sexta-feira, outubro 26, 2007

O irmão do outro

Nao dia 19 de setembro, o professor Cândido Mendes, uma das mais respeitáveis inteligências do país, esteve em Lafaiete, para apresentar o livro "Dom Luciano, o irmão do outro", uma observação minuciosa sobre a vida de seu irmão, dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana, falecido há pouco mais de um ano. O trabalho do notável membro da Academia Brasileira de Letras, no entanto, não é uma biografia comum; é um relato sob o prisma da espiritualidade forte, convicta, na qual se delineavam os atos do ilustre prelado.
E no currente calano de Cândido Mendes vamos sentindo as vibrações causadas pela humildade de dom Luciano, virtude indispensável a quem serve. E convencemo-nos de que a humildade é a verdade que deve ressoar num tempo em que muito se vai construindo sobre a areia e a lama da meia verdade, quando não mesmo sobre a mentira e o mundo dos interesses pessoais ou de determinado grupo; a verdade é a parceria indestrutível da humildade.
Todos, especialmente aqueles cuja vida, de modo permanente ou por um tempo, se traduz em serviço aos outros, a cada um e a todos, têm por dever cultivar a humildade, essa atitude rica que acolhe sem preconceitos, escuta com respeito, responde com serenidade, orienta com paciência, agradece com delicadeza, sorri sem fingimento e deixa, por fim, o sabor delicioso e reconfortante do dever bem cumprido. Tudo isso é servir e servir é considerar o outro como razão de ser do nosso agir. Tudo isto é viver com horizontes abertos e largos, capazes de ajudar a vencer a tentação de confinar a sua ação à satisfação própria ou aos interesses dos amigos e conhecidos. E nas páginas de "Dom Luciano, o irmão do outro" encontraremos o carismático príncipe da Igreja, de origens nobres, que despojou-se de tudo, fazendo-se um permanente aprendiz, aperfeiçoando-se na prática da caridade, sempre preocupado "em que posso servir?".
E aí vemos o quanto, em nossos dias, as relações pessoais não são mutuamente enriquecedoras, multiplicando-se as atitudes de sobranceria, despeito, juízo fácil, marginalização. E as pessoas, quase todas elas, ficam a valer cada vez menos aos olhos dos outros. Ora, a comunicação humilde, própria das pessoas grandes, acolhe e aproxima, enquanto a soberba, própria dos pequenos, não ouve nem atende, é orgulhosa e levanta muros intransponíveis.
Num clima onde escasseia a verdade, não tem lugar a humildade. Verdade e humildade são inseparáveis. Por isso, o modo de ser do último arcebispo de Mariana há de ser um exemplo para todos os que conviveram com ele. Quem serve não é pessoa para complicar, mas para a facilitar. E mais valor ainda terá se servir aqueles desprovidos de nome, nem rosto, mas com dignidade a respeitar e direitos a reconhecer. Assim, então, o serviço se tornará honra e a humildade grandeza.

Aos jovens

Pelas praças centrais da cidade, na noite de sábado, observa-se a juventude. Ruas movimentadas, bares cheios, faróis e buzinas delineiam um cenário de "cidade de grande". Adolescentes e jovens dividem espaço nas calçadas. Risos, gritos, copo de bebida na mão, alguns pendem da boca um cigarro, olhares que correm de um lado ao outro em observação, à procura de alguém... E nessa perspectiva vêm-nos à mente dias, anos, passados e o porvir de nossa existência, esperando o dia em que teremos de dar contas a Deus, o "dia de ira, aquele dia de calamidade, no qual os séculos se desfarão em cinzas".
Há uma diferença muito grande entre os jovens de ontem e os de hoje. Enquanto muitos insistem em viver num constante descompromisso com a responsabilidade que a vivência nos impõe, os mais novos adiantam-se no seu tempo e buscam viver intensamente os dias. Não há comprometimento com as pessoas, com o mundo, querem somente aproveitar à exaustão todos os momentos, sem limites, muitas vezes sem bom senso. Deixam passar o mais belo instante da vida, que é aquele em que viceja a utopia da juventude, quando se olha o mundo com uns óculos de esperança e em que tudo é alcançável.
Ora, a juventude é para ser vivida, é o tempo de desbravar caminhos, de se lançar as bases da vida adulta e mais responsável. Ser jovem é acreditar que tudo pode ser feito, tudo pode acontecer e tudo pode ser superado. Como diz o Eclesiastes, o jovem tem de lançar fora a tristeza, ainda mais nos dias que correm, nesta era que faz crer aos jovens que o futuro é negro, sem realização profissional e com as dificuldades à vista. E é quando vemos a falta que a juventude sente de uma referência, não um manipulador do pensamento, mas um líder natural cujos atos e palavras atraem e naturalmente se torna um exemplo, talvez até um modelo a ser seguido.
Há muitos jovens para salvar. Por isso, é importante que todos aqueles que se adiantam na convivência com eles ajude-os a definir o mundo, despertando-os para os valores que norteiam a convivência humana e os princípios em que devem basear seus atos. Assim, poderão seguramente seguir os impulsos do coração e ao que lhes agradar os olhos, atentos que de tudo Deus Nosso Senhor lhes pedirá contas. "Regozija-te na tua mocidade e alegra o teu coração na flor dos teus anos. (...) Lança fora do teu coração a tristeza, poupa o sofrimento ao teu corpo: também a meninice e a juventude são ilusão" (Ec11,9;11).

Desespero político

Nos últimos meses, Conselheiro Lafaiete tem sofrido por causa de uma certa indisposição política, mal estar este causado pelo inquérito aberto pela Câmara de Vereadores para analisar os processos de licitações realizados pela Prefeitura, nos dois últimos anos. A CPI tornou no Brasil, nos últimos anos, um instrumento não apenas de investigação, mas, muito mais, de um sensacionalismo partidário incapaz de ser superado por um outro. A impressão causada pelas CPIs no Congresso Nacional, com uma mega estrutura midiática, para que não se perca nada, pensando no "furo" de reportagem, além de se tornar um palco onde melhor podem se desempenhar alguns protagonistas da política nacional, talvez isso tudo tenha iludido os lafaietenses, senão alguns mais interessados por essa situação, pensando numa oportunidade de maior e melhor visibilidade.
Mas nada disso aconteceu. O processo correu sigiloso e parecia não resultar em muito estardalhaço. No entanto, os acusados se adiantaram nas últimas semanas. Primeiro, uma entrevista disparou a primeira saraivada de ataques pouco fundamentados - para não dizer sem nenhum fundamento -, mesquinhos e, pior ainda, baixos. Existe um princípio de que não se ataca uma autoridade constituída, uma simples questão de boas-maneiras; isso tanto é comum que a Câmara, ao se preocupar com os comentários de possíveis irregularidades, não passou a agressões ao executivo; buscou um meio legal – que é a CPI – para averiguá-los. Depois da entrevista houve uma tentativa de mobilização da população. Organizou-se uma manifestação. Um carro de som, na véspera, circulava pela cidade conclamando os lafaietenses para participar daquele ato de solidariedade ao chefe do executivo. Foi um fiasco. Provavelmente, o alvo daquele tributo pensou como o salmista: "Rodeia-me uma malta de cães, cerca-me um bando de malfeitores" (Ps21,17).
Daí, sugere-nos uma reflexão: o que é moral política? Se olharmos a origem da palavra moral (do latim mores, relativo aos costumes), entenderíamos que a moral política no Brasil é o que ocorre em nossos dias, como sempre ocorreu. É um costume, na Terra de Santa Cruz, o oportunismo, a conveniência pessoal, a exploração, o mau-caratismo, a esperteza e tudo o que encontraria apoio no perspectivismo de Nietzsche. Não quero dizer que sua doutrina apoie essa delinqüência política, mas esta encontra, comodamente, nos argumentos nietzschianos um salvo-conduto para suas arbitrariedades, para suas imoralidades.
Mas a moral não pode se relativizar, como tudo se relativiza em nosso tempo. O princípio moral deve ser cristão e, a partir dele, será possível constatar que a moral política, ilesa dos desvios decorrentes das fragilidades humanas, ao contrário, capaz de ao menos tentar ordenar esses desvios, não existe no Brasil. E pela sua falta, vemos o que vimos na última semana em Lafaiete: um desesperado clamor para que acreditem na lisura da atual administração municipal. Ora, é dito popular que "quem não deve, não teme". Logo.

A Ordem dos Templários

Foi anunciada a publicação de um documento da Santa Sé que inocenta a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, conhecidos como Templários, das acusações que lhe foram feitas a partir de Felipe IV da França, cognominado O Belo, no século 14. Mas o documento que será divulgado não será nenhuma manifestação de Bento XVI, mas uma carta do Santo Padre Clemente V, encontrada em pesquisas dos Arquivos Secretos do Vaticano e da fundação italiana Scrinium. Nas letras do Papa Bertrand de Gouth, que reinou entre 1305 e 1314, a Ordem dos Templários é exonerada de toda culpa que a condenara, de satanismo, homossexualismo, blasfêmia e heresia. O aparecimento desse documento surge num momento assaz oportuno, quando as especulações da história medieval se intensificam, dando largos espaços às fábulas baseadas nos episódios reais. E a Ordem dos Templários, quiçá por sua grandiosidade e benemerência, tem sido um dos temas mais apreciados, desde há muito tempo.
A Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão foi uma Ordem Militar fundada em Jerusalém em 1118. Era o período das Cruzadas, em que os católicos se levantavam para libertar a Terra Santa do jugo herético dos mouros. Hugo de Payens, Geoffroy de Saint-Omer e companheiros reuniram-se, naquele instante de inflamado devotamento para resguardar os monumentos/relíquias da cristandade, formando essa ordem que protegia os peregrinos que iam ao Oriente. Para isso, criaram hospitais que se tornaram famosos pelo seu esplendor e pela caridade com que atendiam a romeiros e pobres. Para isso, contribuíram os cristãos a mancheias e a Igreja reconheceu os Templários pela aureola de prestígio e de coragem que revestia essa grandiosa obra, cuja Regra teria sido ditada pelo célebre Abade de Claraval e sua divisa traduzia todo o desapego do mundo para maior glória de Deus: "Non nobis, Domine, non nobis, sed nomini Tuo da gloriam" (Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao Vosso nome daí a glória).
O crescimento e o poderio inevitável da Ordem suscitou a invidia regum. O cenário político do Velho Mundo naquele instante era propício para a França, com o ousado Felipe o Belo no trono da Filha Dileta da Igreja e, no Trono de Pedro, o francês Bertrand de Gouth, que dois anos após o início da perseguição aos Templários transferiria a sede da Igreja, de Roma para Avinhão. Naquele momento histórico suscitava uma espécie de revolução contra a Igreja e a Civilização Cristã, no próprio seio da Esposa Imaculada de Cristo. O poderio da Ordem ameaçava política e economicamente, dada sua influência, a Felipe IV. Há exatos 700 anos, a 13 de outubro de 1307, O Belo fecha todas as sedes da Ordem, expropria seus bens e promove processos contra ela. A seu exemplo seguiram-se outros reis, exceto o de Portugal, onde o patrimônio dos Templários foi entregue à Ordem de Cristo, criada por Dom Dinis, a cujo Senhorio pertenciam as terras lusitanas, aquém e além mar.
O estudioso da Idade Média, Franco Cardini, que trabalhou na edição da obra que apresenta a carta de Clemente V ressalta que "a prerrogativa do Papa era a de dissolver a ordem, mas ele nunca a condenou". Cardini acrescenta que o documento achado "testemunha que o Pontífice não a considerava herege". A extinção dos Templários foi essencial para que o caos do gnosticismo se espalhasse. Era o prenúncio da renascença da Antigüidade Clássica.