Na última semana, no dia 9, a Alemanha comemorou os vinte anos de demolição do Muro de Berlim. Aquela construção, edificada em 1961, muito mais do que dividir uma cidade em duas partes, demarcava dois mundos, um capitalista e outro socialista, determinava os campos da famigerada Guerra Fria, que estava em seu auge, deixando o mundo apreensivo por mais de quatro décadas. Os 66,5 quilômetros de muro pelas ruas de Berlim era o lídimo sinal da cortina de ferro que separava compatriotas e familiares, flagelava o mundo com o terrorismo de um sistema que dizimou milhares de pessoas – muito mais que o Terceiro Reich com suas perseguições, atrocidades e os abomináveis campos de concentração - , que cerceou a liberdade de dezenas de países no leste europeu, impondo o socialismo soviético, reprimindo as pessoas, corrompendo culturas, sufocando a fé daquele povo.
Passados vinte anos, no entanto, é preciso que as marcas que restam do muro na cidade de Berlim, não tanto quanto as cicatrizes na alma de tantas pessoas que sofreram com aquela brutalidade política e social, seja um sinal de alerta – da mesma forma como os campos de concentração nazista o são para que as atrocidades contra inocentes não tornem a acontecer. Que os resquícios do muro de Berlim sejam um sinal para que não volte a se impor sobre ninguém um sistema tão medonho, como foi o comunismo que vitima milhares de pessoas nos países onde ainda impera ou se insinua sobre governos tíbios, que oscilam entre suas equivocadas pretensões ideológicas e os interesses econômicos, especialmente nos países mais pobres.
Mas nas comemorações dos vinte anos da queda do Muro de Berlim uma observação propõe-nos a Santa Igreja sobre a fé daquela gente que sofreu por tantos anos, acentuadamente após a Segunda Grande Guerra, com o regime socialista e as conseqüências da Guerra Fria. Não se podem omitir os insistentes apelos da Igreja, desde o beato João XXIII com e o veemente Servo de Deus João Paulo II, este vítima dos abusos do sistema em sua pátria. A perseverança de sacerdotes e prelados, alguns fiéis até o martírio, foi o alento para aquele povo piedoso do leste, de religiosidade acendrada, que também suportou e buscou, de alguma forma, amenizar o sofrimento moral, manter suas tradições e conservar a fé. E como observou João Paulo II quando esteve na Alemanha, já no ocaso de sua existência, desde os portões de Brandemburgo, em Berlim, exaltou a unificação da Alemanha, com a queda do famigerado muro, lembrando que a fé cristã demonstrara, mais uma vez, ter contribuído “para a união e a civilização do continente, superando a prova cruel do ateísmo do Estado”. Que esse momento histórico seja sempre lembrado, para que outros muros não se ergam entre os povos.
Há pouco, a Europa também se levantou contra os símbolos religiosos nas escolas. O símbolo da fé cristã, que civilizou aquele Velho Mundo, ordenando sua formação social com os princípios éticos e morais, já não pode ser venerado nas escolas italianas. A decisão que exigiu a retirada dos crucifixos das salas de aula foi do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, temendo uma espécie de intimidação dos não cristãos. Na verdade, essa atitude, como muitas outras dessa espécie, está cultivando na humanidade o ateísmo, senão promovendo o renascimento do paganismo por um mero respeito humano ou interesses de organizações suspeitas que têm espalhado o terror por todo o mundo. Constata-se, assim, cada vez mais, uma decadência social decorrente da perda de valores, ou desvalorização dos princípios, como já ocorreu lá pelos séculos 15 e 16. O Renascimento de então, esforçando-se para restaurar as riquezas das antigas culturas pagãs, particularmente a cultura e a arte dos gregos, conduziu à exaltação exagerada do homem, da natureza e das forças naturais. Exaltando a bondade e o poder da natureza, menosprezava-se e fazia-se desaparecer do pensamento dos homens a necessidade da graça, a destinação da humanidade para a ordem sobrenatural, a luz trazida pela Revelação. Desencadeou-se um desagregamento profundo na cristandade, possibilitando circular pelos bastidores das nações católicas o veneno do naturalismo político e social, alcançando as universidades e se disseminando pelo meio intelectual. Na ânsia de emancipação em relação a Deus e à sua Revelação, o homem cortou as ligações com os princípios da ordem natural, separou a fé e a razão. Ora, ensina o Magistério da Igreja que “a reta razão demonstra as bases da fé e, esclarecida por ela, cultiva a ciência das coisas divinas; e a fé, por sua vez, livra e defende a razão dos erros e lhe proporciona inúmeros conhecimentos” (Const. De Fide Catholica, “Dei Filius”, D nº 1.799). Isso gerou a Revolução que promoveu o liberalismo, o naturalismo e o racionalismo. Deificaram a razão, cavando abismos e levantando muralhas; forjaram uma liberdade, sem os fundamentos da verdade. Com este espírito fez-se a Revolução, cujos frutos sazonados a humanidade colhe e saboreia, alimentando a livre interpretação dos valores éticos e morais e dos princípios em que se baseiam. Os crucifixos elevados nos locais públicos, principalmente nas salas de aula, além de uma profissão de fé cristã, remetem à religião como responsável pela formação moral, um dos elementos essenciais da nossa civilização; daí incomodar a tantos. A retirada desse símbolo de fé da vista de todos, no entanto, não será suficiente, pois os sentimentos cristãos estão arraigados não só no íntimo dos católicos, como na identidade histórica, cultural e espiritual de grande parte da humanidade.
Dona Isabel, imperatriz de jure do Brasil, foi uma mulher determinada que, não obstante as críticas mordazes que lhe atiram seus desafetos, sempre demonstrou sua capacidade quando regeu o país e sua sensibilidade no trato com as pessoas e no ambiente familiar. Uma das belas páginas de sua vida, em que suas virtudes sempre ilustram edificando a todos, relata o encontro da Redentora dos Cativos com o Pai da Aviação. O mineiro Santos Dumont, conforme ele mesmo relata em seu livro “Dans L’Air”, teria recebido a visita da Mãe dos brasileiros no exílio, em meados de 1901. O engenhoso brasileiro realizava os primeiros ensaios com o dirigível N-5, com motor de 16 cavalos-vapor, 550 metros de cubagem, 36 de comprimento e 6,5 de diâmetro. Dezenas de pessoas eram atraídas aos parques parisienses para assistirem às evoluções de monsieur Dumont. “Suas evoluções aéreas fazem-me recordar o vôo dos nossos grandes pássaros do Brasil. Oxalá possa o Sr. tirar no seu propulsor o partido que aqueles tiram das próprias asas, e triunfar, para glória da nossa querida Pátria”, teria dito a Condessa d’Eu quando visitada pelo súdito fiel. Numa das evoluções com o N-5 – aliás, com o qual conquistou posteriormente o “Prêmio Deutsch” -, o motor parou e o dirigível, levado pelo vento, chocou-se com o arvoredo do parque do Barão Edmond de Rothschild. Próxima ao local, Dona Isabel mandou-lhe seus préstimos, enquanto ele tentava recuperar a estrutura do N-5. Passados alguns dias, a generosa Imperatriz dos brasileiros fez chegar às mãos de Santos Dumont uma medalha de São Bento, com os seguintes dizeres: “1º de agosto de 1901. Senhor Santos Dumont, Envio-lhe uma medalha de São Bento, que protege contra acidentes. Aceite-a e traga-a na sua corrente de relógio, na sua carteira ou presa ao seu pescoço. Ofereço-a pensando na sua bondosa mãe, pedindo a Deus que o socorra sempre e lhe permita trabalhar para a glória da nossa Pátria. Isabel, Condessa d’Eu.” Dizem que Santos Dumont doravante sempre trouxe consigo a medalha presa por uma corrente ao pulso. O biógrafo do Pai da Aviação, Henrique Dumont Villares, em seu livro “Santos Dumont - Quem deu asas ao homem” (Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1953), relata, também, que, “por um requinte de delicadeza, Santos Dumont, quando algum membro da antiga Família Imperial do Brasil - como aconteceu várias vezes com a princesa Isabel - assistia às suas ascensões, em vez da bandeira nacional republicana, limitava-se a desfraldar no balão as cores brasileiras, numa arbitrária flâmula verde e amarela”, enquanto Dona Isabel e os demais membros da Casa Imperial do Brasil, retirados na França, vibravam com o êxito de seus patrícios.
Não poucas vezes, o Papa Bento XVI tem indicado os caminhos para se entregar às abstrações da verdadeira filosofia. Tão adversa em seus conceitos, em nossos dias, os conceitos vão se perdendo nos devaneios de pensadores equivocados que, facilmente, se esquecem daqueles que retamente os precederam. Enquanto o mundo se rende ao relativismo, o Sumo Pontífice sugere uma aliança entre a fé e a razão – lembrando-se inclusive da magistral encíclica “Fides et Ratio” de seu predecessor, o Servo de Deus João Paulo II. O Papa discorre claramente sobre os laços existentes entre o cristianismo primitivo e a filosofia grega, contra os falsos mitos pagãos, daí citar, por exemplo, São Justino, cuja figura e obra “marcam a opção decisiva da Igreja primitiva pela filosofia e não pela religião dos pagãos”, contra quem os primeiros cristãos recusaram qualquer compromisso. É interessante observar o quanto, em nossos dias, as pessoas – principalmente as que se apresentam como cristãs – facilmente se entregam aos falsos ídolos. O problema se agrava no momento em que, além de uma mera admiração, passa-se a proceder, a se conduzir, pelos moldes daquela falsa divindade que se mostra como protótipo de homem. E justamente esses são condenados por São Justino como “armadilhas diabólicas no caminho para a verdade". Ao contrário, a filosofia representou "a área privilegiada de encontro entre paganismo, Judaísmo e Cristianismo", disse o Papa em sua catequese semanal de 20/3/2007, concluindo que, “num tempo como o nosso, marcado pelo relativismo no debate sobre o valores e sobre a religião”, as lições de São Justino “não devem ser esquecidas”. Quando escreveu a “Fides et Ratio”, em 1998, João Paulo II, abre sua encíclica definindo bem a correlação entre essas duas virtudes: “A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio”. A partir daí, pode o homem aprofundar-se no seu íntimo, vislumbrando nele a grandeza de Deus, sentindo a intervenção divina no caminhar da humanidade.
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, em São Paulo, ajuizou um pedido de liminar, na última semana, para a retirada de todos os símbolos religiosos em repartições públicas federais daquele Estado. O tema suscitou uma polêmica, dividindo as opiniões acerca do Estado Laico. Desde a primeira Constituição da República, em 1891, foi assumida essa laicidade do Estado, consequência do Positivismo de Auguste Comte em voga naquela época. Isso não era nenhuma novidade. A Constituição de 1824, primeira e única do Império, já concedia a liberdade religiosa.
Confundem-se, no entanto, os sentidos do Estado Laico e do Estado Ateu. Enquanto este nega a existência de Deus, aquele unicamente respeita a crença dos cidadãos, permitindo a coexistência de credos diversos. Ora, tanto o Brasil não se considera um Estado Ateu, que faz menção a Deus Nosso Senhor nas Cartas Magnas que se sucederam, explicitamente na de 1934, depositando nEle a confiança dos brasileiros; na de 1947, colocando o Estado sob a sua proteção; e até a mais recente, de 1988. Logo, se se permite a profissão de fé pública dos brasileiros, a retirada dos símbolos religiosos, seja de onde for, é um cerceamento desse direito. Ademais, quer símbolos mais efetivos que nossas igrejas, os altos campanários, os cruzeiros e oratórios públicos, o soar dos sinos, o Cristo Redentor no alto do Corcovado, eleito uma das maravilhas do mundo moderno?
Na verdade, eles não defendem o Estado Laico, porque demonstram pouco saber o que é isto ou aquilo. Incomoda-os o fato de os símbolos religiosos remeterem a princípios e valores. Eles não defendem o paganismo de Nero, que tentou dizimar o cristianismo no Império Romano, nem o racionalismo instaurado na França após a Revolução de 1789, ou o Positivismo que alcançou o limiar da República no Brasil; enfim, não professam nenhum ateísmo, seja ele o marxista, ou o científico, nem o existencialista ou axiológico. Talvez, existe oculto no inconsciente dos propositores desse atentado á liberdade religiosa um ardente temor de Deus. Assim, exterminando qualquer símbolo que os leve até Ele, não se sentirão “vigiados” enquanto vivem à mercê de seus conceitos e prazeres.
Há exatos cem anos algo semelhante aconteceu em Minas. No governo do presidente do Estado, Wenceslau Braz, o secretário de Interior, Estévão Pinto, empreendeu ferrenha campanha contra o ensino religioso e a presença de símbolos religiosos nas escolas. Pois, no pequenino São Caetano do Xopotó (atual cidade de Cipotânea), os professores Leandro Werneck (queluzense, nascido em Catas Altas da Noruega) e Alzira de Oliveira reagiram e promoveram, com o apoio de toda a comunidade, a entronização de crucifixos na escola dos meninos e na das meninas. A tirania do governo suspendeu, então, as aulas naquela localidade, “enquanto perdurar o movimento sedicioso da localidade”. Somente em 1927, o presidente do Estado, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, pelo decreto 7.970, pôs fim à querela, respeitando a fé do povo mineiro.
Neste ano, comemora-se o centenário do padre Pedro Maciel Vidigal, figura austera, polêmica pela sua intransigência em defesa dos retos valores, da firmeza de caráter e da decência. Morreu nonagenário, lúcido e combativo, aos 95 anos, cercado pelo carinho de seus sobrinhos e amigos mais próximos, acalentado pela leitura dos grandes nomes da literatura clássica, reverenciados exaustivamente em suas obras, demonstrando uma afinidade que existia entre eles.
Pedro Vidigal foi uma figura polêmica, não pelo simples desejo de polemizar – o que se verifica comumente em nossos dias, mas por gritar em favor da verdade e da justiça, em todos os seus aspectos, e pela aplicação da ética, da moral. E foi assim que demonstrou a todos o seu caráter decisivo, seu temperamento forte, ganhando, por isso, alguns desafetos ao longo de sua vida, não que os quisesse como tais, mas eles tomaram essa posição ante a sua pessoa.
Formado no tradicional Seminário de Mariana, ordenou-se padre em 1931, indo, em seguida, dedicar-se ao magistério em Ponte Nova e, depois, ao governo das almas nas paróquias de Porto Firme, Dionísio e Nova Era, tendo exercido, ainda, a capelania do 11º Regimento de Infantaria do Exército, em São João del Rei. Enquanto cuidava da direção espiritual de seus aplicados, pôde conhecer as limitações e necessidades temporais naquelas regiões e, após uma série de episódios estritamente clericais – que não vem ao caso serem aqui abordados – já envolvido nos meios políticos, Pedro Vidigal viu-se levado a Assembléia de Minas, onde atuou com destaque de 1955 a 1959, e à Câmara dos Deputados, de 1959 a 1971.
Como parlamentar, participou de comissões diversas e de representações da Câmara em viagens ao exterior. Da tribuna da Assembléia e do Congresso Nacional fez ecoar por todo o país sua voz enérgica, conclamando a Nação para a restauração de uma sociedade que se orientasse pela justiça e pela cruz. Com muito discernimento, assistiu aos movimentos que precederam à Revolução de 64, e por isso soube dar o apoio necessário aos governos que se seguiram, com bom senso, acreditando ser um processo transitório, ainda que aparentemente reacionário, mas necessário naquele momento.
Humanista dedicado aos estudos, deixou inúmeras obras acerca da política, sociologia, história, genealogia e suas memórias. Em suas últimas publicações, extravasava, aliás como sempre o permitiu fazer, suas impressões sobre a existência humana, a graça sobrenatural e o que estava por vir. Era como um testamento espiritual para todos aqueles que se deixam guiar pela sensatez, firmeza de caráter, humildade e responsabilidade para com suas obrigações. Padre Vidigal terminou sua carreira certo de ter cumprido sua missão, tendo servido à Igreja, a qual sempre demonstrou sua gratidão e obediência; à Pátria, tendo-a servido destemidamente e com sincera dedicação; e à sociedade, retribuindo a todos que dele necessitaram com obras de cunho assistencial, em prol da educação e, mais valiosos ainda, com seus escritos. Padre Vidigal passou à história como o homem que mais se assemelha a Deus, no conceito de Pitágoras, tendo feito benefícios e exercitado a verdade.
“O amor – ‘caritas’ - é uma força extraordinária que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz”. Com esta bela definição, o Papa Bento XVI inicia sua recente encíclica “Caritas in veritate”, apresentada ao orbe no dia 7 de julho. Abordando um tema complexo, surpreendendo a muitos, principalmente aos cépticos e aos mais reticentes com relação à Igreja, o Santo Padre discorre sobre a questão social, apontando os excessos do capitalismo, as diferenças acentuadas entre as classes, a insensibilidade de tantos quanto a essa questão, as crises econômicas. Enfim, Ratzinger se mostra conhecedor profundo da atualidade, em todos os âmbitos. Nas primeiras linhas o Papa já apresenta o que seria a origem da desordenam do mundo hodierno. Na busca da compreensão da caridade à luz da verdade, Bento XVI volta ao tema da relativização dos valores, especificamente da verdade, “aparecendo muitas vezes negligente, senão mesmo refratário à mesma”. “Cada um encontra o bem próprio, aderindo ao projeto que Deus tem para ele, a fim de o realizar plenamente: com efeito, é em tal projeto que encontra a verdade sobre si mesmo e, aderindo a ela, torna-se livre (Jo 8, 22). Por isso, defender a verdade, propô-la com humildade e convicção e testemunhá-la na vida são formas exigentes e imprescindíveis de caridade”, adverte o Beatíssimo Padre. A voz do Vigário de Cristo se levanta diante de um mundo ora confuso ante a deturpação dos valores, ora perplexo em meio à violação dos conceitos. É provável que, em nenhum momento da história, a humanidade esteve tão absorta na tentativa de uma auto-afirmação, à custa dos retos direcionamentos e, para os crédulos, de sua própria salvação. Senhor de seu livre-arbítrio, o homem quer justificar seus pusilânimes atos, a fim de repousar neles sua consciência. Julgando-se livre, sem as amarras dos princípios, busca interpretar a verdade ao seu bel prazer. Ora, se a verdade está corrompida, impossível será a vivência da caridade, pois, como alerta o Sumo Pontífice, “só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida (...) Sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra abusada e adulterada, chegando a significar o oposto do que é realmente”, explica. Como antídoto para o mal de nosso tempo, o Papa apresenta a prática da caridade na verdade, para que se assimilem os valores do cristianismo, como “elemento útil e mesmo indispensável para a construção duma boa sociedade e dum verdadeiro desenvolvimento humano integral”. Este é, pois, o primeiro conselho que Bento XVI nos dá desde as suas letras em “Caritas in veritate”, “princípio à volta do qual gira a doutrina social da Igreja, princípio que ganha forma operativa em critérios orientadores da ação moral”.
Há 50 anos, retornava à sua diocese natal Dom Oscar de Oliveira, para assumir como bispo coadjutor do arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, com direito a sucessão. O momento delicado, principalmente pelo receio de magoar a quem deu tanto de si por esta Igreja Particular, promovendo uma grande obra de evangelização, como o fez Dom Helvécio, aquele momento delicado mereceu de Dom Oscar uma cautela especial, sem descuidar das transformações que previam-nas inevitáveis doravante, fossem pelas alterações culturais e sociais que o mundo atravessava, fossem pelo prenúncio de um novo tempo, com a convocação do Concílio Ecumênico, que fizera o Beato João XXIII na solenidade da Conversão de São Paulo naquele ano. À sua diocese natal retornava Dom Oscar de Oliveira cheio de planos, com o ardor missionário acendrado, disposto a continuar a obra daquele a quem acompanharia até os seus derradeiros dias, findo o seu combate. De volta à sua casa, o prelado entrerriense conhecia bem a seara que o aguardava e, sem nenhum temor, confiante na graça de Deus e na intercessão de Maria - como, aliás, já trazia em seu brasão expressa a máxima do Abade de Claraval, “Ipsa Duce” – imediatamente colocou-se a peregrinar pela vasta arquidiocese primaz de Minas, reencontrando-se com seus colegas, conhecendo de perto a realidade de cada paróquia e as necessidades de cada comunidade. No ano seguinte, após o falecimento de seu predecessor, a 25 de abril de 1960, Dom Oscar assume a cátedra marianense. As instabilidades que assombravam aquele momento, não apenas no meio eclesiástico, mas em todos os setores, contudo não prejudicaram o ministério do novo arcebispo de Mariana. E quando tentaram impor-lhe alguma pecha que não condizia com sua conduta, logo se via nele o lídimo sucessor dos Apóstolos, primando pela missão de conduzir sua Igreja Particular à unidade com a Igreja Católica, constituindo um só rebanho e um só pastor a caminho da Jerusalém Celeste.
Exerceu especial zelo na reorganização dos seminários e fomentou a Obra das Vocações Sacerdotais. Preparou a criação de duas dioceses sufragâneas e erigiu novas paróquias. Construiu um novo prédio para o Seminário Menor, escolas, faculdades e hospitais. Na Sé, reuniu os restos mortais dos bispos de Mariana na cripta que fez construir no subsolo do templo e conseguiu a restauração do bicentenário órgão de tubos. Não se descurou da formação do clero. Nas visitas pastorais, nos retiros anuais, reuniões das foranias, bem como pelos temas abordados semanalmente em seus artigos em “O Arquidiocesano”, traçava sempre as linhas-mestras para o constante aperfeiçoamento de seu presbitério, atentando-o da missão do sacerdote no mundo hodierno e das atualizações necessárias, consonantes com as orientações pós-conciliares.
Dom Oscar destacou-se, também, no cuidado para com o acervo histórico da arquidiocese, alertando sobre sua importância e orientando sobre a sua preservação. Abriu museus, organizou o arquivo eclesiástico, reunindo na Cúria os livros de registros paroquiais, evitando que desaparecessem. Teve atenção para com os veículos de comunicação, reconhecendo-os como valiosos auxiliares no processo de evangelização, através da Rádio Difusora de Congonhas e do jornal “O Arquidiocesano”, fundando a Gráfica Dom Viçoso, que também comemora seus 50 anos em 2009.
Escritor apreciado e sensível poeta, publicou diversos livros, além de artigos em jornais e revistas. Foi recebido pela Academia Mineira de Letras e pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Instituto Histórico de Minas Gerais e de São Paulo, além de outras instituições congêneres.
Cumprindo a uma disposição canônica, Dom Oscar renunciou ao governo da arquidiocese, ao completar 75 anos de idade, sendo substituído por Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, que tomou posse a 28 de maio de 1988. Dom Oscar retirou-se para sua terra natal, Entre Rios de Minas, onde faleceu a 24 de fevereiro de 1997.
“Et erit in pace memória ejus”. Na cripta da Sé Catedral de Mariana descansam os restos mortais de Dom Oscar de Oliveira, à espera da feliz ressurreição no Senhor. Seu nome, no entanto, pompeia rutilante na lembrança de tantos que o evocam como lídimo pastor, dedicado cura das almas, cultor do belo, mecenas das artes, glória fúlgida do episcopado brasileiro “cuja memória permanecerá em paz” pelos séculos futuros, pelo bem que fez neste mundo.
Tornou-se voz corrente desde os tempos de Queluz: “Lafayette não gosta [gostava] daqui”. E, sobre essa afirmação, criaram-se mitos diversos, alguns chegando a ferir a moral do Conselheiro. Essa aversão que se formou à figura do ilustre queluzense, creio, é responsável pelo quase completo desconhecimento sobre sua vida pelos seus conterrâneos. É provável que esse boato tenha sido fomentado ainda em vida de Lafayette, quando era figura de projeção no país. Queluz, embora considerada “reduto de civilistas”, especialmente pela sua disposição na sublevação de 1833 e na Revolução de 1842, local sagrado pelos luzias, regado com o seu sangue, onde vicejaram seus ideais, continuou a ser na política um campo de lutas entre liberais e conservadores. Os liberais tendo à frente o coronel Antônio Rodrigues Pereira, pai de Lafayette; os conservadores sob a liderança de José Ignácio Gomes Barbosa, depois Barão de Suassuhy. Lafayette deixou Queluz ainda menino, para ir estudar em Congonhas, depois Prados e, finalmente, São Paulo. Desde então ficou ausente de sua terra natal, exceto nas férias de verão, passadas na Fazenda dos Macacos, até a morte de sua mãe. Depois disso, não há registros de seu retorno à sua terra natal. Mesmo com a distância geográfica que se lhe impunha, pelas dificuldades de transporte, tendo apenas os correios como meio de comunicação, ainda assim o Conselheiro sempre esteve a par de tudo o que se passava em casa e na política local. Pelas cartas ao seu irmão Washington, Lafayette mostra-se atento ao que se passava em Minas, especificamente em Queluz, e orienta a seu pai e ao irmão sobre como agirem, adianta-lhes as notícias da Corte e do cenário político no país, além de questões domésticas. Sua sagacidade política controlava, muitas vezes, os ânimos dos liberais queluzenses. Do Rio de Janeiro, avistava, por entre as alterosas, o desenrolar dos interesses das facções mineiras e já se adiantava com sua influência e capacidade de uma análise antecipada, sem sentir o calor das emoções. Se ainda persistem comentários malévolos sobre seu relacionamento com sua terra natal, outros os sobrepõem. São reminiscências de famílias tradicionais, legadas pelas gerações passadas, da simplicidade do Conselheiro e de sua atenção para com os conterrâneos, fosse em recebê-los em Macacos, ou em visitá-los, especificamente nas propriedades vizinhas à de seu pai. E se não fez mais por sua terra, se não bastassem os entraves legais, é porque a hegemonia dos conservadores em Queluz certamente o impedia. Também, a forma abrupta como foi trocado o nome da cidade talvez seja responsável por essa aversão a Lafayette, aliás, mais ao nome do que à pessoa, por não a conhecerem.
Insigne filho do fundador da dinastia de Avis, em Portugal, o Infante Dom Henrique (1394-1460) é considerado um dos heróis das terras lusitanas. O Navegador, como ficou cognominado na história, parece ter nascido com essa missão, de expandir os domínios daquele Reino por “mares nunca dantes navegados”, como cantou Camões, projetando sua sombra pelas centúrias que se seguiriam à que viveu. Desde jovem, impelindo seu pai, Dom João I, a atitudes ousadas, como a conquista de Ceuta e o combate aos mouros, o fundador da escola de Sagres já se mostrava um empreendedor de feitos que engrandeceriam sua pátria.
Esse ilustre ornamento das nobres casas portugueses é o tema de mais uma exposição que o comerciante Fernando Emílio Pereira, seu patrício, faz na vitrina de sua loja “Lusitana”, em Conselheiro Lafaiete. Há mais de cinquenta anos no Brasil, onde se estabeleceu, casou-se e constituiu família, além de contribuir enormemente para o desenvolvimento comercial da cidade, senhor Fernando está cá, provavelmente com o coração dividido entre a terra que o viu nascer e esta que o acolheu como seu também. E vai amenizando sua saudade, enquanto nos proporciona um espetáculo de cultura, na vitrina de seu estabelecimento, onde já expôs a Família Real, Juscelino Kubitscheck, Santos Dumont, e outros fatos, vultos e lugares que se enlaçam numa só manifestação de um povo cujas origens são as mesmas, assim como o idioma com que cantam a vida e seus feitos.
Ousaria comparar, com as devidas proporções, a coragem do Infante Navegador com a do senhor Fernando Emílio. Ambos não se contentaram com os limites que sua naturalidade lhes impusera, entre o mar e La Raya. Quiseram conquistar o mundo, acreditavam na potência do Portugal altivo de sua história, de suas tradições, de sua cultura: haveria de expandir pelo mundo a nacionalidade daquele povo predestinado a altear o símbolo da cristandade, não sob seu domínio apenas, mas sob o signo da fé. Dom Henrique conquistou o mar com sua fé e determinação; senhor Fernando conquistou o mundo, além mar, com sua fé e carisma peculiar; fé num Brasil pujante e carisma com o qual conquistou não apenas sua senhora, dona Wanda, mas todos os lafaietenses que o têm como caro conterrâneo. Na meditação dos versos de Fernando Pessoa, talvez compreendamos melhor essa missão deles.
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo.
Tem causado comentários diversos a Portaria do Juiz da Infância e da Juventude de Patos de Minas, que proibiu a permanência de menores de 16 anos fora de casa após as 23h. A medida não é inusitada, visto outras cidades do interior e até de outros Estados já terem imposto regras eficientes, evitando o envolvimento de crianças e adolescentes em transgressões. Em Conselheiro Lafaiete, no início da década de 90, a juíza Valéria Rodrigues - salvo engano – adotou semelhante atitude, creio que com êxito.
Como se esperava, aplausos e críticas têm sido levantados de todos os lados. As críticas, no entanto, são as que mais nos causam admiração, pois só alguém alienado da realidade em que vivemos pode ainda acreditar na inocência de tantos menores que, soltos pelo mundo – quase sempre vítimas de desestruturas familiares e de desajustes sociais -, envolvem-se em pequenos furtos, agressões e, principalmente, com o tráfico de drogas.
A decisão judicial já comprovou que essa disciplina é capaz de conter os índices de criminalidade. Esse “toque de recolher”, como alguns denominam, além de coibir o envolvimento de menores na delinquência, auxilia os pais, despidos cada vez mais de sua responsabilidade sobre os filhos menores, seja pela insubordinação destes ou até mesmo pela incoerência sugerida por uma dúbia interpretação da legislação pertinente. Com isso, reafirma-se a pátria autoridade de educar, de impor limite aos filhos, mesmo que, para isso, sejam necessárias medidas que não sejam simples censura, mas um ato de proteção às crianças e adolescentes.
Ao vir à tona um tema tão presente na atualidade, em todas as esferas, vale lembrar que o respaldo jurídico apenas é insuficiente para proteger os menores. A atenção dos pais é primordial, seguindo-se o equilíbrio na harmonia familiar e o constante acompanhamento de tudo o que faz, seja na escola, nas brincadeiras em casa ou com os colegas de rua, no computar (para aqueles que lhe tem acesso), buscando perceber seus conceitos em suas experiências ou diante do que assiste na TV, por exemplo. Os pais são os primeiros, necessários e indispensáveis educadores de seus filhos, responsabilidade esta que não pode ser relegada, muito menos atribuída a outrem, nem mesmo a tios ou avós (exceto em determinados casos).
Medidas adotadas pela Justiça, impondo horário para a permanência de menores fora de casa, desacompanhados, constituem um instrumento de intimidação mais para os pais, chamados a assumirem a sua autoridade e à responsabilidade de educadores, de formadores do caráter de seus filhos, dentro dos princípios morais e religiosos eficazes. Só assim serão moldados lídimos cidadãos responsáveis, aniquilando os delinquentes em potencial que se formam à mercê da irresponsabilidade dos pais, aliada à decadência social.
O segundo volume da Coleção do Teatro Brasileiro, da WWW Sua Editora, do Rio de Janeiro, trouxe a comédia em três atos “A tradicional família mineira”, do teatrólogo Cleiber Andrade. O conceituado escritor, de uma ampla formação humanista, permitiu-se discorrer a pena ao sabor de um bom humor específico sobre os conceitos norteadores dos hábitos e princípios de bicentenários clãs. Seguindo a mesma linha de Martins Pena e Aluízio Azevedo, o autor lafaietense como que deu uma pausa em seus estudos, na criação de dramas como “Zero Hora”, “Três dias sem Deus”, “Concerto em Si-bemol” – só para citar alguns – e na composição poética a que se entrega com tanto primor, deu uma pausa para “brincar” com usos e costumes de uma aristocracia falida, mas devotada à conservação de modos obsoletos e à veneração de seus ancestrais, além de manias diversas, decorrentes sabe-se lá do quê. São indispensáveis os elogios à obra de Cleiber Andrade, mesmo tendo as autoridades em literatura já os terem feito com muita competência, pelo vasto conhecimento literário que possuem. Mas não há como deixar de admirar a facilidade com que toma de um tema, simples que seja, e consegue enredá-lo, transformando-o numa perfeita trama, seja pela acentuação dramática, seja na desopilação emocional que o humor proporciona. Em “A tradicional família mineira”, principalmente os que puderam conviver com pessoas pertinazes nos apegos às tradições de família, por mais insignificantes ou estranhas que sejam, vão identificar algum conhecido ou mesmo parente. Os discursos prolixos enaltecendo a ascendência – às vezes questionáveis -, a exaltação de um parente que se projetou na sociedade, os conceitos equivocados, a beatice acendrada, entre outras características das personagens, trabalhou-as muito bem o autor, constituindo uma lídima comédia de costumes, com o toque peculiar do teatrólogo e o retoque caricatural que lhe é permitido. Ler “A tradicional família mineira” de Cleiber Andrade, mais do que se distrair com uma deliciosa peça ao estilo da comédie-française, é um convite à reflexão de nossos conceitos também. A evolução dos tempos, as revoluções de comportamento e uma banalização dos costumes e até do pensamento muitas vezes podem facilmente conduzir o indivíduo ao ridículo, a um contra-senso sem precedentes, indo de um extremo ao outro, sob o casulo da liberdade de expressão, ou de uma excentricidade sem precedentes, tão somente pelo desejo de se fazer notar, o que leva os fracos e desarmados nessa batalha cultural se acastelarem, escudando-se com seus conceitos e preconceitos. Mas com sua peça, Cleiber não dá mão àqueles mendicantes infelizes da atenção alheia. Numa censura subliminar, ele atenta para o perigo a que se incorre ao manter-se inflexível como os Moura do Amaral e os T. de Mendonça, e com maestria reafirma a divisa de Molière, escrita por Jean de Santeuil, talvez inspirado na “Ars Poética” de Horácio: “Ridendo castigat mores”.
Uma tênue diferença distingue o reconhecimento que se deve ter para com os antepassados do “culto” que os orientais, especialmente, sugerem. Esse reconhecimento advém mais do sentimento de gratidão, e não apenas de uma ação benemérita, embora ela seja, quase sempre, o instrumento pelo qual chegamos ao seu autor. Ao deparar-se com a Pietá numa das capelas laterais da Basílica de São Pedro, no Vaticano, logo vem à mente o nome de Michelangelo; na peregrinação à Basílica do Bom Jesus, em Congonhas, é impossível olvidar os mestres do barroco mineiro, Aleijadinho e Athayde; da mesma forma como a arquitetura grandiosa de Brasília evoca Niemeyer. Esses vultos que se celebrizaram, especificamente, pelo dom da arte têm seu nome perpetuado na lembrança de todos aqueles que conhecem e admiram sua obra. A referência em que muitas pessoas se tornam, cada uma em seu campo de atuação, é um reflexo que, naturalmente, deseja-se espelhar; se não é possível, ao menos passa-se a reverenciar sua memória, num ato de gratidão e de reconhecimento. Desta forma, tornou-se comum dar aos logradouros públicos, aos edifícios, repartições, projetos etc. dar o nome dessas pessoas que, de alguma forma, notabilizaram-se pelos seus feitos ou até mesmo pelo seu simples jeito de ser. Esse reconhecimento que se lhe presta é uma extensão do sentimento de gratidão que, na iniciativa de alguém, se extravasa numa pública manifestação, por mais singela, ou pessoal, que seja essa demonstração. O modus vivendi que vai se institucionalizando entre os povos torna-se uma medida emergencial, enquanto os valores vão se perdendo, junto com ele os princípios e as indicações que norteiam a formação social. O afã em se recompor, em recuperar o tempo perdido, em reaver os prejuízos pecuniários distraem o homem numa ilusória sensação de estar como que velejando em águas tranqüilas, distanciando-se mais e mais de seu mundo real, de seu torrão surrealista, da identidade genética impressa na sua formação, em seus hábitos, nas suas idéias. Com isso, perdem-se, também, o conhecimento e o reconhecimento de sua cultura e dos promotores dela. “As relações entre as gerações alteraram-se de tal maneira que já não favorecem, como antes, a transmissão dos conhecimentos antigos e da sabedoria herdada dos antepassados”, destacou o Santo Padre Bento XVI numa de suas alocuções em recente viagem à África. Um abismo vai se abrindo, cada vez maior, entre as gerações, dificultando a compreensão de suas atitudes e de seu pensamento. Vai-se rompendo o elo que as une, e as referências vão se desaparecendo no oceano do esquecimento humano, por entre as brumas do passado. Há de chegar o dia em que o sol da fraternidade aqueça as relações enrijecidas dos homens, evapore a névoa da indiferença e traga à nitidez todo esse horizonte da história que tão facilmente se o deixa de contemplar.
A tragédia ocorrida no início da semana, quando o avião que fazia a linha Rio de Janeiro/Paris desapareceu, enlutou o coração de muitas famílias brasileiras, inclusive de Conselheiro Lafaiete. Entre os passageiros do funesto vôo 4478 da Air France, também estava Sua Alteza Imperial e Real Dom Pedro Luiz Maria José Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança, Príncipe do Brasil, Príncipe de Orleans e Bragança, quarto na sucessão dinástica ao Trono e Coroa do Brasil, presidente de honra da Juventude Monárquica. Os monarquistas receberam, consternados, a notícia do desaparecimento daquele em quem depositavam as esperanças de continuidade de liderança do movimento no Brasil, sucedendo a seus tios Dom Luiz de Orleans e Bragança, que neste sábado registra mais um natalício, Dom Bertrand, e a seu pai Dom Antônio Maria.
Dom Pedro Luiz contava com 26 anos de idade, tendo nascido no Rio de Janeiro, a 12/1/1983, primogênito de Dom Antônio Maria de Orleans e Bragança e de Dona Christine, princesa de Ligne. O jovem príncipe sempre se mostrou comprometido com a tradição da família e a responsabilidade que lhe competia enquanto sucessor dos direitos dinásticos. Durante a campanha para o plebiscito de 1993, ainda menino, esteve ao lado de seu amoroso pai, trabalhando pelo “esclarecimento” das massas sobre a realidade do sistema monárquico. Na modéstia da vida familiar – ao contrário do que boçais anarquistas propagam de fantasiosas regalias -, o Príncipe do Brasil foi educado dentro dos princípios do nacionalismo e da Santa Religião, que sempre nortearam a formação dos lídimos sucessores dos fundadores de nossa Pátria.
Em 1999, Dom Pedro Luiz foi aclamado presidente de honra da Juventude Monárquica do Brasil, possuidor que era das virtudes notáveis para aquela geração que buscava as mais acrisoladas referências de integridade e devotamento à causa. De presença discreta nas rodas sociais, mas sempre marcante pela sua inteligência e cultura, jamais se jactou de sua estirpe; ao contrário, tinha consciência de sua responsabilidade, tendo afirmado, certa vez: “A gente carrega esse fardo e precisa dar exemplo”. Graduado em Administração de Empresas pelo Ibmec do Rio de Janeiro, pós-graduado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas, acompanhava atentamente a economia brasileira, chegando a comentar, sem nenhum desafeto, sobre a política adotada pelo atual presidente da República, “por diminuir o fosso entre os brasileiros”; comentário desapegado de qualquer paixão, senão pelo bem-querer de seu povo.
O Príncipe do Brasil residia em Luxemburgo, onde trabalhava no renomado Banco Paribas, de grande prestígio na Europa, além de prestar consultoria financeira para algumas empresas. Vinha sendo reconhecido nas casas reais do Velho Mundo pela sua distinção, decorrente de uma sóbria galhardia e apurado senso crítico. Era, ainda, detentor da Grã-Cruz das Imperiais Ordens de Pedro Primeiro e da Rosa.
O seu desaparecimento deixa um sentimento de perda muito dorido para os movimentos monarquistas e admiradores da Família Imperial. Nada mais resta, senão rezar pelo conforto de seus idolatrados pais, Dom Antônio e Dona Christine, e pelo seu descanso eterno junto de Deus Nosso Senhor. Lembrando o célebre Padre Vieira, a quem tantas finezas deve a Dinastia de Bragança, “é verdade que morreu, mas por meio da morte eternizou a idade, melhorou a gentileza, canonizou a discrição” (Sermão nas exéquias de Dona Maria Ataíde, 1649, VII). Seu desaparecimento cristalizou o vigor de sua juventude, o viço de seu donaire, as virtudes que ornavam o seu caráter. “Não teve de que testar, porque todos os bens que possuía os levou consigo. A sabedoria e a virtude não se deixam em testamento, porque se levam: e nós todos a matar-nos, pelo que se há-de deixar!” (Sermão para as exéquias do sereníssimo Príncipe de Portugal Dom Teodósio, 1654, I).
Resquiescat in pace.
Envolve-nos uma aura de saudade e de devoção ao ressoar, desde os dias de nossa meninice, o canto alegre das crianças engalanadas para coroarem a Virgem Maria. É a piedade filial que se expressa dessa forma, numa antecipação do gozo eterno que se terá quando, enfim, participarmos das alegrias perenes na Pátria celeste. Finda nossa caminhada neste mundo, nos vestíbulos do santuário da bem-aventurança, certamente já identificaremos, evolando pelas planuras celestes, semelhante cântico que, outrora, nos antecipara àquele momento de graça e de esplendor. O mavioso entoar das meninas vai se figurando, melhor definido, nos sonhos de José do Egito, nas visões apocalípticas de São João. A cada ano, renova-se esse ritual que, não fossem os exageros tecnológicos que se vão lhe acrescentando, além de interesses outros que não sejam a mais sincera e ingênua manifestação de veneração à Virgem Maria, continuaria a ser a mais expressiva loa dos corações enlevados pela devoção. Ah, maio, em que tudo nos faz desejar a pureza dos pequenos e bendizer a Deus, “porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos” (Mt 11,25). Se no velho mundo o mês das flores foi dedicado a Nossa Senhora, pelo clima agradável e a natureza pululando vidas multicores pelos campos; os dias de outono abaixo dos trópicos nos atentam à frieza das atitudes humanas, tocadas pela decadência do pecado, incitando-nos a desejar, com mais convicção e sinceridade, o amor abrasador que impele até Deus. Perde-se pelos séculos a origem dessa delicada manifestação de carinho, a coroação da imagem da Virgem Santíssima, ilustrando as celebrações do Mês de Maria animadas pelos padres jesuítas, em especiais tratados editados ainda no século XVIII. Em Minas, esse costume salutar para a alma introduziu-o as Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, quando se estabeleceram nas alterosas em meados do século XIX. Desde então, revivem-se, a cada ano, as manifestações de filial devoção dos católicos fervorosos que, em sentimento, se unem às vozes pueris em súplica à Santa Mãe, no anelo de salvação:
“Céu de Maria, Lindo, estrelado... Deixa o meu cantinho Lá no céu guardado.”
Outrora, quando os meios de comunicação eram ineficientes e as investigações demoradas, quando não burladas, facilmente se disseminava uma calúnia. Assim aconteceu com os cavaleiros templários, alvo da ambição de Felipe IV da França, cognominado O Belo, que em 1307 conseguiu exterminar a Ordem e confiscar os seus bens, causando sofrimento a tantas pessoas que assistiram, atônitas, as atrocidades cometidas. Entre tantas acusações impetradas contra os monges-guerreiros, incitadas pelo monarca francês, estava a de idolatria a uma “cabeça com barba”. Recentemente, o L’Osservatore Romano publicou um interessante artigo da pesquisadora Barbara Frale, estudiosa do tão cobiçado Arquivo Secreto do Vaticano, em que ela conclui que a “cabeça com barba” venerada pelos templários nada mais era do que o Santo Sudário. Em “Os templários e o Sudário – Os documentos demonstram que o tecido lençol foi custodiado e venerado pelos cavaleiros da Ordem no século XIII”, a pesquisadora minuciosa discorre sobre a trajetória da instituição, ereta com a finalidade de custodiar os lugares santos. Na consultas dos documentos diversos, Frale encontrou no processo contra os templários a descrição do ingresso de Arnaut Sabbatier, em 1287, no grêmio dos templários. De acordo com o documento, Sabbatier teria sido conduzido a um local só acessível aos monges-soldados do Templo, onde lhe teria sido apresentado um lençol de linho com a figura de Nosso Senhor impressa. Obedecendo às disposições do cerimonial, ele teria osculado-o três vezes na altura dos pés. Esse lençol de linho Barbara Frale não duvida que fosse o Santo Sudário, inclusive baseando-se nos estudos de Ian Wilson, da Universidade de Oxford, especialista na sagrada relíquia. Wilson afirma que a relíquia teria desaparecido após o saque da capela dos imperadores de Bizâncio, em 1204, reaparecendo no espólio do templário Geoffroy de Charney, que foi queimado juntamente com o grão-mestre da Ordem, Jacques de Molay, por determinação de Felipe IV. Inúmeras calúnias foram promovidas e disseminadas para ignomínia dos Templários, inclusive fomentando a imaginação de tantas pessoas, construindo fábulas absurdas, antagônicas à realidade dos fatos, diferentes dos sinceros propósitos daqueles cavaleiros. Uma delas é o famigerado “O Código da Vinci”, cujo correr da pena de Dan Brown foi impulsionado pela ânsia de sensacionalismo, sem um sólido embasamento histórico, senão um cruzamento de suposições levianas, depondo contra a verdade dos fatos e a idoneidade das personagens reais e das instituições. O trabalho da professora Barbara Frale é digno de todos os encômios, pelo bem que proporciona à humanidade, desvendando o passado ofuscado não só pelas brumas do tempo, mas pela tirania de determinados governos que, à custa do sacrifício da honra e da verdade, manchou a si próprio com o sangue inocente dos bons, lançando ao vento as penas da difamação. Aliás, essa mesma pesquisadora, há poucos anos, foi quem encontrou o célebre Pergaminho de Chinon, por meio do qual o Papa Clemente V exonera de culpa os templários. Permita Deus, o trabalho da doutora Frale não seja apenas uma referência, mas um exemplo de dedicação, de seriedade e de comprometimento para com a história e com a verdade.
A exclamação de uma casta saudosa e esperançosa ainda ecoa pelas terras lusitanas: “El Rei voltará!” Já não mais uma indagação, mas a certeza de que um dia, quando estiverem ainda “a ver navios”, ei-lo que surgirá com toda a sua majestade e, até certo ponto, antagônica inocência. O jovem Rei que desaparecera na célebre Batalha de Alcácer Quibir, na África, protótipo de um monarca dotado das virtudes necessárias para esse múnus, passou ao olimpo da imortalidade por simplesmente ter desaparecido. Não se mostrara um grande líder - era jovem demais para fazê-lo. Mas, apenas a valentia de partir e ir lutar para maior glória de Deus, reforçada, quiçá, pelo testemunho daqueles que o rodearam, não foi o suficiente para transformá-lo em um mito, sobrevivendo, até hoje, no imaginário português, especificamente, desde os meados do segundo milênio; todo um prelúdio histórico e um instante oportuno possibilitaram, do desaparecimento de um rei, o surgimento de um mito. Esse episódio envolvendo religiosidade e patriotismo marca o surgimento de uma nova maneira de esperar, ou pelo menos a configura desta forma. A esperança que o povo português passa a alimentar a partir daquele verão de 1578 decorre não apenas do desaparecimento de um “rei querido”; mais que isso, fere-lhe o patriotismo, sucedendo-se uma crise dinástica que perdurou por cerca de seis décadas. E esse é o principal motivo que faz do rei menino um mito, associando-se à sua imagem uma ideologia messiânica que atravessa, de forma singular, a história de Portugal, desde o Século XVI, acreditando no advento iminente de um rei libertador. Aí, então, inaugura-se o “sebastianismo” que, além da fé no regresso de El Rei, é um conjunto de temas messiânicos sucessivamente reelaborados em contextos de crise e de indefinição política; aliás, usado também como arma, num avivamento dos valores nacionalistas do povo, baseando-se nas profecias do sapateiro de Bandarra, e reiterado nos sermões do Padre Vieira, no contexto das invasões e no miguelismo, em Antônio Pires Sardinha, Fernando Pessoa, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão, entre outros; enfim, no imaginário popular, onde o sebastianismo assumiu uma enorme importância, dando expressão a um desejo persistente de libertação da miséria e opressão quotidianas. A tragédia, o sofrimento e a esperança são que alimentam o sebastianismo há séculos; na angústia de um povo, a crença no porvir. Sem perder o controle da compreensão da mentalidade e da estrutura que sustentam esse mito, há de sempre buscar a influência que tal sentimento vem exercendo no sentimento de portugueses e, por legado, dos brasileiros em alguns estudos. Dom Sebastião apresenta-se como uma figura controversa, inspirando admiração e ódio ao mesmo tempo, diferentemente para cada pessoa, indo de messias a cretino, de salvador a demente, inspirando paixões e atiçando polêmicas. Isso, porque estudam-no enquanto homem, e não como um mito, pois é desta forma como ele se apresenta, tendo hoje se tornado um fenômeno social e elemento inerente da alma humana. Daí compreender-se-á por que, no âmago de cada um, desde aquele surto apocalíptico dos quinhentos, ainda suspira a esperança de que “El Rei voltará!”
Quase seiscentos anos após sua morte, só agora, para gáudio dos portugueses – e por que não também dos brasileiros –, foi canonizado o carmelita Nuno de Santa Maria (nascido Nuno Álvares Pereira – 1360-1431). Um dos grandes heróis lusitanos, Nuno Álvares, que recebeu o título de “Condestável do Reino” por Dom João I, o Mestre de Avis, apresenta-se desde a sua época aos homens de fé como exemplo de cristão exemplar e súdito fiel, defendendo sua religião e sua pátria, convicto de sua missão. Foi um militar destemido, mas, antes, um católico fervoroso que, tendo encerrada sua carreira, recolheu-se na vida religiosa e, nutrindo-se da espiritualidade carmelita, tornou-se exemplo de humildade, trabalhando na portaria do convento que mandara erigir em Lisboa e como esmoler, atendendo aos pobres; aliás, dizem que aí se iniciou a “sopa dos pobres”, que ele servia aos que batiam à porta pedindo-lhe um adjutório. O nacionalismo acendrado do bom povo português tende a cultuar o mais novo lusitano elevado à glória dos altares pelos seus feitos notáveis, como vencedor de grandes batalhas que garantiram a unidade do Reino, como a de Aljubarrota, cantada por Camões n’Os Lusíadas. Era o modesto Portugal enfrentando o brutal exército de Castela, contando mais com a coragem e a austeridade de seu comandante, Dom Nuno, do que com os recursos bélicos, tão primitivos ainda naquela época. Alguns de seus biógrafos, numa interpretação sobrenatural de sua vida, creditam essas vitórias à sua fé e ao mais puro desejo de assegurar a catolicidade de sua terra. Parecia antever as tristes divisões marcadas pelo Cisma do Ocidente, em que Castela, por interesses políticos, aliou-se ao anti-papa de Avinhão, enquanto Portugal manteve-se fiel ao Bispo de Roma. Mas é ao final de sua vida que empreende a mais terrível batalha, atento, certamente, à admonição de São Paulo: “não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares” (Ef 6,12). Preparou-se, então, com as armas espirituais, ou seja, a armadura da justiça, a espada do Espírito, o escudo da fé, a oração, a disponibilidade para anunciar o Evangelho na construção de um reino de paz, perseverante na prática do bem. Ao cerrar os olhos para este mundo, enquanto entregava sua alma inteiramente a Deus, traduzia-se seu necrológio em testemunho de uma vida ornada de virtudes, reconhecidas pelo Papa Bento XV, em 1918, quando o beatificou, e agora pelo papa Bento XVI, que o canonizou. A figura de São Nuno de Santa Maria propõe-nos a tomada de decisões desprendidas de quaisquer interesses, senão os de fazer o bem pelo amor de Deus. É desta forma que ele ainda se nos apresenta, de um caráter íntegro, de convicções coerentes, de atitudes santas, no recolhimento da cogula do devotamento e da humildade, aquecido pelo amor abrasado de Jesus, guiando-se pela luz do Evangelho. São Nuno de Santa Maria, rogai por nós!
Neste dia, 23 de abril, comemora-se o natalício do Professor Alberto Libânio Rodrigues (1953-2000). Passados nove anos desde o seu falecimento prematuro, no dia 13 de outubro, seu nome ainda permanece vivo no meio cultural de Conselheiro Lafaiete, sua terra natal que tanto amou, cultuou e a divulgou.
Por isso, neste dia, reverenciamos sua memória, em reconhecimento ao seu trabalho como jornalista e agente cultural, além de escritor, historiador e poeta, dotado de uma verve como poucos a possuíram. Ao mesmo tempo em que se mostrava condoreiro, seus textos eram claros e diretos, granjeando admiradores sinceros e desafetos incontidos. Mas com o bom humor e a sinceridade que lhe eram peculiares, Alberto Libânio vivia destemidamente com todos, fosse falando, fosse empunhando sua pena, aliás, temida por muitos.
Sua estréia na imprensa foi num momento em que ela ainda era manipulada, servil aos interesses do partidarismo político interiorano, como vinha acontecendo desde o limiar da República, nos últimos anos do século XIX. Este era o perfil do jornalismo em Conselheiro Lafaiete até a década de 70. Por cerca de 80 anos, a imprensa esteve quase sempre nas mãos dos líderes políticos, sob o comando de partidos distintos que lançavam mão dela para “doutrinar” seus eleitores.
No momento em que a cidade inicia uma nova fase, em todos os aspectos, tanto questões sociais e culturais, influenciada, talvez, ainda pelos influxos de revolução de conceitos em todos o mundo desde o pós-guerra, como questões sócio-econômicas, principalmente com o advento da siderurgia, a partir da implantação da Aços Minas Gerais, em Ouro Branco, nos anos 70, nesse momento a imprensa passa por uma reformulação. Os primeiros sinais desse revigoramento jornalístico – para não dizer implantação de um novo jornalismo na cidade – puderam ser sentidos em “O Processo” (1972-1978), mas a efetivação desse alvorecer de uma nova e importante fase da história da comunicação em Conselheiro Lafaiete deu-se com a criação do jornal “Panorama” (1978-1984).
A cidade teve o seu primeiro jornal em 1894. No entanto, desde essa época, as publicações sempre estiveram nas mãos de um determinado grupo político ou de alguém que se deixasse influenciar – de certa forma até ser manipulado –, fosse pela situação governista, fosse pela oposição. Dezenas de títulos já haviam encabeçado os semanários, quinzenários, até mensários, destinados a informar a população de Queluz e, posteriormente, de Conselheiro Lafaiete. Nenhum deles, entretanto, encorajara-se a enfrentar a política local, exercendo um jornalismo imparcial, ou menos tendencioso. E isso se deveu, e muito, a Alberto Libânio, com destaque para sua atuação no jornalismo.
O futuro de um filho de um alfaiate e de uma costureira, que teve uma infância difícil, principalmente após o pai ter sido acometido por um derrame; aluno relapso na escola, reprovado em algumas séries do antigo curso ginasial e concluindo os estudos secundários em exames supletivos talvez não fosse promissor, se se tentar traçar seu perfil intelectual a partir daí.
Alberto Libânio Rodrigues foi esse menino que nunca conquistou boa condição financeira. Mas se projetou de maneira significativa quando, após alguns fracassos, definiu “o que queria fazer da sua vida” e pôs-se a lutar pelos seus objetivos. O que fora uma iniciação profissional - mais uma forma de ajudar à mãe, então viúva, no sustento da casa, com parcos cruzeiros -, despertou o interesse do menino de apenas 12 anos de idade, quando entrou pela primeira vez numa gráfica de jornal, tendo seu primeiro contato com os tipos de chumbo, a tinta e o papel, até tomar gosto pela leitura das notícias. A partir desse contato despretensioso com a imprensa, despertou-lhe o interesse pelas artes gráficas, passando à redação, excursionando pela publicidade e marketing, até se firmar como jornalista destemido e atuante, considerado, hoje, um marco na história da imprensa em Conselheiro Lafaiete. Aliás, essa atuação verificou-se não apenas em sua cidade natal, mas também em outros municípios por onde passou, custando-lhe a tranqüilidade, uma melhor condição econômica e até amizades. Empedernido em suas concepções, não cedia às influências, menos ainda às pressões, e seguia determinado com seu propósito, sem se permitir o esmorecimento. “O grau de obsolescência da cabeça de muitas pessoas é, às vezes, maior que o Monte Sinai”, dizia Alberto Libânio.
Ele superou suas limitações, trabalhou incansável, reagiu contra sistemas políticos adotados em detrimento da liberdade de expressão e acabou se tornando uma referência para o jornalismo do interior. Aliás, foi nessa faina que participou da fundação da Associação dos Jornais do Interior de Minas Gerais (ADJORI-MG), em 1982, sob a orientação da Associação Brasileira de Jornais do Interior (ABRAJORI), exercendo o cargo de primeiro secretário em sua primeira diretoria.
O novo estilo que Alberto Libânio lançou na imprensa lafaietense, entre os anos de 1978 a 1984, tornou-se, pois, uma referência para os veículos de comunicação impressos que o sucederam na cidade, tanto a linha editorial, quanto os conceitos de empreendedorismo e de administração.
Mas seu talento não se conteve dentro de uma redação de jornal, apenas. Ele foi além, promoveu sua terra natal, idolatrada em seu célebre “Queluzíadas”, legado de patriotismo aos seus conterrâneos, profissão de fé numa terra que nasceu do idealismo, na abertura de novos caminhos que indicam o progresso. Como editor, promoveu o soerguimento e/ou aparecimento de muitas instituições e pessoas, entre literatos e pesquisadores. Seus estudos históricos e genealógicos o conduziram ao vetusto Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, onde ocupou a cadeira cujo patrono era o Cônego José Antônio Marinho. Na Academia Mineira de Trovas encontrou assento entre os magníficos trovadores do Estado e, em seu torrão natal, fundou a Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette, que o teve como presidente até o seu passamento. Era a realização de um antigo sonho, vislumbrado nos primórdios dos anos 80, de reunir os intelectuais lafaietenses num sodalício onde as aspirações comuns dos acadêmicos impulsionassem a cultura local.
E eis que seu sonho se realizou e perdura ainda hoje, pujante, empunhando o guião erguido por Alberto Libânio, cuja divisa bem define os nossos ideais: “Labore scriptisque ad immortalitatem”.
Homenagem da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette ao seu fundador.
Corações em prece se voltam à Cidade Eterna para saudar o Beatíssimo Padre Bento XVI. No dia 16 de abril, Sua Santidade completou 82 anos de vida, com muita disposição e aparente vitalidade, não obstante o jugo da idade e o fardo de seu ministério. No dia 19, comemora-se o quarto ano de seu pontificado. E é com veneração que o reverenciamos pela sua magnânima existência, dedicada a Nosso Senhor e à Sua Igreja. Ah! Quantas não terão sido as propostas que as circunstâncias em determinados momentos não ousaram tentar seduzi-lo? Quantos atrativos talvez, debalde, procuraram demovê-lo? Quantas armadilhas certamente lhe prepararam os asseclas de lúcifer para arrefecê-lo ao longo de sua peregrinação por este mundo? Em “A minha vida”, escrita no final do segundo milênio, o então Cardeal Joseph Ratzinger, testemunha essa experiência, que às vezes nos constrange - e que muito mais, no entanto, nos fortalece -, ao remeter-se à lenda de São Corbiniano. Conta-se que aquele santo bispo, indo para a Roma, teria sido surpreendido por um urso atacando o seu cavalo. O bispo teria subjugado o feroz animal, obrigando-o a levar o fardo que ia sobre o lombo do cavalo. “E também eu levei para lá tudo o que era meu, e de há vários anos a esta parte caminho com a minha missão e o seu peso pelas ruas da Cidade Eterna”, concluía o então Prefeito da Congregação Para a Doutrina da Fé. A figura do urso foi-lhe tão marcante que, ainda hoje, o Santo Padre o conserva em seu brasão pontifício. Bento XVI, por meio de seus escritos, homilias, discursos, alocuções, desde muito antes de chegar a Roma, ainda na sua saudosa Bavária, sempre ofereceu uma interpretação sobrenatural dos fatos e dos desígnios de Deus; a figura do urso é uma. Talvez, por isso, o Papa tenha relatado esse episódio do primeiro bispo daquela que foi sua sé episcopal. Ele se coloca na figura do urso e o fardo, o múnus episcopal com o qual chegou ao Limiar dos Apóstolos. Mas penso que o urso seriam as adversidades que nos ameaçam e às vezes nos atacam, contra quem lutamos durante nossa vida. O fardo é a doutrina que nos rege, é a graça que nos conduz pela via em busca da perfeição. São lições como esta que o Vigário de Cristo sempre apresenta para nossa reflexão, cousas do cotidiano, ou de fácil compreensão, para certificarmo-nos de que a santidade é um dom acessível por todos que a desejam e se dispõem a viver plenamente em união com Cristo. A eleição de Bento XVI há quatro anos surpreendeu a muitos, que ainda hoje têm em sua retina a imagem cativante de João Paulo II. Os epítetos de “Panzerkardinal” (Cardeal Blindado) e de “Grande Inquisidor”, que alguns injustamente lhe imputavam, devido à sua rígida ortodoxia dogmática, eram como que um entrave nos olhos daqueles que não queriam vê-lo como o vemos hoje: firme em seu Magistério, solícito em seu ministério, pai e pastor de todos aqueles que se deixam guiar pela sua cruz. Sua voz tranqüila, seu verbo preciso, sua presença austera revelam-nos a fonte onde hauri sua segurança: a oração. E na salmodia da Liturgia Diária, certamente, lhe consola o salmista: “Estarei sempre convosco, porque vós me tomastes pela mão. Vossos desígnios me conduzirão, e, por fim, na glória me acolhereis” (Sl 73, 23-24), suplicando-nos, ainda: “Rezai por mim, para que eu não fuja, por receio, diante dos lobos” (Homilia na Missa da Entronização, 24/04/2005). Ad multos annos, beatissime Pater!
Prorrompe dos cantos litúrgicos o “Aleluia”, anunciando que o Cristo ressuscitou verdadeiramente. É a explosão de uma alegria intensa diante de um acontecimento feliz, aguardado pelo povo de Israel, predito pelos profetas, sobrepondo-se a toda expectativa. “Louvai o Senhor!” é a expressão literal dessa interjeição que se seguirá a toda oração nas próximas semanas, na Igreja Católica, quando se constata efetivamente a conclusão do centurião diante da Cruz: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!” (Mt 27,54). É o legado daqueles que primeiro acreditaram em Deus, dirigindo-se a Ele dessa forma, agradecendo a providência especial que o protegeu nos momentos difíceis de sua existência.
O “Aleluia” remete-nos à libertação dos israelitas, agrilhoados no Egito, sem Pátria e sem altar, vítimas da tirania dos faraós, quando Deus ouviu o clamor desse povo e lembrou-se de Sua aliança (Ex 6,5). A celebração daquela primeira páscoa, a passagem do exílio à libertação, prefigurava, desde então, a passagem da morte para a vida. O sangue do cordeiro imolado assegurou a vida àquele povo sofredor. O sangue do verdadeiro Cordeiro, imolado na cruz, resgatou a humanidade cativa pelo pecado, restituindo-lhes a graça da vida eterna. “O Senhor é o herói dos combates (...), lançou no mar os carros do faraó e o seu exército” (Ex 15,3-4). O canto de Moisés era a expressão da alegria de toda aquela gente.
O “Aleluia” que se anuncia pelos cânticos alegres, pelo repicar dos sinos, é a manifestação da humanidade que vive na liberdade da graça de Deus, livre dos grilhões do pecado. É uma parcela do sentimento que São João anteviu desde Patmos, ao contemplar a Jerusalém celeste, ao ouvir os eleitos num só coro: “Aleluia! A nosso Deus, a salvação, a glória, e o poder, porque os seus juízos são verdadeiros e justos” (Apoc 19,1-2).
Cristo venceu a morte e os tormentos da Cruz. Ele vive, verdadeiramente. “Em virtude da Cruz, difundiu-se a alegria no mundo todo”, reza a Igreja na liturgia da Sexta-feira Santa. Essa alegria se renova todos os dias, a cada vez que o sacrifício incruento da Cruz se repete, anunciando o triunfo de Nosso Senhor Jesus Cristo, reunindo toda a grei num só canto de ação de graças: “Aleluia! Aleluia! Aleluia!”. Alegria que deve ser haurida em toda a sua plenitude, pois esse sentimento brota do mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Que benefício maior o homem poderia obter de Deus, senão a sua redenção?
“Aleluia!” é a expressão que se prorrompe dos corações fiéis, que louvam a Deus pela Sua misericórdia. “Aleluia!” é o sentimento que se esvai dos corações generosos, que buscam, por meio da caridade, da fraternidade, da entrega irrestrita a Deus, partilhar esse gáudio que nos toma pela graça de que um dia poderemos contemplar o Senhor face a face (Sl 41,3). “Aleluia! O Senhor ressuscitou verdadeiramente!"