdade. O homem foi criado livre, é livre, mas não contenta com essa liberdade; quer sempre mais.
As crianças de hoje são bastante diferentes das de antanho. Talvez pelo excesso de informação que absorvem dos meios de comunicação, elas se intrometem nas palestras, sem nenhum pudor, nem temor de repreensão. Os temas preferidos são aqueles que, até há pouco, era “conversa de gente grande”. Esses são geralmente as mais observadas, ainda quando se trata da vida alheia, de futilidades mundanas, gostos e desgostos pessoais, enfim, nada mais profundo. Lamenta-se isso, pois ocupam-se com cousas pouco ou nada edificantes em detrimento da infância e da adolescência, quando o mundo vai se abrindo lentamente, num despertar rosicler da inocência encantada, delineando a realidade da existência nos vestíbulos da maturidade.
Aliás, exemplo de uma aparente maturidade precoce são os telefones móveis (celulares). A vontade de ter um é tamanha que até as fábricas de brinquedos já lançaram modelos que apitam, tocam músicas, fluorescentes, só não comunicam, motivo pelo qual não atrairam tanto os pequenos. Eles querem os aparelhos de ponta, que fotografam, filmam, armazenam, acessam e-mails e outros recursos tantos, além de sua finalidade primeira, que é falar com uma outra pessoa à distância. O que parece uma brincadeira ou um capricho pueril pode se tornar um risco medonho. Daí a importância dos pais reverem seus “métodos” para educar os filhos, sem tantos mimos, menos ainda condescendências inconvenientes aos jovens. Cada cousa a seu tempo.
Pode parecer uma objeção deste articulista à psicologia moderna. No entanto, é apenas um comentário sobre algo corriqueiro que se tem consentido às crianças e aos jovens, sem vislumbrar as conseqüências perniciosas, além de alguns benefícios. Antes de consentir as vontades deve-se dedicar à educação, formação e orientação dos pequenos e dos adolescentes sobre os cuidados necessários, sem ameaças fantasmagóricas, simplesmente atentando-os para a realidade em que se vive, seja ela social, cultural ou econômica. É apenas um modo de preparar melhor os filhos para o mundo que se move ao sabor da corrupção dos valores e dos avanços tecnológicos.
Como nos anos anteriores, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apresentou um tema muito atual como proposta de reflexão na Campanha da Fraternidade deste ano, durante a celebração litúrgica da Quaresma. Para se contrapor a uma realidade medonha e sem perspectiva, Isaías clama desde os tempos bíblicos que “a paz é fruto da justiça” (Is 32,17). Contrapõe-se, sim, pois o estado de segurança, sob todos os aspectos, já não é possível ser assimilado em sua lata abrangência. O estado de segurança já não se o vive, mas sim de insegurança na família, na sociedade, até nas convicções que se tornam tíbias e sem fundamento. Quando se depara com o tema da Campanha – “Fraternidade e Segurança Pública” –, é possível que poucos, poucos mesmo, entendam todo o contexto em que se insere o objeto dessa reflexão. A segurança pública é muito mais do que uma instituição responsável por manter a ordem na sociedade. A segurança pública é algo que se começa a trabalhar em casa, no seio da família, numa convivência sadia, sem nenhuma forma de agressão verbal, nem física, devendo os pais assegurar um ambiente tranqüilo e edificante. A escola, por sua vez, seria uma colaboração preciosa nesse processo de formação e de conscientização fraterna e solidária. Assim, disseminar-se-iam os sólidos princípios e inconfundíveis conceitos que asseguram o discernimento comum dos lídimos valores em que se funda a civilização cristã. Mesmo parecendo uma utopia, nada custa-nos trabalhar – não sonhar – para que essa sociedade perfeita um dia se efetive. Na atual circunstância, não se conquistará a paz imediatamente. Será um longo processo, porém é mister que se o inicie. Uma aparente estabilidade imposta à força de armas ou de intimidação diplomática não é um estado de paz. “O fruto da justiça é semeado em paz por aqueles que praticam a paz” (Tg 3,18), portanto, devem os governantes assegurá-la, dando condições de uma vida digna, com toda a assistência necessária para população, abrindo-lhes possibilidade de crescimento em todos os segmentos. Orientados sobre os perigos que corrompem a harmonia social, reflexo de um bem-estar pessoal que se repercutirá por todo o ser, influenciando uns aos outros, exalar-se-ão os sentimentos de amor inspirados pela graça, desenvolvendo a prática do perdão e da misericórdia. Como tem alertado o papa Bento XVI insistentemente, somente uma humanidade em que reine a civilização do amor poderá gozar duma paz autêntica e duradoura. Portanto, cabe a cada um começar fazendo a sua parte, dominando seus instintos, orientando-se de acordo com os sólidos princípios cristãos, na solidariedade, no combate a tudo aquilo que corrompe o homem e o mundo. Aí, sim, estaremos avançando a passos largos rumo a um estado em que a paz deixará de ser inalcançável, mas sazonado fruto da justiça.
A ignorância das massas e o açoite despropositado da mídia conseguiram inverter os valores na polêmica sobre o aborto a que se submeteu uma menina de nove anos, em Pernambuco. Neste caso, apenas, é possível avaliar o nível de formação da população, indistintamente. Não importa, nesta observação, a classe social, o grau de instrução, muito menos a religião que se professa. Como que nas previsões apocalípticas, o mundo todo se revolve confuso e o certo passa a ser considerado errado e o detestável torna-se preferência comum.
Na beligerância que levantam as hostes desumanas, movidas por um execrável anticlericalismo, lançam mão de todas as armas para corromper a civilização cristã, promovendo a destruição do homem. Esse intento diabólico persegue aquele que foi criado à imagem e semelhança de Deus desde a criação, conforme narram as Sagradas Escrituras, com a queda pelo pecado original. Influências malignas sobre o livre arbítrio, dominando os instintos do homem, logram êxito sobre os tíbios, instigam os maus, sacrificam os inocentes, martirizando a graça constantemente concedida e pouco sentida.
A vida é muito mais que um organismo em harmonioso funcionamento; é graça, é missão, é o testemunho da existência de Deus, mavioso canto que exalta a obra da criação. Por isso buscam-se maneiras mil para corrompê-la, seja por meio de teorias confusas com argumentos imprecisos, no desrespeito à dignidade humana, na agressão física, na apologia ao aborto e à eutanásia (agora com a nova denominação de “suicídio assistido” nos Estados Unidos), enfim, todas as formas que violam o direito de existir.
No caso em epígrafe, causa-nos espécie concluir que a imbecilidade das pessoas é que as leva a se escandalizarem com o fato de não se ter aplicado [sic] as sanções da Igreja ao acusado do crime e tê-lo feito àqueles que consideram ter protegido [sic] a vítima. Ora, o hediondo ato per si já se condena; a aplicação da sanção foi, além de uma ratificação do público delito, a confirmação do posicionamento da Igreja Católica com relação à defesa da vida.
Não nos propusemos, nestas linhas, explicar, muito menos justificar, a atitude do Senhor Arcebispo de Olinda-Recife. Sua medida, endossada pela Santa Sé, e suas declarações já o fizeram claramente. “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mc 4,9) e que se posicione com as armaduras da fé e do temor de Deus, confiante na Sua proteção, para o grande combate contra todas as formas de violência que procuram atingir o homem, privando-o da graça e do dom da vida.
Enquanto me informo por meio do noticiário que na Cidade Eterna uma Conferência Internacional discute a “Evolução Biológica: Fatos e Teorias”, num estudo crítico sobre “A origem das espécies” de Darwin, 150 após sua publicação, entrego-me a devaneios sobre o mundo e o progresso célere que nos assusta a cada vez que acessamos um meio de comunicação. De repente, deparamo-nos até com uma nova interpretação de alguns membros da Igreja, buscando correlacionar a teoria do criacionismo (Deus, criador de todas as cousas, inclusive do homem) com a teoria do evolucionismo (uma mutabilidade progressiva das espécies, por meio da qual teria “surgido” o homem). Não pretendo nestas poucas linhas tratar desse complexo tema; ele apenas foi motivo para que eu me entregasse, repentinamente, à percepção de um mundo que está se evoluindo assustadoramente. Ao mesmo tempo em que nos escandalizamos com algo, maravilhamo-nos por outro, num misto de escândalo e fascínio a confundir-nos, como se reportássemos à infância e a tudo nos entregássemos atentos e crentes. Talvez seja nostalgia de um tempo que passou sem que percebêssemos e agora sentimos seus reflexos no momento em que, parece-nos, não conseguimos acompanhar a evolução do mundo. Treinados a um modo de vida plasmado dentro de concepções conservadores, por vezes retrógradas e obsoletas, um temor incontido nos sobressalta com o novo, ainda que distante, inalcançável, além dos nossos sentimentos, célere e multiplicador, manipulado pelas hipóteses científicas e coordenado pela precisão tecnológica. Enquanto observamos, estáticos, sua capacidade múltipla de articulação, delineia-se um monstro devorador ameaçando-nos. Pavor maior, quiçá, seja imaginá-lo solto por esse mundo, sem conseguirmos controlá-lo. Nesse instante lembramos, então, que pode ser mais uma sinalização da possibilidade de uma criação divina que permite a evolução e a controla a seu modo e sapiência. Sentimo-nos ínfimos grãos de areia na imensidão do universo, presos a um tempo que se bate contra a eternidade, assim como, certamente, muito do que nos assusta também o seja... É quando se nos vislumbra, enfim, uma possibilidade de elevação e, sob um olhar sobrenatural, impulsiona-nos uma necessidade premente de buscar os valores espirituais. Passado e presente de repente se fundem, dissipam-se os fantasmas, evaporam-se os monstros, clareia-se o que era uma escuridão de dúvidas. Arriscamos dar passos mais seguros, avançamos na história, na confiança daquele que tudo pode e que nos fortalece. A propósito, vem-nos à mente singela quadrinha de Mário Quintana:
Quantas vezes a gente, em busca da ventura, Procede tal e qual o avozinho infeliz: Em vão, por toda parte, os óculos procura Tendo-os na ponta do nariz!
Há muito o carnaval no Brasil perdeu o sentido de entretenimento apenas. Ainda que as origens dessa comemoração sejam pagãs, posteriormente convertidas em uma espécie de “despedida” dos folguedos para se iniciar o tempo de penitência, por um período foi de muita brincadeira e alegria por aqui. Hoje, porém, a licenciosidade impera no reinado de Momo.
Para incentivar mais ainda a promiscuidade no carnaval, se não bastassem as letras insinuantes das músicas e a nudez explorada sob todos os aspectos, o governo contribui de forma eficaz. O tema pode estar saturado, mas deve-se sempre retomá-lo, por constituir-se uma apologia à libertinagem as campanhas que propõem um “prazer seguro”. Isso é um escárnio a uma sociedade que pensara ser formada em princípios morais e religiosos sólidos; entretanto, os ingênuos e oportunistas, quando não dissolutos, cedem ao canto da sereia que os atrai aos escolhos, enquanto se permitem às vagas dos pensamentos corrompidos e das pretensões impuras.
Nessa campanha não se perde nenhuma oportunidade. Em todas as ocasiões e pelos meios de comunicação o escândalo promovido é mais repugnante ainda, colocando crianças e adolescentes à mercê dos insensatos, promotores de uma ilusão barata, de uma confusão, misturando os conceitos que definem a educação sexual, da sexualidade, da afetividade, noutras dimensões além de uma mera informação. Percebe-se que não compreendem que educar, na verdade, é ajudar a crescer, a discernir e a escolher, a respeitar e a comunicar. A campanha de educação sexual que se tem assistido por aí parece andar, para muita gente, unida à convicção de que a atividade sexual não tem limites e é um direito para quem assim o quiser, seja adolescente, jovem ou adulto. Por isso, defende-se a distribuição de preservativos durantes carnaval a todos, inclusive aos adolescentes e jovens, que se enfileiram nesse "cordão" da licenciosidade.
A sexualidade é uma força e um dinamismo de vida que não se esgota na relação sexual, mas se exprime numa relação pessoal alargada e enriquecida de mil maneiras, que traduzem em doação, respeito e ajuda mútua. A atividade sexual, a qualquer nível, é sempre humana e humanizadora, por isso não se pode separar da afetividade. Nunca se fará educação sexual apenas informando ou somando saberes diversos; muito menos essas campanhas surtirão algum efeito nesse sentido, ao possibilitarem a desordem dos sentidos. O verdadeiro processo de educação visa a realização de um projeto de crescimento e de fidelidade, cada vez mais necessário e urgente, requerendo atenção e competência. Que estejam todos atentos.
Assistimos, em nossos dias, a uma confusão de idéias e de valores como jamais se viu. Uns atribuem esse fenômeno ao imediatismo da comunicação, outros à liberdade de expressão, dando a cada um o direito de falar o que quer e o que pensa. Realmente, ambas são responsáveis por essa catástrofe. O imediatismo da comunicação é deveras eficiente, tanto que o tempo parece-nos mais veloz; os dias passam como um suspiro e os anos se vão a um leve aceno. A liberdade de expressão é um direito natural, porém quando se sabe expressar e o faz com prudência. Hoje, no entanto, somos obrigados a escutar as levianas colocações e proposições dos boçais que se postam nas tribunas e nas esquinas, a berrar uma miríade de asneiras, sem nenhum nexo no raciocínio ou capacidade de argumentação, desfilando pela imprensa, televisão e, pior, pela internete. A falta de discernimento do conhecimento é o maior responsável por essa tragédia. O ensino está acessível a uma grande parte da sociedade; já não é privilégio de determinada classe. Isso não basta. O sistema educacional deve ser eficiente e adequado à capacidade daqueles a que se destina. Os estudantes, os universitários, precisam ser estimulados a se aprofundarem nos estudos. É inadmissível a omissão dos órgãos competentes, a indiferença de instituições de ensino preocupadas mais com o rentável empreendimento, a irresponsabilidade dos pais em não impor limites aos filhos e exigir-lhes maior aproveitamento nos estudos. O resultado vemos por aí: profissionais incompetentes, pessoas de conceitos levianos, incapazes de raciocinar, de argumentar, de defender sua opinião com um sólido pensamento. O resultado disso observa-se na confusão de idéias, na falta de princípios, responsáveis pela corrupção dos valores e das instituições. O resultado disso constata-se na lividez das propostas, ora supérfluas, ora absurdas, com pouca, ou nenhuma, consistência, capaz de corresponder à necessidade do que se propõe ou à expectativa de quem a anseia. O resultado disso é a instabilidade dos momentos, a frivolidade dos anseios, a oscilação da opinião ao balouçar do vento. Uma grave crise grassa a humanidade, a crise social, que atinge todos os meios de formação do homem, ou seja, a família, a escola, o local de trabalho, inclusive os meios de convivência social. Um mundo de valores efêmeros consome um outro, de uma convicta ortodoxia, de princípios sólidos e valores inabaláveis que, por ser firme como um carvalho, tomba sob o temporal de opções e de contradições, de interesses e preconceitos, aliciando o amor-próprio por meio das tibiezas morais. Dessa forma, sobre a ignorância de tantos, edifica-se um novo mundo, mais alheio e distante dos veros sentidos, essenciais para o resgate dos lídimos valores que restaurarão a dignidade do homem e a sua capacidade de pensar.
Desde há muito, tenho evitado comentar os desenlaces acerca da aproximação da Fraternidade Sacerdotal São Pio X e a Santa Sé. Essa omissão deve-se ao fato de não me permitir nenhum juízo confuso, até mesmo por tê-la conhecido bem proximamente, nem tampouco fazê-lo de forma temerária. Deus louvado, o Decreto pontifício divulgado em 21 de janeiro, em que suspende a excomunhão dos bispos sagrados por Dom Marcel Lefebvre, em 1988, é um passo significativo e de grande importância para que as tratativas possam avançar de forma mais fraterna, inter pares.
Mas, no auge das comemorações, surge a figura de Dom Richard Williamson, um dos bispos beneficiados com o Decreto. O que teria sido uma entrevista sem muita abrangência para um canal de televisão sueco acabou se tornando um barril de pólvora. O prelado, ao comentar sobre o holocausto dos judeus na Segunda Grande Guerra, teria contestado o número de vítimas que geralmente é divulgado. A propósito, esse comentário mal explicado não é a primeira que se o ouve. Porém, sempre que o fazem reportam-se ao holocausto promovido pelo regime comunista no leste europeu e, mais recente, pelas guerras no Oriente Médio.
A declaração de Dom Williamson, contudo, veio à tona simplesmente por causa da redenção oferecida pelo Santo Padre. Caso contrário, ela teria passado de forma despercebida; basta observar que, salvo engano, ela foi gravada em setembro de 2008.
A celeuma provocada por sua opinião pessoal acabou refletindo sobre a Fraternidade, à qual pertence, no momento em que se consegue romper uma barreira que dificultava o diálogo com Roma. Pior ainda, aqueles que se opõem a essa aproximação dos considerados “tradicionalistas” (aliás, denominação um pouco equivocada, se levar em conta a definição correta de “tradição” e, mais ainda, sua correlação com o Magistério da Igreja), os opositores desse diálogo lançaram mão da figura de Dom Williamson como um protótipo de toda a Fraternidade.
O bispo já se retratou, inclusive escreveu ao Secretário de Estado, Cardeal Tarcisio Bertone, desculpando-se pelo infeliz comentário e lamentando-se pelo sofrimento acarretado ao Beatíssimo Padre. Deve-se observar, todavia, que o comentário de Dom Williamson não foi simplesmente leviano. Na entrevista falava-se sobre diversos temas, como política mundial, sociedade contemporânea, enfim, impressões sobre o mundo moderno. Pelo que li de sua entrevista, o comentário não foi de uma tonalidade anti-semítica; uma observação apenas sobre contrastes de tratamento que se dá a assuntos específicos, unicamente por interesses políticos.
Diz o ditado que “há males que vêm para o bem”; esse também talvez seja mais um. Com isso, todos os envolvidos nesse caso devem se posicionar e assumir um posicionamento claro. O superior geral da Fraternidade, Dom Bernard Fellay, mostrou-se disposto ao diálogo e, humildemente, suplicou ao Santo Padre a remissão das penas que o Decreto de 1º de julho de 1988 lhes impusera, a ele e aos demais bispos, Dom Bernard Tissier, Dom Alfonso de Galaretta e Dom Richard Williamson. Mais ainda, o superior já deu mostras que não permitirá divisões entre os seus.
A divergência de opiniões no seio da Fraternidade, doravante, será benéfica. Desta forma, separar-se-á o joio do trigo e se conhecerá quem está disposto a ficar cum Petro, sub Petro.
No início do ano letivo, o departamento em que trabalho, numa instituição de ensino, mandou confeccionar uma faixa de boas-vindas aos alunos. Uma simples frase causou dúvidas e transtorno. Como se escreve, após a reforma ortográfica: bem-vindo ou benvindo? De acordo com as regras do hífen, que são as mais complexas e variáveis da reforma, passar-se-ia a grafar “benvindo”. Desta forma, então, foi confeccionada a faixa. Posta em lugar adrede, a inscrição causou espécie: “Acadêmicos, sejam benvindos!”. No departamento, logo começaram as inquirições sobre a inscrição. Uma professora de português foi consultada e acusou o erro também. No entanto, a regra não é clara quanto a isso. Assim, buscamos esclarecimento à Academia Brasileira de Letras, responsável pela língua pátria. Qual não foi nossa surpresa, quando recebemos a seguinte resposta: “Pelo novo acordo, o prefixo bem só não terá hífen se o segundo elemento for um derivado de fazer ou querer: benfeito (a), benfeitor, benfazejo, benfeitoria, benquerer, benquisto, benquerença etc. O advérbio bem é usado com hífen em todos os outros casos: bem-administrada, bem-elaborada, bem-estar, bem-criado, bem-falante, bem-ditoso, bem-aventurado, bem-humorado, bem-vindo(s), bem-te-vi, bem-sinalizado, bem-sucedido, bem-nascido etc.” Realmente, a inscrição estava errada. Razão disso, a controvertida reforma ortográfica, especificamente acerca do uso do hífen. A resposta dada pela ABL não consta em nenhum manual que, até o momento, encontra-se disponível. Pelo visto, assim como a legislação brasileira, a reforma terá exceções surpreendentes, contradizendo umas às outras. Ademais, o acadêmico Evanildo Bechara, considerado maior entendido da reforma já adiantou: “É claro que a interpretação que fiz está sujeita a erros. Só não erra quem não faz”. Pelos próximos anos, certamente, muitas dúvidas nos abordarão. Consola-nos o fato de, no Brasil, a assimilação da reforma ser mais fácil do que nos outros países. O motivo são as reformas anteriores que tivemos, e que foram, de certa forma, suavizando o impacto que causará em Portugal, onde a última reforma ortográfica aconteceu no limiar da República, em 1911. Aliás, naquela época, os lusitanos ultrapassavam os brasileiros com uma revisão da língua que só conseguimos superá-la cerca de trinta anos depois. Por ora, resta-nos irmos adaptando, acostumando e aprendendo mais com os deslizes ortográficos.
Há algum tempo, o sociólogo italiano Massimo Introvigne, diretor do Centro de Estudos sobre as Novas Religiões, em, Turim, concluiu que o boom de seitas e novas religiões nos países ocidentais é bem menor do que o fenômeno de quem crê sem pertencer ou praticar uma religião específica. A exposição do ilustre sociólogo se baseia na realidade européia, encontrando contrastes significativos no resto do mundo, inclusive nos países mais pobres.
No Brasil há uma distinção, talvez decorrente do temperamento do bom povo brasileiro. Aqui, a carência social e de assistência espiritual leva as pessoas, principalmente as de fé tíbia ou credulidade excessiva, a procurarem os “promotores” do misticismo ou, até mesmo, charlatões que empreendem um movimento religioso alternativo, paliativo espiritual para os que buscam conforto para a alma e uma solução rápida para os seus problemas; semelhante jargão publicitário poderia ser usado à entrada desses estabelecimentos onde, por um modesto dízimo (muitas vezes), consegue-se paz de espírito e tranqüilidade de consciência; só não confirmaram, até agora, se se alcança a salvação. Mas isso não lhes importa. O que as pessoas querem é viver bem neste mundo... A situação é grave.
Deus louvado, se tudo não passasse de uma mera concorrência empresarial que se tivesse aberto no país. Ao contrário, esse fenômeno causa uma desordem social muito ampla, atingindo todos os setores, abalados com as divergentes interpretações da moral e da ética. O povo desorientado e submisso é tudo o que querem os organizadores das diversas seitas que se infiltram por todos os cantos. Na Itália, só agora começam atentar para isso, porque o pluralismo religioso é mais recente onde está a sede da Igreja Católica, registrando “apenas” pouco mais de 300 novas denominações de seitas (cf. Introvigne).
Quanto à livre crença, o mal dos últimos tempos, é perniciosa à salvação do homem, e não à Igreja Católica ou a algum movimento específico. Esse mal, cujas origens decorrem do pecado original, é a presunção que domina o coração do homem, como a que gerou a revolta do ‘primeiro anjo que caiu do céu’. Basta crer em Deus. A criatura, por si só, sente-se capaz de encaminhar-se na vida espiritual e alcançar a salvação. Ora, se isso fosse possível, Nosso Senhor não teria deixado os meios de se obter as graças necessárias, através dos Santos Sacramentos. No entanto, é mais cômodo crer em algo superior ou transcendente, favorecido pela liberdade de pensamento e de culto, frutos das subversões ideológicas que começaram a surgir desde a Renascença. E enquanto as pessoas vão cedendo ao amor-próprio ou se distraindo com a diversidade de modalidades religiosas, o tempo avança e, aqueles que pensam estar se aproximando de Deus, muitas vezes podem estar se distanciam mais da Perfeição.
Os olhos do mundo voltaram-se para a América do Norte, na última semana, atentos e esperançosos, para assistir à posse do presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama. Muitos acreditam ser o início de uma nova fase da história, por tratar-se de uma nação cujo domínio se estende por quase todos os quadrantes da terra, de alguma forma, seja pela influência ideológica, política ou cultural. As aspirações de um novo tempo se reforçam pela opressão causada pelo governo anterior, em que, por diversas vezes, suas atitudes despóticas causaram mal estar entre as nações e afrontou os direitos humanos.
Nos primeiros dias, Obama já determinou medidas que sugerem, destemidamente, uma de suas metas, resgatar a dignidade humana de tantos que sofrem a tirania de um sistema em que se misturam os interesses políticos, econômicos e religiosos. Aliás, os Estados Unidos vivem uma situação peculiar em sua história: mantido por um sistema econômico administrado, em grande parte, por clãs judaicos, tem no poder um descendente de mulçumanos; “primos” que se distanciaram há milênios e que, no curso dos séculos, tomaram posições energicamente hostis que, em nossos dias, refletem amargamente.
No momento de crise em que se inaugura o governo de Barack Obama, renova-se a esperança, tanto naquele país, como naqueles outros onde a influência da América do Norte determina sua sorte. E no afã de mudanças imediatas, muitos poderão, talvez, se decepcionar, dada a dificuldade com que muitos processos nas relações internacionais, de políticas econômicas, ambientais, sociais, entre outras, possam se desenvolver.
Há 45 anos, no dia 11 de abril de 1963, o Beato João XXIII promulgava a Encíclica “Pacem in Terris”. O documento pontifício veio à lume enquanto a Guerra Fria vivia seu auge, às vésperas de um confronto que poderia ser fatal para o ocidente e para o oriente. E no correr da pena do Papa Bom, ia-se traçando, de forma profética – como posteriormente observou seu predecessor, João Paulo II -, “a fase seguinte da evolução das políticas mundiais”. Definia o Santo Padre, naquele instante temeroso, o conceito do “bem comum universal”, defendendo a necessidade de uma autoridade pública internacional capaz de promovê-lo.
Exortava, ainda, o Santo Padre que “devem os poderes públicos da comunidade mundial considerar objetivo fundamental o reconhecimento, o respeito, a tutela e a promoção dos diretos da pessoa humana, com ação direta, quando for o caso, ou criando, no plano mundial, condições em que se torne mais viável aos poderes públicos de cada comunidade política exercer as próprias funções específicas” (nº 138).
Desde então, procura-se sempre esse perfil nos governantes e instituições. Mas, talvez, somente agora ela começa a se delinear na figura do jovem presidente dos Estados Unidos, negro, de origem adversa à de seus predecessores da Casa Branca, enfim, um novo homem, com novas propostas e atitudes que, se realmente forem honestas e bem fundadas nos princípios éticos e morais, poderão ajudar a “Paz na Terra” almejada por João XXIII, em que a fraternidade e a caridade entre as grandes e pequenas nações sejam equiparadas.
Ao final do Documento, elevava o Papa uma oração pela paz no mundo, “com ardentes preces ao Redentor divino que no-la trouxe. Afaste ele dos corações dos homens quanto pode pôr em perigo a paz e os transforme a todos em testemunhas da verdade, da justiça e do amor fraterno. Ilumine com sua luz a mente dos responsáveis dos povos, para que, junto com o justo bem-estar dos próprios concidadãos, lhes garantam o belíssimo dom da paz. Inflame Cristo a vontade de todos os seres humanos para abaterem barreiras que dividem, para corroborarem os vínculos da caridade mútua, para compreenderem os outros, para perdoarem aos que lhes tiverem feito injúrias. Sob a inspiração da sua graça, tornem-se todos os povos irmãos e floresça neles e reine para sempre essa tão suspirada paz” (nº 170). É essa mesma oração que o mundo eleva até Deus, neste momento, esperançoso no governo de Barack Obama, não pelos seus méritos apenas, mas pela graça de Deus que tudo pode.
Nesta época do ano, é muito comum a exploração da ingenuidade de uns e da fé de outros com profecias sobre os meses que se seguirão. Bruxos e pitonisas concordam e discordam em suas previsões, ora otimistas, ora pessismistas, aguçando a curiosidade do público que os assiste. Ilude, sim, os tolos a maneira subjetiva como descrevem suas visões, fruto, simplesmente, de sua imaginação e supino charlatanismo. "Quão impotente é o sistema [astrológico] para comparar as formas de disposições dos homens com os nomes das estrelas!" (Hipólito, in “Refutação de Todas Heresias” 4:37). Há, na verdade, casos de previsões cuja credibilidade torna-se indiscutível pela forma como ocorreu e se confirmou. Na Bíblia, três reis acorreram a Belém, “avisados” pelo fulgor de uma estrela; diversos santos da Igreja também tiveram esse poder de prever o futuro, como São João Bosco, Beato João XXIII, Beato Pio de Pietralcina, estes mais recentes. Para melhor compreendermos o fenômeno das previsões com relação aos astros, pois deles é que se valem os profetas de nossos dias, recorremos a São Tomás de Aquino. Ele afirma como absolutamente certo o princípio geral de uma influência universal dos corpos celestes sobre todos os eventos corporais da terra, incluídos os eventos fisiológicos concernentes aos animais e aos homens. A influência admitida restringe-se aos eventos corporais. Na “Suma Contra os Gentios”, São Tomás afirma ser "impossível que a operação intelectual esteja sujeita aos movimentos celestes" (III. 84). Da mesma forma, o aquinatense nega qualquer influência dos astros sobre nossa vontade, como se vê no referido tratado: "É preciso absolutamente compreender que a vontade do homem não está sujeita à necessidade dos astros". Desta forma, excluem-se do raio de influência dos astros justamente as faculdades que especificam o homem, ou seja, o intelecto e a vontade. Mais além, o Doutor Angélico afirma, com igual certeza, que a influência dos corpos celestes sobre os atos humanos é indireta e jamais necessitante, muito menos se indaga, nem uma única vez, se o axioma ou postulado astrológico fundamental é fundado ou não: a importância decisiva, sobre todo o futuro de um homem, da configuração do céu no momento de seu nascimento (mapas astrais). Ao mencionar os patronatos estrelares dos sete dias da semana, observa que se pode, sem perigo para a fé, adotar ou rejeitar essa teoria, admitindo, em princípio, os astrólogos predizerem corretamente o futuro dos homens, desde que não tenham em vista os atos humanos livres. Ele alerta, com grande importância para o tema, que a impressão das estrelas produz seu efeito na maior parte dos homens, a saber, naqueles que não resistem a suas paixões, levando-nos a compreensão de uma influência astral sobre o temperamento da pessoa, que pode ser dominado pelo intelecto e pela vontade; daí se enganarem amiúde nas predições particulares.Por fim, a sentença do grande doutor da Igreja: não é supersticioso nem ilícito buscar prever pelos astros as secas, as chuvas etc. É supersticioso e ilícito buscar prever, pelos astros, as ações livres humanas, lembrando o Concílio de Toledo: “Se alguém pensa que se deve crer na astrologia, seja anátema”, e a admoestação de Santo Agostinho: "O bom cristão deve precaver-se de astrólogos e outros adivinhadores ímpios".
Ao chegarmos ao fim de mais um ano, torna-se oportuna a meditação sobre os Novíssimos, tão esquecidos em nossos dias: Morte, Juízo, Inferno e Paraíso. "Em todas as tuas obras, lembra-te dos teus novíssimos, e jamais pecarás" (Ecl. 7, 40); se os tivéssemos sempre em mente, não pecaríamos, como adverte São João Bosco. Se nossos dias são conturbados, é porque pouco se medita ou mesmo não se cogita seriamente sobre os Novíssimos. Ao pensarmos na Morte, deve-se vê-la como o limiar daquele estágio que o pecado dele nos privou, a eternidade. É pela morte, à qual ninguém está imune, que se poderá contemplar, face a face, o Senhor. Mas ela depende da vida; "talis vita, finis ita", assegura o provérbio latino. E como nos adverte Santo Afonso Maria de Ligório, o pai dos Redentoristas, "tal é a sorte reservada a todos os homens, aos nobres e aos plebeus, aos príncipes e aos vassalos. Logo que a alma saia do corpo com o último suspiro, dirigir-se-á à eternidade e o corpo deverá reduzir-se a pó". A partir daí, só terá a apresentar ao Altíssimo o que fez durante sua vida terrena. Seguir-se-á, então, o Juízo, o momento em que, diante do Supremo Juiz, nada lhe será inquirido, pois a sua consciência se acusará. Como lembra Santo Agostinho sobre esse instante: "A sua vinda é motivo de alegria para o fiel e de terror para o ímpio". Nesse instante, a alma sentirá as primeiras impressões do que a Seqüência da Missa de Defuntos descreve: "Dia de ira, aquele dia, no qual o mundo se tornará em cinzas (...) Quanto temor haverá, então, quando o Juiz vier para julgar com rigor todas as coisas". "Qual não será o espanto daquele que, vendo pela primeira vez o seu Redentor, o vir indignado!", exclama Ligório. Ao exame seguir-se-á a condenação, após a balança divina pesar, "não as riquezas, nem a dignidade, nem a nobreza das pessoas, mas sim, somente as obras". O Bispo de Hipona diz que, nesse momento, virá primeiro o demônio a delatar todas as suas faltas e Deus, segundo Cornélio a Lapide, para trazer-lhe aos olhos "os exemplos dos santos, todas as luzes e inspirações com que o favoreceu durante a vida e, além disso, todos os anos que lhe foram concedidos para que os empregasse na prática do bem". "Tereis, pois, de dar conta até de cada olhar", assegura Santo Anselmo. Enfim, o justo ouvirá o convite divino: "Servo bom e fiel, entra no gozo do teu Senhor". (Mt 25,21) O pecador estará entregue à misericórdia de Deus. Após o Juízo Particular, restam os dois últimos novíssimos: o Inferno e o Paraíso. No primeiro, está a alma condenada ao eterno sofrimento. Um lugar de tormentos, como lhe chama o mau rico que a ele foi condenado (Lc 16, 28): "um lugar de tormentos, onde todos os sentidos e todas as faculdades do condenado devem ter o seu tormento próprio, e quanto mais se tiver ofendido a Deus com algum dos sentidos, tanto mais terá a sofrer este mesmo sentido", lembra Santo Afonso. Já o justo, logo ao ter entrado "no gozo do teu Senhor", desfrutará da Visão Beatífica nesse "dia perpétuo sempre sereno, primavera perpétua sempre deliciosa".Que a meditação dos Novíssimos prepare-nos para dias melhores em 2009.
Aproxima-se o Natal. Pelas ruas, a azáfama de nossos dias, a correria contra o relógio... quase não sobra tempo, nem para ir às compras. Mas em casa, enquanto a refrescante broega insiste noite e dia, entrego-me à contemplação do presépio. Não com rasgos de avançada mística na via espiritual, mas, sinceramente, com piedade e saudosismo. Piedade, pela fé; saudosismo, por tudo o que o Natal nos reacende no peito, como a lembrança dos caros que se foram, a observação das desigualdades (mesmo que leviana e passageira), os propósitos que vão se desenvolvendo enquanto se contempla o estábulo onde nasceu o Deus Menino. Naquele recolhimento, no entanto, não me abandona a agitação de fora de casa, que insiste atrair-me com o ruído de automóveis, buzinas, o vozerio, carros de som anunciando promoções no comércio... E me arrebata um desejo quase incontrolável de sair pelas ruas à procura do Presépio de Belém. Onde estará o Menino Deus em meio a essa turba alvoroçada? Nos estabelecimentos comerciais? Nos bares? Nas igrejas? Nas sarjetas, a consolar os famélicos? Onde estará o Verbo de Deus Humanado que veio ao mundo para redimir o homem cativo do pecado? Seu ícone ainda pode ser visto nos painéis publicitários, nas decorações de vitrinas, nos cartões de Boas Festas; mas não O reclinam no coração. Na meditação do Natal não se atêm ao mistério da redenção, não contemplam a candura e a inocência que nos traduzem a verdadeira paz que Ele nos veio trazer. A paz... Outra palavra muito usada nesta época do ano, sem conhecer o seu real sentido. Esse sentimento equivocado de comodismo, tranqüilidade, de desobrigação para com os deveres é a ilusão que as pessoas desejam que seja concretizada no ano vindouro. E essa concepção errônea de paz é tão antiga que o próprio Cristo já advertira a seus discípulos: "Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada" (Mt10,34). Sim a espada que separa os bons dos maus, o trigo do joio, o puro do ímpio. Essa paz que Nosso Senhor desconhece é aquela que afasta o homem da Verdade Eterna, daquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Os povos clamam pela verdade, mas a verdade de Pilatos, a verdade relativa, autônoma, oportuna, sem Deus, sem Cristo. Volto pressuroso para a solidão junto ao presépio; só ali encontro a sinceridade, a inocência, a pureza na tosco estábulo, nos olhares estupefatos dos pastores, na adoração de Nossa Senhora e de São José, silente, no mavioso canto dos anjos, na cintilação da estrela indicando o Palácio do Deus Menino. Nada disso encontrara nos shoppings, nem nas igrejas, muito menos nas campanhas beneficentes, nem na pobreza esquálida pela fome. Em nenhum deles consegui decifrar um laivo de esperança naquEle que não veio trazer a paz, mas que é a Verdadeira Paz. Ao concluir esta digressão em torno do Natal, outro desejo não me toca, senão o de que todos se dispam de seus interesses, ao menos na Noite Santa, para contemplar o Divino Infante. Que nada os perturbe, para que possam se entregar a essa piedosa - ainda que um pouco nostálgica - meditação. Tenho certeza que compreenderão o verdadeiro significado do "presente" no Natal, quando concluírem que, como previra Isaías, "um filho nos foi dado" (Is9,6). É ele a Verdadeira Paz. Um Santo Natal a todos, desejando que renasça em cada coração a esperança de dias de paz no ano vindouro!
Na última semana, comemoraram-se anos de morte de um dos grandes intelectuais brasileiros, Gustavo Barroso. Polêmico, em decorrência de suas convicções austeras, fundadas em sólidos princípios morais, foi uma das reluzentes inteligências que este país conheceu. Pesquisador atento, dirigiu com muita eficiência por quase quatro décadas o Museu Histórico Nacional, resgatando peculiaridades não apenas no campos apenas da história, mas também no folclore, nos aspectos regionalistas, enfim, na cultura brasileira, de um modo geral.
Esse cearense, nascido em 1888, no ocaso do Império, foi uma daquelas figuras que parecem terem vindo ao mundo predestinadas a guiar, ou indicar os homens as trilhas a serem percorridas. Bacharel em Direito, foi professor admirado, político atuante, jornalista vigoroso e escritor de uma verve singular, resultante de sua primorosa formação haurida nos conceituados e tradicionais estabelecimentos de ensino de Fortaleza e do Rio de Janeiro. Como legado, deixou à bibliografia brasiliense 128 livros e um dicionário. Seu cabedal acerca das ciências e humanidades era tal que, aos 35 anos de idade apenas, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, tomando assento na cadeira 19, na vaga do sábio arcebispo de Mariana, dom Silvério Gomes Pimenta. Presidiu a Casa de Machado de Assis por quatro vezes e foi sob sua orientação que o Petit Trianon, doado pelo governo francês para ser a sede da Academia, foi adaptado para essa finalidade.
Estreara na literatura, aos 23 anos, sob o pseudônimo de João do Norte. A propósito, era comum o uso de apelidos no meio literário, não para se esconder de algo ou poder falar o que quisesse – como alguns néscios hodiernos entendem (se é que têm essa capacidade, a de compreender algo), por não saberem distinguir o estilo peculiar de cada um, blasonando-se, idiotamente, de vítimas inocentes. Mas usava-se pseudônimo até por discrição, para que os críticos se sentissem à vontade para analisar seus escritos sem constrangimento. Voltando a Barroso, sua vasta obra literária não foi leviana, muito menos furtiva. De sua pena ficaram as mais profundas análises, fruto de pesquisas e de sua aguçada observação e de conjecturas, acerca da história, da cultura e da sociologia do Brasil. Uma de suas mais polêmicas teses é a de que o Brasil não seria um país independente, visto o Grito do Ipiranga ter custado uma dívida herdada de Portugal com a Inglaterra.
Gustavo Barroso destacou-se, mais ainda, tornando-se conhecido das massas, quando aderiu ao Integralismo, de Plínio Salgado, em 1933. Naquele momento, em que o mundo passava por grandes transformações, sob diversos aspectos, quando nações se viam ameaçadas por ideologias perniciosas e sistemas políticos radicais, levantou essa bandeira tornando-se seu mais importante doutrinador. Dessa época são os livros que divulgavam as idéias, não menos fundamentalistas, porém inflamadas por sentimentos cívicos e religiosos. Tal era a clareza de suas convicções que, discordando dos rumos tomados pelo movimento, dele se afastou, ficando, contudo, com o epíteto de “soldado sem farda”.
Barroso foi dessas figuras que alteavam sua voz firme, com discernimento, sem temor, para conter a sanha daqueles que, a qualquer preço, insistem em assombrar com suas idéias confusas e interesses mesquinhos. Apontou os desequilíbrios sociais, econômicos e políticos do Brasil, identificando suas origens e indicando o caminho a seguir. No seu tempo, foi uma das inteligências mais celebradas e citadas; hoje, é apenas uma lápide sobre a cova onde jazem seus restos mortais. Assim é o Brasil: de lembranças parcas e memória nenhuma.