sexta-feira, julho 31, 2009

Centenário do Padre Pedro Vidigal


Neste ano, comemora-se o centenário do padre Pedro Maciel Vidigal, figura austera, polêmica pela sua intransigência em defesa dos retos valores, da firmeza de caráter e da decência. Morreu nonagenário, lúcido e combativo, aos 95 anos, cercado pelo carinho de seus sobrinhos e amigos mais próximos, acalentado pela leitura dos grandes nomes da literatura clássica, reverenciados exaustivamente em suas obras, demonstrando uma afinidade que existia entre eles.
Pedro Vidigal foi uma figura polêmica, não pelo simples desejo de polemizar – o que se verifica comumente em nossos dias, mas por gritar em favor da verdade e da justiça, em todos os seus aspectos, e pela aplicação da ética, da moral. E foi assim que demonstrou a todos o seu caráter decisivo, seu temperamento forte, ganhando, por isso, alguns desafetos ao longo de sua vida, não que os quisesse como tais, mas eles tomaram essa posição ante a sua pessoa.
Formado no tradicional Seminário de Mariana, ordenou-se padre em 1931, indo, em seguida, dedicar-se ao magistério em Ponte Nova e, depois, ao governo das almas nas paróquias de Porto Firme, Dionísio e Nova Era, tendo exercido, ainda, a capelania do 11º Regimento de Infantaria do Exército, em São João del Rei. Enquanto cuidava da direção espiritual de seus aplicados, pôde conhecer as limitações e necessidades temporais naquelas regiões e, após uma série de episódios estritamente clericais – que não vem ao caso serem aqui abordados – já envolvido nos meios políticos, Pedro Vidigal viu-se levado a Assembléia de Minas, onde atuou com destaque de 1955 a 1959, e à Câmara dos Deputados, de 1959 a 1971.
Como parlamentar, participou de comissões diversas e de representações da Câmara em viagens ao exterior. Da tribuna da Assembléia e do Congresso Nacional fez ecoar por todo o país sua voz enérgica, conclamando a Nação para a restauração de uma sociedade que se orientasse pela justiça e pela cruz. Com muito discernimento, assistiu aos movimentos que precederam à Revolução de 64, e por isso soube dar o apoio necessário aos governos que se seguiram, com bom senso, acreditando ser um processo transitório, ainda que aparentemente reacionário, mas necessário naquele momento.
Humanista dedicado aos estudos, deixou inúmeras obras acerca da política, sociologia, história, genealogia e suas memórias. Em suas últimas publicações, extravasava, aliás como sempre o permitiu fazer, suas impressões sobre a existência humana, a graça sobrenatural e o que estava por vir. Era como um testamento espiritual para todos aqueles que se deixam guiar pela sensatez, firmeza de caráter, humildade e responsabilidade para com suas obrigações. Padre Vidigal terminou sua carreira certo de ter cumprido sua missão, tendo servido à Igreja, a qual sempre demonstrou sua gratidão e obediência; à Pátria, tendo-a servido destemidamente e com sincera dedicação; e à sociedade, retribuindo a todos que dele necessitaram com obras de cunho assistencial, em prol da educação e, mais valiosos ainda, com seus escritos. Padre Vidigal passou à história como o homem que mais se assemelha a Deus, no conceito de Pitágoras, tendo feito benefícios e exercitado a verdade.

sexta-feira, julho 24, 2009

O conceito de verdade

“O amor – ‘caritas’ - é uma força extraordinária que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz”. Com esta bela definição, o Papa Bento XVI inicia sua recente encíclica “Caritas in veritate”, apresentada ao orbe no dia 7 de julho. Abordando um tema complexo, surpreendendo a muitos, principalmente aos cépticos e aos mais reticentes com relação à Igreja, o Santo Padre discorre sobre a questão social, apontando os excessos do capitalismo, as diferenças acentuadas entre as classes, a insensibilidade de tantos quanto a essa questão, as crises econômicas. Enfim, Ratzinger se mostra conhecedor profundo da atualidade, em todos os âmbitos.
Nas primeiras linhas o Papa já apresenta o que seria a origem da desordenam do mundo hodierno. Na busca da compreensão da caridade à luz da verdade, Bento XVI volta ao tema da relativização dos valores, especificamente da verdade, “aparecendo muitas vezes negligente, senão mesmo refratário à mesma”. “Cada um encontra o bem próprio, aderindo ao projeto que Deus tem para ele, a fim de o realizar plenamente: com efeito, é em tal projeto que encontra a verdade sobre si mesmo e, aderindo a ela, torna-se livre (Jo 8, 22). Por isso, defender a verdade, propô-la com humildade e convicção e testemunhá-la na vida são formas exigentes e imprescindíveis de caridade”, adverte o Beatíssimo Padre.
A voz do Vigário de Cristo se levanta diante de um mundo ora confuso ante a deturpação dos valores, ora perplexo em meio à violação dos conceitos. É provável que, em nenhum momento da história, a humanidade esteve tão absorta na tentativa de uma auto-afirmação, à custa dos retos direcionamentos e, para os crédulos, de sua própria salvação. Senhor de seu livre-arbítrio, o homem quer justificar seus pusilânimes atos, a fim de repousar neles sua consciência. Julgando-se livre, sem as amarras dos princípios, busca interpretar a verdade ao seu bel prazer.
Ora, se a verdade está corrompida, impossível será a vivência da caridade, pois, como alerta o Sumo Pontífice, “só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida (...) Sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra abusada e adulterada, chegando a significar o oposto do que é realmente”, explica.
Como antídoto para o mal de nosso tempo, o Papa apresenta a prática da caridade na verdade, para que se assimilem os valores do cristianismo, como “elemento útil e mesmo indispensável para a construção duma boa sociedade e dum verdadeiro desenvolvimento humano integral”. Este é, pois, o primeiro conselho que Bento XVI nos dá desde as suas letras em “Caritas in veritate”, “princípio à volta do qual gira a doutrina social da Igreja, princípio que ganha forma operativa em critérios orientadores da ação moral”.

terça-feira, julho 21, 2009

Tributo a Dom Oscar de Oliveira


Há 50 anos, retornava à sua diocese natal Dom Oscar de Oliveira, para assumir como bispo coadjutor do arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, com direito a sucessão. O momento delicado, principalmente pelo receio de magoar a quem deu tanto de si por esta Igreja Particular, promovendo uma grande obra de evangelização, como o fez Dom Helvécio, aquele momento delicado mereceu de Dom Oscar uma cautela especial, sem descuidar das transformações que previam-nas inevitáveis doravante, fossem pelas alterações culturais e sociais que o mundo atravessava, fossem pelo prenúncio de um novo tempo, com a convocação do Concílio Ecumênico, que fizera o Beato João XXIII na solenidade da Conversão de São Paulo naquele ano.
À sua diocese natal retornava Dom Oscar de Oliveira cheio de planos, com o ardor missionário acendrado, disposto a continuar a obra daquele a quem acompanharia até os seus derradeiros dias, findo o seu combate. De volta à sua casa, o prelado entrerriense conhecia bem a seara que o aguardava e, sem nenhum temor, confiante na graça de Deus e na intercessão de Maria - como, aliás, já trazia em seu brasão expressa a máxima do Abade de Claraval, “Ipsa Duce” – imediatamente colocou-se a peregrinar pela vasta arquidiocese primaz de Minas, reencontrando-se com seus colegas, conhecendo de perto a realidade de cada paróquia e as necessidades de cada comunidade. No ano seguinte, após o falecimento de seu predecessor, a 25 de abril de 1960, Dom Oscar assume a cátedra marianense.
As instabilidades que assombravam aquele momento, não apenas no meio eclesiástico, mas em todos os setores, contudo não prejudicaram o ministério do novo arcebispo de Mariana. E quando tentaram impor-lhe alguma pecha que não condizia com sua conduta, logo se via nele o lídimo sucessor dos Apóstolos, primando pela missão de conduzir sua Igreja Particular à unidade com a Igreja Católica, constituindo um só rebanho e um só pastor a caminho da Jerusalém Celeste.
Exerceu especial zelo na reorganização dos seminários e fomentou a Obra das Vocações Sacerdotais. Preparou a criação de duas dioceses sufragâneas e erigiu novas paróquias. Construiu um novo prédio para o Seminário Menor, escolas, faculdades e hospitais. Na Sé, reuniu os restos mortais dos bispos de Mariana na cripta que fez construir no subsolo do templo e conseguiu a restauração do bicentenário órgão de tubos. Não se descurou da formação do clero. Nas visitas pastorais, nos retiros anuais, reuniões das foranias, bem como pelos temas abordados semanalmente em seus artigos em “O Arquidiocesano”, traçava sempre as linhas-mestras para o constante aperfeiçoamento de seu presbitério, atentando-o da missão do sacerdote no mundo hodierno e das atualizações necessárias, consonantes com as orientações pós-conciliares.
Dom Oscar destacou-se, também, no cuidado para com o acervo histórico da arquidiocese, alertando sobre sua importância e orientando sobre a sua preservação. Abriu museus, organizou o arquivo eclesiástico, reunindo na Cúria os livros de registros paroquiais, evitando que desaparecessem. Teve atenção para com os veículos de comunicação, reconhecendo-os como valiosos auxiliares no processo de evangelização, através da Rádio Difusora de Congonhas e do jornal “O Arquidiocesano”, fundando a Gráfica Dom Viçoso, que também comemora seus 50 anos em 2009.
Escritor apreciado e sensível poeta, publicou diversos livros, além de artigos em jornais e revistas. Foi recebido pela Academia Mineira de Letras e pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Instituto Histórico de Minas Gerais e de São Paulo, além de outras instituições congêneres.
Cumprindo a uma disposição canônica, Dom Oscar renunciou ao governo da arquidiocese, ao completar 75 anos de idade, sendo substituído por Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, que tomou posse a 28 de maio de 1988. Dom Oscar retirou-se para sua terra natal, Entre Rios de Minas, onde faleceu a 24 de fevereiro de 1997.
Et erit in pace memória ejus”. Na cripta da Sé Catedral de Mariana descansam os restos mortais de Dom Oscar de Oliveira, à espera da feliz ressurreição no Senhor. Seu nome, no entanto, pompeia rutilante na lembrança de tantos que o evocam como lídimo pastor, dedicado cura das almas, cultor do belo, mecenas das artes, glória fúlgida do episcopado brasileiro “cuja memória permanecerá em paz” pelos séculos futuros, pelo bem que fez neste mundo.

sexta-feira, julho 17, 2009

Lafayette e Queluz

Tornou-se voz corrente desde os tempos de Queluz: “Lafayette não gosta [gostava] daqui”. E, sobre essa afirmação, criaram-se mitos diversos, alguns chegando a ferir a moral do Conselheiro. Essa aversão que se formou à figura do ilustre queluzense, creio, é responsável pelo quase completo desconhecimento sobre sua vida pelos seus conterrâneos.
É provável que esse boato tenha sido fomentado ainda em vida de Lafayette, quando era figura de projeção no país. Queluz, embora considerada “reduto de civilistas”, especialmente pela sua disposição na sublevação de 1833 e na Revolução de 1842, local sagrado pelos luzias, regado com o seu sangue, onde vicejaram seus ideais, continuou a ser na política um campo de lutas entre liberais e conservadores. Os liberais tendo à frente o coronel Antônio Rodrigues Pereira, pai de Lafayette; os conservadores sob a liderança de José Ignácio Gomes Barbosa, depois Barão de Suassuhy.
Lafayette deixou Queluz ainda menino, para ir estudar em Congonhas, depois Prados e, finalmente, São Paulo. Desde então ficou ausente de sua terra natal, exceto nas férias de verão, passadas na Fazenda dos Macacos, até a morte de sua mãe. Depois disso, não há registros de seu retorno à sua terra natal. Mesmo com a distância geográfica que se lhe impunha, pelas dificuldades de transporte, tendo apenas os correios como meio de comunicação, ainda assim o Conselheiro sempre esteve a par de tudo o que se passava em casa e na política local.
Pelas cartas ao seu irmão Washington, Lafayette mostra-se atento ao que se passava em Minas, especificamente em Queluz, e orienta a seu pai e ao irmão sobre como agirem, adianta-lhes as notícias da Corte e do cenário político no país, além de questões domésticas. Sua sagacidade política controlava, muitas vezes, os ânimos dos liberais queluzenses. Do Rio de Janeiro, avistava, por entre as alterosas, o desenrolar dos interesses das facções mineiras e já se adiantava com sua influência e capacidade de uma análise antecipada, sem sentir o calor das emoções.
Se ainda persistem comentários malévolos sobre seu relacionamento com sua terra natal, outros os sobrepõem. São reminiscências de famílias tradicionais, legadas pelas gerações passadas, da simplicidade do Conselheiro e de sua atenção para com os conterrâneos, fosse em recebê-los em Macacos, ou em visitá-los, especificamente nas propriedades vizinhas à de seu pai. E se não fez mais por sua terra, se não bastassem os entraves legais, é porque a hegemonia dos conservadores em Queluz certamente o impedia. Também, a forma abrupta como foi trocado o nome da cidade talvez seja responsável por essa aversão a Lafayette, aliás, mais ao nome do que à pessoa, por não a conhecerem.

quinta-feira, julho 02, 2009

Apanágio dos conquistadores

Insigne filho do fundador da dinastia de Avis, em Portugal, o Infante Dom Henrique (1394-1460) é considerado um dos heróis das terras lusitanas. O Navegador, como ficou cognominado na história, parece ter nascido com essa missão, de expandir os domínios daquele Reino por “mares nunca dantes navegados”, como cantou Camões, projetando sua sombra pelas centúrias que se seguiriam à que viveu. Desde jovem, impelindo seu pai, Dom João I, a atitudes ousadas, como a conquista de Ceuta e o combate aos mouros, o fundador da escola de Sagres já se mostrava um empreendedor de feitos que engrandeceriam sua pátria.
Esse ilustre ornamento das nobres casas portugueses é o tema de mais uma exposição que o comerciante Fernando Emílio Pereira, seu patrício, faz na vitrina de sua loja “Lusitana”, em Conselheiro Lafaiete. Há mais de cinquenta anos no Brasil, onde se estabeleceu, casou-se e constituiu família, além de contribuir enormemente para o desenvolvimento comercial da cidade, senhor Fernando está cá, provavelmente com o coração dividido entre a terra que o viu nascer e esta que o acolheu como seu também. E vai amenizando sua saudade, enquanto nos proporciona um espetáculo de cultura, na vitrina de seu estabelecimento, onde já expôs a Família Real, Juscelino Kubitscheck, Santos Dumont, e outros fatos, vultos e lugares que se enlaçam numa só manifestação de um povo cujas origens são as mesmas, assim como o idioma com que cantam a vida e seus feitos.
Ousaria comparar, com as devidas proporções, a coragem do Infante Navegador com a do senhor Fernando Emílio. Ambos não se contentaram com os limites que sua naturalidade lhes impusera, entre o mar e La Raya. Quiseram conquistar o mundo, acreditavam na potência do Portugal altivo de sua história, de suas tradições, de sua cultura: haveria de expandir pelo mundo a nacionalidade daquele povo predestinado a altear o símbolo da cristandade, não sob seu domínio apenas, mas sob o signo da fé. Dom Henrique conquistou o mar com sua fé e determinação; senhor Fernando conquistou o mundo, além mar, com sua fé e carisma peculiar; fé num Brasil pujante e carisma com o qual conquistou não apenas sua senhora, dona Wanda, mas todos os lafaietenses que o têm como caro conterrâneo. Na meditação dos versos de Fernando Pessoa, talvez compreendamos melhor essa missão deles.
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.