sexta-feira, dezembro 19, 2008

Diante do presépio de Belém


Aproxima-se o Natal. Pelas ruas, a azáfama de nossos dias, a correria contra o relógio... quase não sobra tempo, nem para ir às compras. Mas em casa, enquanto a refrescante broega insiste noite e dia, entrego-me à contemplação do presépio. Não com rasgos de avançada mística na via espiritual, mas, sinceramente, com piedade e saudosismo. Piedade, pela fé; saudosismo, por tudo o que o Natal nos reacende no peito, como a lembrança dos caros que se foram, a observação das desigualdades (mesmo que leviana e passageira), os propósitos que vão se desenvolvendo enquanto se contempla o estábulo onde nasceu o Deus Menino.
Naquele recolhimento, no entanto, não me abandona a agitação de fora de casa, que insiste atrair-me com o ruído de automóveis, buzinas, o vozerio, carros de som anunciando promoções no comércio... E me arrebata um desejo quase incontrolável de sair pelas ruas à procura do Presépio de Belém. Onde estará o Menino Deus em meio a essa turba alvoroçada? Nos estabelecimentos comerciais? Nos bares? Nas igrejas? Nas sarjetas, a consolar os famélicos? Onde estará o Verbo de Deus Humanado que veio ao mundo para redimir o homem cativo do pecado? Seu ícone ainda pode ser visto nos painéis publicitários, nas decorações de vitrinas, nos cartões de Boas Festas; mas não O reclinam no coração. Na meditação do Natal não se atêm ao mistério da redenção, não contemplam a candura e a inocência que nos traduzem a verdadeira paz que Ele nos veio trazer.
A paz... Outra palavra muito usada nesta época do ano, sem conhecer o seu real sentido. Esse sentimento equivocado de comodismo, tranqüilidade, de desobrigação para com os deveres é a ilusão que as pessoas desejam que seja concretizada no ano vindouro. E essa concepção errônea de paz é tão antiga que o próprio Cristo já advertira a seus discípulos: "Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada" (Mt10,34). Sim a espada que separa os bons dos maus, o trigo do joio, o puro do ímpio. Essa paz que Nosso Senhor desconhece é aquela que afasta o homem da Verdade Eterna, daquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Os povos clamam pela verdade, mas a verdade de Pilatos, a verdade relativa, autônoma, oportuna, sem Deus, sem Cristo.
Volto pressuroso para a solidão junto ao presépio; só ali encontro a sinceridade, a inocência, a pureza na tosco estábulo, nos olhares estupefatos dos pastores, na adoração de Nossa Senhora e de São José, silente, no mavioso canto dos anjos, na cintilação da estrela indicando o Palácio do Deus Menino. Nada disso encontrara nos shoppings, nem nas igrejas, muito menos nas campanhas beneficentes, nem na pobreza esquálida pela fome. Em nenhum deles consegui decifrar um laivo de esperança naquEle que não veio trazer a paz, mas que é a Verdadeira Paz.
Ao concluir esta digressão em torno do Natal, outro desejo não me toca, senão o de que todos se dispam de seus interesses, ao menos na Noite Santa, para contemplar o Divino Infante. Que nada os perturbe, para que possam se entregar a essa piedosa - ainda que um pouco nostálgica - meditação. Tenho certeza que compreenderão o verdadeiro significado do "presente" no Natal, quando concluírem que, como previra Isaías, "um filho nos foi dado" (Is9,6). É ele a Verdadeira Paz.
Um Santo Natal a todos, desejando que renasça em cada coração a esperança de dias de paz no ano vindouro!