quinta-feira, março 27, 2008

Na paz do Senhor

Chegou-nos na manhã da última quinta-feira, dia 27 de março, a notícia do falecimento do cônego João Baptista Gomes Neto. Há muito vinha padecendo as agruras da enfermidade e, finalmente, no enlevo dos eflúvios pascais, foi chamado a participar do gozo eterno que nos resgataram a paixão e morte de Cristo. E neste tempo em que a Santa Igreja canta a vitória da vida plena sobre a morte, cônego João Baptista já participa dessa alegria perenal, junto daqueles que o antecederam na graça da visão beatífica.

Foi um padre santo. Não temo fazer esta afirmação, nem tocado pelo escrúpulo de exceder-me em decorrência da amizade que nutríamos mutuamente, ou na emoção deste instante. Foi, sim, um padre santo. Santo no sentido de ser-nos apontado como exemplo de cristão a ser seguido. Impressionava-me o amor puro que tinha por Deus, a confiança na proteção de Nossa Senhora e a dedicação ao ministério sacerdotal. Em todas as vezes que dava mostras dessa sua devoção, parecia um infante à mesa eucarística pela primeira vez; podia-se notar o brilho de seus olhos. Era todo de Deus.

No púlpito, bastante experimentado pela prática pastoral que teve na zona da Mata, onde trabalhou por muitos anos, buscava a simplicidade das palavras e os paradigmas do dia-a-dia para melhor compreensão de seus ouvintes. No confessionário, era o ouvinte tranqüilo, o conselheiro bondoso, um pai amoroso sempre a indicar a senda segura na via espiritual. No altar – ah, no altar! – revestia-se nitidamente do alter Christus, entregando-se todo ao seu ministério. Visivelmente, tinha satisfação em, todos os dias, subir à ara santa e renovar o Santo Sacrifício da Cruz. Compreende-se aí a fonte de sua santificação, a Santa Missa, como nos assegura o padre Garrigou-Lagrange: “A santificação de nossa alma se encontra em uma união, cada dia, mais íntima com Deus, união de fé, de confiança e de amor”.

Uma saudade muito dorida feriu-nos o peito, ao sabermos do passamento do cônego João Baptista. Há muito não o via, apenas tinha notícias por telefone e pelos que lá iam visitá-lo; talvez afeta-me um remorso por não ter ido mais vezes vê-lo, mas somos reféns de um açodamento que nos impede até de ir estar com os que nos são tão caros.

Na cidade, poucos, talvez, se lembrem dele, afinal já se faz mais de dez anos que ele foi-se embora daqui. Os amigos e ex-paroquianos foram se informando uns aos outros. Nem um dobre fúnebre soou dos campanários da Matriz, avisando seus ex-paroquianos. Restou-nos afogar as lágrimas no coração, oferecendo um sufrágio a Deus Nosso Senhor pelo descanso eterno do bondoso cônego João Baptista.

Requiescat in pace.

quinta-feira, março 20, 2008

Ó árvore bendita

Aprendemos que existem duas fontes da revelação de Deus Nosso Senhor: as Sagradas Escrituras e a Tradição. Nelas estão o depositum fidei, donde os sucessores dos Apóstolos tiram as jóias que ornam a espiritualidade cristã, reafirmando as verdades eternas, alimentando a humanidade na sua caminhada rumo à Jerusalém celeste. E nos últimos dias, "visitando" os Padres da Igreja, constatamos, mais uma vez, a intimidade que eles experimentaram com os escritos sagrados, numa escuta atenta à voz de Deus, ecoada pela força do Espírito. Comunicando-nos, até nossos dias, uma pessoal experiência de Deus, a ponto de ilustrar de forma catequética todo o emaranhado de fatos e de personagens que se apresentam testemunhando a mão divina na caminhada milenar do homem.

Uma de suas ilustrações é sobre da fonte do primeiro pecado e da graça da redenção. Relata-nos um dos Padres que, encontrando-se na agonia da morte, enviou Adão seu filho Set ao Jardim do Paraíso em busca de remédio. Em lá chegando, o anjo que guardava a entrada ouviu-o, cortou um ramo da árvore de cujo fruto comera Adão, em desobediência, entregou-a a Set e disse-lhe que, quando o ramo desse o seu fruto, seu pai estaria curado. Mas o filho, chegando em casa, encontrou já o pai morto. Set plantou, então, o ramo na cabeceira da sepultura de Adão.

O ramo cresceu e transformou-se em frondosa árvore. A rainha de Sabá, conhecedora dessa história, relatou-a a Salomão, advertindo-o de que aquele madeiro seria a causa da ruína de seu povo. O sábio rei mandou cortar a árvore e enterrá-la. No entanto, ao nascer Jesus a árvore voltou à face da terra e, quando o Divino Mestre foi condenado à morte, foi justamente essa árvore que deu a madeira para o seu sacrifício. E os Padres descobriram com renovado sabor a palavra das Escrituras: "A árvore deu o seu fruto".

A prevaricação de nossos primeiros pais culminou com o maior ato de amor, que somente um Deus poderia cometer, dar-se completamente pela nossa salvação. O Criador humanou-se e se entregou à morte ignominiosa para que o seu sangue purificasse a descendência de Adão. A vida de Jesus, seu exemplo, sua entrega, condensa-se, como aponta-nos São Paulo, num símbolo tão contraditório quanto simples e evocador: a cruz. A transgressão da cruz, onde a dor dos homens de todos os tempos é excedida sem medida, tem a sua hora marcada na carne, autêntica fonte de um amor que não se contém a jorrar a flux, recriando, plenificando, devolvendo à vida. Essa "kenose" da cruz, como vemo-la no Apóstolo dos Gentios em sua Carta aos Filipenses, é a consumação do amor num sacrifício perene que se repete, incruento, todos os dias, sobre os altares. Fruto daquela árvore.

sexta-feira, março 14, 2008

Momentos de reflexão... para os políticos de Lafaiete

A Semana Santa, este ano especialmente, deveria ser um momento de especial reflexão para os políticos de Lafaiete. Não apenas pelo momento propício para tal ato de crescimento ascético, mas principalmente pelos “pecados públicos” cometidos ultimamente por eles. Frei Tibúrcio, certamente, não lhes pouparia a medieval prática da auto-flagelação como expiação de suas prevaricações.

Acredita-se que os ditos “homens de bem” se apresentam à comunidade como exemplos de retidão e capazes de administrar a “coisa pública”, com a disposição para exercerem o governo democrático. Seriam a voz altissonante do povo nos parlamentos, seriam o timoneiro dessa embarcação social que conduz os homens, singrando pelos oceanos do desenvolvimento humano. Mas não. Acabamos, sempre, por constatar que não passam eles de míseros pecadores, em meio à essa de ímpios, num mundo que clama por respeito e justiça, erguida sobre uma torrente de dejetos lançados pelos maus governos, conspurcando a honra do cargo que muitas vezes ocupam.

Mesmo não sendo regra geral, haveria de ser para o porvir, e antes para a emenda dos viciados na desonra, sem nenhum pudor, para que, ao mirarem as faltas alheias, lembrem-se de manter na conduta idônea aos representantes legitimamente eleitos pelo povo. Para exercerem bem o seu mandato, é preciso que lancem mão dos tradicionais livros de espiritualidade (fora com as modernas teorias da psicanálise), para reconhecerem o seu nada – “nihil est”, sua insignificância, e compreensão clara e profunda de que o que são e o que têm, nada mais é do que graça de Deus.

Portanto, na contemplação da paixão e morte de Cristo – o Deus que se humanou para expiar o pecado de nossos primeiros pais – que os políticos lafaietenses busquem a conversão de seus modos e o bem-estar de nosso povo. Que deixem de viver voltados apenas para o seu meio e percebam, ao seu redor, os mais de 100 mil habitantes à mercê de seu governo. Até outubro, ainda há tempo de darem provas de uma mudança radical de vida e de suas despretensiosas capacidades, senão a do engrandecimento de Conselheiro Lafaiete.

Boa Páscoa!

No pretório

Tramita no Supremo Tribunal Federal, em Brasília, um dos processos mais polêmicos da história jurídica do país, envolvendo questões morais e éticas. E nestes dias em que se comemoram a paixão, morte e ressurreição de Cristo, torna-se oportuno refletir sobre a responsabilidade dos ministros da Suprema Corte. Exercerão, eles, o papel de lídimos magistrados, a quem cabe assegurar a justiça na condução na Nação, desvinculados de qualquer compromisso pessoal, seja ideológico ou afetivo, mas comprometidos unicamente com a verdade? Ou serão Pilatos hodiernos, eximindo-se de sua responsabilidade, crédulos na frigidez científica, apenas, denotando até falta de conhecimento profundo para julgar uma questão tão complexa? Mais uma vez na história, assistimos à condenação de inocentes indefesos.

Laivos de esperança, contudo, despontam-se. Cremos ser a Providência Divina indicando o caminho a seguir, protegendo-nos da ilusão que o açodamento científico muitas vezes nos seduz. Realizaram-se, recentemente, novas descobertas científicas sobre células-tronco (ou estaminais) adultas, que não implicam a eliminação de vidas humanas, ratificando a batalha ética liderada, principalmente, pela Igreja. Equipes japonesa e americana teriam conseguido transformar células de pele humana em células-tronco, capazes de evoluir em células nervosas, cardíacas ou em qualquer dos 220 tipos de células do corpo humano. De acordo com a Federação Internacional de Associações Médicas Católicas (Fiamc) a nova técnica, ainda que exija aperfeiçoamento, é tão promissora que o cientista que conseguiu clonar a primeira ovelha do mundo, Ian Wilmut, teria anunciado que deixará de lado a clonagem de embriões para focalizar-se nas células-tronco derivadas de células da pele.

Infelizmente, cientistas e leigos ainda resistem à compreensão e à aceitação de que a vida humana nascente é digna de todo respeito, mesmo ainda não terem, essas experiências, sucessos garantidos, ao contrário da pesquisa e tratamentos com base nas células-tronco adultas, que já dão resultado. Ao tratar com elas não se destroem embriões, aliás, procedimento com êxitos muito valorizados nas sociedades ocidentais desenvolvidas e eficazes.

A nova descoberta científica, uma resposta ao apelo dos católicos do mundo inteiro que vinham alimentando essa esperança, impelidos pela voz do Vigário de Cristo, reafirma que “a ética que respeita o homem é útil também para a pesquisa e confirma que não é verdade que a Igreja esteja contra a pesquisa: está contra a má pesquisa, que é nociva para o homem, constatando que todos os milhões destinados a pesquisar com células embrionárias se converteram em um ‘esbanjamento’”, conforme observou o presidente da Academia Pontifícia para a Vida, dom Elio Sgreccia.

Enquanto isso, alguns movimentos no Brasil insistem na liberação das pesquisas que sacrificam embriões humanos. São os Herodes de nossos dias coagindo os Ministros da Suprema Corte a procederem como Pilatos.

segunda-feira, março 10, 2008

Há 200 anos...


O Brasil está lembrando, com algumas comemorações, os duzentos anos da chegada da Família Real. Em janeiro realizaram-se algumas festividades em Salvador (BA), onde primeiro aportou, e neste sábado, dia 8, será o ponto alto das comemorações na cidade do Rio de Janeiro, onde se fixou a corte portuguesa. Os Círculos Monárquicos se esforçaram para que a efeméride fosse lembrada com gratidão pelos brasileiros, mas a leviandade republicana tratou-a apenas como mais uma data histórica a ser comemorada, sem dispensar-lhe o necessário escopo de resgatar a dignidade da Casa Real Portuguesa que, ao deixar Portugal para não sucumbir à tirania napoleônica, veio inaugurar um novo tempo, veio redescobrir o Brasil.

Alguns historiadores afirmam que, há algum tempo, dom João, ainda como príncipe regente, já manifestara a possibilidade de ultrapassar o Atlântico e se estabelecer além-mar, dissuadido, contudo, pelos seus. O momento, no entanto, fez-se oportuno, quando as tropas de Napoleão marchava já em terras lusitanas em direção a Lisboa onde, indubitavelmente, renderia os Bragança e, certamente, como fizera na Espanha, exilaria-os nalguma quinta, no interior português, e colocaria no trono algum de seus protegidos. Aí sim seria a espoliação de Portugal em todos os sentidos.

É quando reage o equivocadamente considerado "bobo" Príncipe Regente. Chegara o momento de partir para assegurar a soberania da Coroa Portuguesa. Os preparativos foram, sim, às pressas; tiraram tudo o que lhes foi possível; atropelavam-se a caminho do cais; muita gente ficou, com as tropas que alcançavam já os montes ao redor de Lisboa, "a ver navios". Mas ninguém pode negar que atitude de dom João foi uma das mais acertadas, não apenas para garantir o seu domínio, mais ainda, para o desenvolvimento do Brasil.

A partir da chegada da Família Real à Terra de Santa Cruz inicia-se uma nova fase. O país conhece, então, o desenvolvimento em todos os sentidos. A abertura dos portos, declarada ainda quando estava na Bahia, foi o primeiro passo para o deslanchar comercial, e a criação de instituições assegurou o ordenamento da administração pública: Banco do Brasil, Real Gabinete de Leitura, escolas, tropas que asseguravam a segurança, um revigoramento social e intelectual, tudo isso foi primordial para que, poucos anos depois, a nacionalidade brasileira fosse ratificada coma elevação a Reino Unido e, em 1822, a fundação do Império do Brasil.

Há 200 anos o Brasil era redescoberto por dom João - O Clemente - que reafirmou a vocação desta terra bendita, onde a sucessão de seus atos a confirmou como o Império do Cruzeiro do Sul.

Viva el Rei!

"Ubi veritas?"

Chegou ao fim o affaire Júlio Barros. Uma liminar da Justiça suspendeu a sessão da Câmara de Vereadores, que votaria a cassação do prefeito de Lafaiete, na última terça-feira, dia 26. O Circo de Cavalinhos foi armado, muitos se divertiram bastante e agora se acabou a brincadeira. Pensaram ter sido o suficiente para atiçar a população, com vistas à campanha eleitoral que se inicia daqui a poucos meses, para o pleito de outubro próximo.

Ao final de pantomima, não sabemos se rimos ante tanta tibieza, às raias de uma ingenuidade pueril, ou se lamentamos pela frivolidade com que muitos assistiram e até participaram desse processo. E volto a me envergonhar de tanta gente sem princípios, desordeira, mal informada, arrogante e oportunista que quis tirar proveito dessa ameaçadora cassação, de ambos os lados, tanto correligionários, como opositores.

Nestas linhas onde, muitas vezes, permiti-me levar pela admiração do trabalho realizado pela Câmara de Vereadores de Conselheiro Lafaiete, hoje lamento não poder fazê-lo com a mesma sinceridade. E um ditado antigo, assaz grosseiro, bem traduz a frustração desse instante histórico que poderia ter sido gravado nas páginas das crônicas lafaietenses para a posteridade exaltando o brio do Poder Legislativo, resgatando a dignidade de muitos inocentes acossados pela injustiça: "ejusdem farinæ". Todos os vereadores se comprometeram por causa da fraqueza ambiciosa de alguns poucos dentre os seus.

Se houve denúncia, é porque havia algo que comprometesse a lisura do processo administrativo, aliás, como a Comissão Parlamentar de Inquérito apurou. Se se constituiu uma Comissão Processante foi porque existiram elementos que a movessem. A inaptidão da Comissão foi não ter realizado o seu trabalho a tempo, beneficiando o acusado que, é bom ressaltar, não foi absolvido. Ele apenas conseguiu uma liminar que adiaria a sessão que aconteceria no último dia do prazo legal. Portanto, frustrou-se a Comissão por ineficiência de seus membros, a propósito, pivôs de todo esse vergonhoso desfecho.

A declaração do presidente da Câmara, pastor José Boaventura, de que as urnas fariam esse julgamento foi acertada. As urnas apurarão, sim, o julgamento dos lafaietenses que, certamente, reiterarão a opção de quatro anos atrás. E seria muito bom que isso acontecesse, para que a oposição amargue por mais quatro anos a incompetência e o oportunismo de tantos que a ela se misturam, subjugada pelo governo que tentaram derribar. Consola-nos, por fim, que "nihil diu occultum". Cedo ou tarde a verdade virá à tona.

sexta-feira, março 07, 2008

Pátrias irmãs


Discurso proferido na reunião conjunta da ACLCL com a Academia de Letras de São João del Rei, dia 30/09/2007, naquela cidade.

É indescritível a sensação que nos toma neste instante em que, qual num ato litúrgico, reunimo-nos nesta solenidade, inspirados pelos sentimentos fraternos e pelo civismo que nos move a alistarmo-nos nas fileiras que pugnam pela preservação do belo, das artes, de nossa cultura em geral.
E a essa sensação se soma a emoção de poder falar a tão eminentes confrades, guardiões deste templo sagrado, onde se conservam as referências literárias, zelosos pelos valores desta urbe que se constitui um pilar sagrado das tradições mineiras.

“Solve calceamentum de pedibus tuis:
lócus enim, in quo stas, terra sancta est.” (Ex3,5)

Sinto este sussurrar divino aos meus ouvidos. A terra onde piso é sagrada, pois nela se alteou, solidamente, os marcos que direcionam o caminhar da história. Aqui se levantou a cruz primeiro, antes daquelas que viriam a ser o centro governamental destas terras, a cujo reflexo floresceu a fé católica que se espalhou pelas Gerais. Aqui se travaram as primeiras lutas pela consolidação do que é hoje nosso grandioso Estado.
Não deitaria incenso nos turíbulos que perfumam este panteão, se fosse tíbia a devoção pela terra onde impera a Virgem do Pilar, se não me convencessem os grandes feitos de seu bom povo nesses três séculos de história.
E me sinto, nesta tribuna, temeroso pela responsabilidade que se me impõe, ao dirigir-me à fina flor da intelectualidade são-joanense, que, em meio às tempestades das paixões e críticas desencontradas, peculiares numa sociedade inconsciente, não pensante, acende em suas frontes os santelmos luminosos que os distinguem como tal.
Temo profanar este templo, onde a palavra há de sempre se elevar; temo profaná-lo se não reverenciar ex imo corde a plêiade de insignes varões que imaginariamente se postam neste recinto, na lembrança de cada um, nas crônicas deste silogeu, na história de São João del Rei.
Mas, sabedor do espírito cristão de nossa gente, confortado ainda pela afirmação do Conde Carlos de Laet, de que, “neste habitáculo das letras, a tolerância não é somente uma virtude, mas uma exigência impreterível”, atrevo-me a falar em nome dos caros confrades da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette.

Nesta confiança, dirijo-me aos Senhores membros da Academia de Letras de São João del Rei para externar nossa satisfação ao prosseguirmos com o intercâmbio que se iniciou no último verão, quando recebemos atenciosa visita de uma comitiva são-joanense em nossa solenidade de final de ano. Eram os primeiros passos de um relacionamento mais próximo entre as duas entidades irmãs, aliás, um resgatar de relações passadas entre São João del Rei e Carijós, um reaproximar de duas pátrias irmãs.

Embora a Real Vila de Queluz tenha se emancipado da Vila de São José, em 1790, até a terceira década dos oitocentos esteve ligada à Comarca do Rio das Mortes, o que, daí em diante, não significou um distanciamento, conquanto já fosse acendrado o comprometimento fraterno de inspiração e de ideais.
Essa esplêndida significação orna esta especial oportunidade em que o resgate do passado destas duas cidades nos dá uma idéia viva da eternidade da correlação assim existente.
Carijós, como muitas outras localidades, surgiu no alvorecer da civilização mineira, após os áureos raios do sol da prosperidade ter se lançado sobre o Campo das Vertentes. E para lá seguiram os que por aqui passaram, e lá se fixaram muitos que aqui nasceram.
A partir daí, já se observa essa amizade que, apesar da distância geográfica, perduraria pelos séculos seguintes pelo afeto, pelos ideais e, principalmente, pela fé.
E por essas veredas do tempo vai-se acentuando essa convivência, como num dos mais inflamados instantes de nossa história, a Conjuração Mineira: aqui como um dos focos – por que não dizer o berço? – das aspirações democráticas em Minas; lá como uma espécie de parlamento dessas proposições, mais precisamente nas estalagens da Varginha e das Bandeirinhas.
O momento, no entanto, não era aquele. Precisava a brasilidade ser mais burilada, os ideais menos apaixonados, o pensamento mais solidificado nas convicções ortodoxas. Assim, quando o momento se fez oportuno, São João e Queluz se posicionaram, garantindo a integridade do Império do Brasil que se inaugurava. E, logo, logo, em dois momentos vemo-las juntas, marchando com os mesmos propósitos. O primeiro, na sedição de Ouro Preto em 1883, em imediata reação, nas palavras do Cônego José Antônio Marinho, “na heróica Vila de Queluz” levantou-se o movimento de resistência à rebelião e a Câmara de São João del Rei chamava ao presidente Manuel Inácio de Sousa e Melo para que aqui se instalasse o governo provisório. Isso, porém, não se sucedeu dada a firmeza com que se desbaratou os revoltosos. Poucos anos depois, ainda afligidos por inconseqüências reacionárias, levantou-se a coluna dos liberais, reunindo gente de cá e de lá na Revolução de 1842 que, não obstante terem vencido os legalistas, a bandeira dos derrotados, doravante, norteou muitas decisões de S. M. Dom Pedro II.
Minas se engrandecia cada vez mais; o Brasil se reafirmava como o grandioso Império do Cruzeiro do Sul, com a participação de ilustres personagens, entre muitos, que nasceram à sombra dos campanários são-joanenses e os que se refugiavam sob o cerúleo manto da Senhora da Conceição de Queluz.
E não poderia deixar de citar a receptividade do 11º Regimento de São João del Rei, num dos recentes e trágicos episódios da historia universal, quando para cá vieram 67 jovens lafaietenses se prepararem para lutarem no Velho Mundo, nos instantes decisivos da Segunda Grande Guerra Mundial
Em todos os momentos, São João e Conselheiro Lafaiete – desde os tempos de Carijós – miram dois destinos do desenvolvimento, a grandeza e a felicidade, não da maneira insensível como o mundo no-los apresenta hoje, racionalista, paganizada, como que na formação de uma “humanidade sem Deus”. Mas diferentemente, na convicção de que a crença em Deus é o mais firme alicerce da ordem social, correndo sempre a depositar na ara santa, baluarte inexpugnável da nacionalidade, os seus tributos de ação de graças.
Se se crê num Brasil hoje democrático, este estado tem um quê de mineiridade; vivificou-se com o bafejo das aspirações de nosso povo, desde aqui, para toda a Terra de Santa Cruz.

É por isso, Senhores, que nesta sessão em que se reafirmam os objetivos comuns dos que nos antecederam, se reafirmam, também, os objetivos comuns da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette e da Academia de Letras de São João del Rei. É como que para professarmos, unidos, os mesmos ideais de cultuar e preservar o idioma pátrio, com o qual se canta nossa história, com o qual melhor se expressa nossa cultura.
Externo nossa gratidão, primeiramente, ao professor João Bosco da Silva, que com sua participação no Concurso Literário promovido por nossa Academia possibilitou essa aproximação proposta pelo acadêmico Antônio Guilherme de Paiva e efetivada, hoje, sob os auspícios da presidência do acadêmico Wainer de Carvalho Ávila.
Doravante, mais unidos, continuaremos a defender nosso Brasil não apenas com o que nos impõe a cidadania, mas principalmente com os elementos, não menos indispensáveis, se não mesmo essenciais à existência da nacionalidade, que são a fé, a língua e as tradições culturais. Mercê de Deus Nosso Senhor, não se tem hoje muitas cidades descurado deste sacrossanto e patriótico dever, ao erguerem, ao lado dos templos religiosos, tão marcantes em nossa cultura, santuários, como este, da língua pátria e das tradições locais.
Hoje, quando muitos oscilam entre um estrangeirismo muitas vezes iconoclasta e um pseudo-nacionalismo rubro e indefinidamente equivocado, urge defendermos o patrimônio das riquezas imponderáveis da lídima brasilidade. E tal como o povo hebreu conservava outrora, na sua preciosa Arca da Aliança, toda revestida de ouro, o maná do deserto, as Tábuas da Lei e a vara florida de Arão, da mesma forma, guardemos e salvaguardemos, também nós, no escrínio de nossos cenáculos, o maná da fé patriótica, as tábuas da lei do civismo e o ramo sempre em flor das tradições de honra e bondade de nosso povo. Assim, fraternalmente unidos, marchemos resolutos e confiantes para o futuro, que é a Terra da Promissão, terra onde florescem, como rosas de Jericó, os ideais que não morrem, e dos quais somos destemidos propagadores, pois nos situam e nos consolam no tempo, cristalizando-nos no olimpo onde se imortalizam os feitos de nossas Academias.
Tenho dito.