“Não é amigo quem busca a utilidade, nem quem se recusa a associar a amizade à ajuda, porque um procura o tráfico da recompensa e o outro destrói o laço de confiança”. Esta sentença de Epicuro, cognominado filósofo da amizade, é oportuna para refletir nestes dias, em que na política local nos detemos com a realidade das amizades ante o interesse pessoal. Parecia a todos, creio, que existia uma amizade entre as pessoas que compõem o governo municipal. Com o tempo, desde que se iniciou o mandato, alguns foram se afastando, o que reforçava mais ainda essa crença. Ora, se se afastaram é porque não correspondem a contento ao programa traçado para a administração pública, ou não comungam das mesmas idéias, ou ainda tinham outros interesses, demonstrando aí nenhum comprometimento com o que propunham.
Quando o ex-procurador municipal se atira em busca de uma vaga na Câmara de Vereadores, num momento em que o município assiste a uma das mais medonhas crises, que é a ameaça de cassação do prefeito (para quem trabalhava, diga-se de passagem, e de quem parecia ser amigo), ele bem se enquadra nas palavras do filósofo ateniense: “Não é amigo quem busca a utilidade, nem quem se recusa a associar a amizade à ajuda”. O ex-procurador municipal buscou seu interesse apenas e recusou ajuda ao “amigo” que dela necessitava; ademais era sua obrigação atuar como tal, pois era sua função.
Mais uma vez, nota-se a desordem entre eles e a vítima deste momento não pode, ainda, experimentar a afirmação de Aristóteles, que “na pobreza, como no infortúnio, os homens encontram o seu único refúgio nos amigos”. Ela viu mais um se afastar e pôde atestar a sinceridade de muitos que ainda a rodeiam e até de alguns outros que, mesmo distantes ideologicamente, ainda lhe voltam um olhar solidário, atestando que a amizade é muito mais do que estar próximo, na pobreza e no infortúnio; é experimentar uma afeição mútua, uma dedicação e lealdade que avançam as raias do altruísmo, muito além da mera cooperação, a ponto de colocar os interesses do outro sobre os seus. “É a aceitação de cada um como realmente ele é”, afirma Carl Rogers. Aí vemos que talvez o prefeito tenha sido realmente amigo do ex-procurador, pois o aceitou como ele sempre foi, a ponto de dar-lhe asas para voar em busca dessa quimera, que é um assento entre os vereadores, que ele tanto criticou (é bom lembrar), talvez por muito ambicioná-los.