Na última semana, comemoraram-se anos de morte de um dos grandes intelectuais brasileiros, Gustavo Barroso. Polêmico, em decorrência de suas convicções austeras, fundadas em sólidos princípios morais, foi uma das reluzentes inteligências que este país conheceu. Pesquisador atento, dirigiu com muita eficiência por quase quatro décadas o Museu Histórico Nacional, resgatando peculiaridades não apenas no campos apenas da história, mas também no folclore, nos aspectos regionalistas, enfim, na cultura brasileira, de um modo geral.
Esse cearense, nascido em 1888, no ocaso do Império, foi uma daquelas figuras que parecem terem vindo ao mundo predestinadas a guiar, ou indicar os homens as trilhas a serem percorridas. Bacharel em Direito, foi professor admirado, político atuante, jornalista vigoroso e escritor de uma verve singular, resultante de sua primorosa formação haurida nos conceituados e tradicionais estabelecimentos de ensino de Fortaleza e do Rio de Janeiro. Como legado, deixou à bibliografia brasiliense 128 livros e um dicionário. Seu cabedal acerca das ciências e humanidades era tal que, aos 35 anos de idade apenas, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, tomando assento na cadeira 19, na vaga do sábio arcebispo de Mariana, dom Silvério Gomes Pimenta. Presidiu a Casa de Machado de Assis por quatro vezes e foi sob sua orientação que o Petit Trianon, doado pelo governo francês para ser a sede da Academia, foi adaptado para essa finalidade.
Estreara na literatura, aos 23 anos, sob o pseudônimo de João do Norte. A propósito, era comum o uso de apelidos no meio literário, não para se esconder de algo ou poder falar o que quisesse – como alguns néscios hodiernos entendem (se é que têm essa capacidade, a de compreender algo), por não saberem distinguir o estilo peculiar de cada um, blasonando-se, idiotamente, de vítimas inocentes. Mas usava-se pseudônimo até por discrição, para que os críticos se sentissem à vontade para analisar seus escritos sem constrangimento. Voltando a Barroso, sua vasta obra literária não foi leviana, muito menos furtiva. De sua pena ficaram as mais profundas análises, fruto de pesquisas e de sua aguçada observação e de conjecturas, acerca da história, da cultura e da sociologia do Brasil. Uma de suas mais polêmicas teses é a de que o Brasil não seria um país independente, visto o Grito do Ipiranga ter custado uma dívida herdada de Portugal com a Inglaterra.
Gustavo Barroso destacou-se, mais ainda, tornando-se conhecido das massas, quando aderiu ao Integralismo, de Plínio Salgado, em 1933. Naquele momento, em que o mundo passava por grandes transformações, sob diversos aspectos, quando nações se viam ameaçadas por ideologias perniciosas e sistemas políticos radicais, levantou essa bandeira tornando-se seu mais importante doutrinador. Dessa época são os livros que divulgavam as idéias, não menos fundamentalistas, porém inflamadas por sentimentos cívicos e religiosos. Tal era a clareza de suas convicções que, discordando dos rumos tomados pelo movimento, dele se afastou, ficando, contudo, com o epíteto de “soldado sem farda”.
Barroso foi dessas figuras que alteavam sua voz firme, com discernimento, sem temor, para conter a sanha daqueles que, a qualquer preço, insistem em assombrar com suas idéias confusas e interesses mesquinhos. Apontou os desequilíbrios sociais, econômicos e políticos do Brasil, identificando suas origens e indicando o caminho a seguir. No seu tempo, foi uma das inteligências mais celebradas e citadas; hoje, é apenas uma lápide sobre a cova onde jazem seus restos mortais. Assim é o Brasil: de lembranças parcas e memória nenhuma.