quinta-feira, abril 23, 2009

No natalício do Professor Alberto Libânio

Neste dia, 23 de abril, comemora-se o natalício do Professor Alberto Libânio Rodrigues (1953-2000). Passados nove anos desde o seu falecimento prematuro, no dia 13 de outubro, seu nome ainda permanece vivo no meio cultural de Conselheiro Lafaiete, sua terra natal que tanto amou, cultuou e a divulgou.
Por isso, neste dia, reverenciamos sua memória, em reconhecimento ao seu trabalho como jornalista e agente cultural, além de escritor, historiador e poeta, dotado de uma verve como poucos a possuíram. Ao mesmo tempo em que se mostrava condoreiro, seus textos eram claros e diretos, granjeando admiradores sinceros e desafetos incontidos. Mas com o bom humor e a sinceridade que lhe eram peculiares, Alberto Libânio vivia destemidamente com todos, fosse falando, fosse empunhando sua pena, aliás, temida por muitos.
Sua estréia na imprensa foi num momento em que ela ainda era manipulada, servil aos interesses do partidarismo político interiorano, como vinha acontecendo desde o limiar da República, nos últimos anos do século XIX. Este era o perfil do jornalismo em Conselheiro Lafaiete até a década de 70. Por cerca de 80 anos, a imprensa esteve quase sempre nas mãos dos líderes políticos, sob o comando de partidos distintos que lançavam mão dela para “doutrinar” seus eleitores.
No momento em que a cidade inicia uma nova fase, em todos os aspectos, tanto questões sociais e culturais, influenciada, talvez, ainda pelos influxos de revolução de conceitos em todos o mundo desde o pós-guerra, como questões sócio-econômicas, principalmente com o advento da siderurgia, a partir da implantação da Aços Minas Gerais, em Ouro Branco, nos anos 70, nesse momento a imprensa passa por uma reformulação. Os primeiros sinais desse revigoramento jornalístico – para não dizer implantação de um novo jornalismo na cidade – puderam ser sentidos em “O Processo” (1972-1978), mas a efetivação desse alvorecer de uma nova e importante fase da história da comunicação em Conselheiro Lafaiete deu-se com a criação do jornal “Panorama” (1978-1984).
A cidade teve o seu primeiro jornal em 1894. No entanto, desde essa época, as publicações sempre estiveram nas mãos de um determinado grupo político ou de alguém que se deixasse influenciar – de certa forma até ser manipulado –, fosse pela situação governista, fosse pela oposição. Dezenas de títulos já haviam encabeçado os semanários, quinzenários, até mensários, destinados a informar a população de Queluz e, posteriormente, de Conselheiro Lafaiete. Nenhum deles, entretanto, encorajara-se a enfrentar a política local, exercendo um jornalismo imparcial, ou menos tendencioso. E isso se deveu, e muito, a Alberto Libânio, com destaque para sua atuação no jornalismo.
O futuro de um filho de um alfaiate e de uma costureira, que teve uma infância difícil, principalmente após o pai ter sido acometido por um derrame; aluno relapso na escola, reprovado em algumas séries do antigo curso ginasial e concluindo os estudos secundários em exames supletivos talvez não fosse promissor, se se tentar traçar seu perfil intelectual a partir daí.
Alberto Libânio Rodrigues foi esse menino que nunca conquistou boa condição financeira. Mas se projetou de maneira significativa quando, após alguns fracassos, definiu “o que queria fazer da sua vida” e pôs-se a lutar pelos seus objetivos. O que fora uma iniciação profissional - mais uma forma de ajudar à mãe, então viúva, no sustento da casa, com parcos cruzeiros -, despertou o interesse do menino de apenas 12 anos de idade, quando entrou pela primeira vez numa gráfica de jornal, tendo seu primeiro contato com os tipos de chumbo, a tinta e o papel, até tomar gosto pela leitura das notícias. A partir desse contato despretensioso com a imprensa, despertou-lhe o interesse pelas artes gráficas, passando à redação, excursionando pela publicidade e marketing, até se firmar como jornalista destemido e atuante, considerado, hoje, um marco na história da imprensa em Conselheiro Lafaiete.
Aliás, essa atuação verificou-se não apenas em sua cidade natal, mas também em outros municípios por onde passou, custando-lhe a tranqüilidade, uma melhor condição econômica e até amizades. Empedernido em suas concepções, não cedia às influências, menos ainda às pressões, e seguia determinado com seu propósito, sem se permitir o esmorecimento. “O grau de obsolescência da cabeça de muitas pessoas é, às vezes, maior que o Monte Sinai”, dizia Alberto Libânio.
Ele superou suas limitações, trabalhou incansável, reagiu contra sistemas políticos adotados em detrimento da liberdade de expressão e acabou se tornando uma referência para o jornalismo do interior. Aliás, foi nessa faina que participou da fundação da Associação dos Jornais do Interior de Minas Gerais (ADJORI-MG), em 1982, sob a orientação da Associação Brasileira de Jornais do Interior (ABRAJORI), exercendo o cargo de primeiro secretário em sua primeira diretoria.
O novo estilo que Alberto Libânio lançou na imprensa lafaietense, entre os anos de 1978 a 1984, tornou-se, pois, uma referência para os veículos de comunicação impressos que o sucederam na cidade, tanto a linha editorial, quanto os conceitos de empreendedorismo e de administração.
Mas seu talento não se conteve dentro de uma redação de jornal, apenas. Ele foi além, promoveu sua terra natal, idolatrada em seu célebre “Queluzíadas”, legado de patriotismo aos seus conterrâneos, profissão de fé numa terra que nasceu do idealismo, na abertura de novos caminhos que indicam o progresso. Como editor, promoveu o soerguimento e/ou aparecimento de muitas instituições e pessoas, entre literatos e pesquisadores. Seus estudos históricos e genealógicos o conduziram ao vetusto Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, onde ocupou a cadeira cujo patrono era o Cônego José Antônio Marinho. Na Academia Mineira de Trovas encontrou assento entre os magníficos trovadores do Estado e, em seu torrão natal, fundou a Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette, que o teve como presidente até o seu passamento. Era a realização de um antigo sonho, vislumbrado nos primórdios dos anos 80, de reunir os intelectuais lafaietenses num sodalício onde as aspirações comuns dos acadêmicos impulsionassem a cultura local.
E eis que seu sonho se realizou e perdura ainda hoje, pujante, empunhando o guião erguido por Alberto Libânio, cuja divisa bem define os nossos ideais: “Labore scriptisque ad immortalitatem”.
Homenagem da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette ao seu fundador.

quinta-feira, abril 16, 2009

Ad multos annos!


Corações em prece se voltam à Cidade Eterna para saudar o Beatíssimo Padre Bento XVI. No dia 16 de abril, Sua Santidade completou 82 anos de vida, com muita disposição e aparente vitalidade, não obstante o jugo da idade e o fardo de seu ministério. No dia 19, comemora-se o quarto ano de seu pontificado. E é com veneração que o reverenciamos pela sua magnânima existência, dedicada a Nosso Senhor e à Sua Igreja. Ah! Quantas não terão sido as propostas que as circunstâncias em determinados momentos não ousaram tentar seduzi-lo? Quantos atrativos talvez, debalde, procuraram demovê-lo? Quantas armadilhas certamente lhe prepararam os asseclas de lúcifer para arrefecê-lo ao longo de sua peregrinação por este mundo?
Em “A minha vida”, escrita no final do segundo milênio, o então Cardeal Joseph Ratzinger, testemunha essa experiência, que às vezes nos constrange - e que muito mais, no entanto, nos fortalece -, ao remeter-se à lenda de São Corbiniano. Conta-se que aquele santo bispo, indo para a Roma, teria sido surpreendido por um urso atacando o seu cavalo. O bispo teria subjugado o feroz animal, obrigando-o a levar o fardo que ia sobre o lombo do cavalo. “E também eu levei para lá tudo o que era meu, e de há vários anos a esta parte caminho com a minha missão e o seu peso pelas ruas da Cidade Eterna”, concluía o então Prefeito da Congregação Para a Doutrina da Fé. A figura do urso foi-lhe tão marcante que, ainda hoje, o Santo Padre o conserva em seu brasão pontifício.
Bento XVI, por meio de seus escritos, homilias, discursos, alocuções, desde muito antes de chegar a Roma, ainda na sua saudosa Bavária, sempre ofereceu uma interpretação sobrenatural dos fatos e dos desígnios de Deus; a figura do urso é uma. Talvez, por isso, o Papa tenha relatado esse episódio do primeiro bispo daquela que foi sua sé episcopal. Ele se coloca na figura do urso e o fardo, o múnus episcopal com o qual chegou ao Limiar dos Apóstolos. Mas penso que o urso seriam as adversidades que nos ameaçam e às vezes nos atacam, contra quem lutamos durante nossa vida. O fardo é a doutrina que nos rege, é a graça que nos conduz pela via em busca da perfeição. São lições como esta que o Vigário de Cristo sempre apresenta para nossa reflexão, cousas do cotidiano, ou de fácil compreensão, para certificarmo-nos de que a santidade é um dom acessível por todos que a desejam e se dispõem a viver plenamente em união com Cristo.
A eleição de Bento XVI há quatro anos surpreendeu a muitos, que ainda hoje têm em sua retina a imagem cativante de João Paulo II. Os epítetos de “Panzerkardinal” (Cardeal Blindado) e de “Grande Inquisidor”, que alguns injustamente lhe imputavam, devido à sua rígida ortodoxia dogmática, eram como que um entrave nos olhos daqueles que não queriam vê-lo como o vemos hoje: firme em seu Magistério, solícito em seu ministério, pai e pastor de todos aqueles que se deixam guiar pela sua cruz. Sua voz tranqüila, seu verbo preciso, sua presença austera revelam-nos a fonte onde hauri sua segurança: a oração. E na salmodia da Liturgia Diária, certamente, lhe consola o salmista: “Estarei sempre convosco, porque vós me tomastes pela mão. Vossos desígnios me conduzirão, e, por fim, na glória me acolhereis” (Sl 73, 23-24), suplicando-nos, ainda: “Rezai por mim, para que eu não fuja, por receio, diante dos lobos” (Homilia na Missa da Entronização, 24/04/2005).
Ad multos annos, beatissime Pater!

segunda-feira, abril 13, 2009

Alegria da Páscoa

Prorrompe dos cantos litúrgicos o “Aleluia”, anunciando que o Cristo ressuscitou verdadeiramente. É a explosão de uma alegria intensa diante de um acontecimento feliz, aguardado pelo povo de Israel, predito pelos profetas, sobrepondo-se a toda expectativa. “Louvai o Senhor!” é a expressão literal dessa interjeição que se seguirá a toda oração nas próximas semanas, na Igreja Católica, quando se constata efetivamente a conclusão do centurião diante da Cruz: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!” (Mt 27,54). É o legado daqueles que primeiro acreditaram em Deus, dirigindo-se a Ele dessa forma, agradecendo a providência especial que o protegeu nos momentos difíceis de sua existência.
O “Aleluia” remete-nos à libertação dos israelitas, agrilhoados no Egito, sem Pátria e sem altar, vítimas da tirania dos faraós, quando Deus ouviu o clamor desse povo e lembrou-se de Sua aliança (Ex 6,5). A celebração daquela primeira páscoa, a passagem do exílio à libertação, prefigurava, desde então, a passagem da morte para a vida. O sangue do cordeiro imolado assegurou a vida àquele povo sofredor. O sangue do verdadeiro Cordeiro, imolado na cruz, resgatou a humanidade cativa pelo pecado, restituindo-lhes a graça da vida eterna. “O Senhor é o herói dos combates (...), lançou no mar os carros do faraó e o seu exército” (Ex 15,3-4). O canto de Moisés era a expressão da alegria de toda aquela gente.
O “Aleluia” que se anuncia pelos cânticos alegres, pelo repicar dos sinos, é a manifestação da humanidade que vive na liberdade da graça de Deus, livre dos grilhões do pecado. É uma parcela do sentimento que São João anteviu desde Patmos, ao contemplar a Jerusalém celeste, ao ouvir os eleitos num só coro: “Aleluia! A nosso Deus, a salvação, a glória, e o poder, porque os seus juízos são verdadeiros e justos” (Apoc 19,1-2).
Cristo venceu a morte e os tormentos da Cruz. Ele vive, verdadeiramente. “Em virtude da Cruz, difundiu-se a alegria no mundo todo”, reza a Igreja na liturgia da Sexta-feira Santa. Essa alegria se renova todos os dias, a cada vez que o sacrifício incruento da Cruz se repete, anunciando o triunfo de Nosso Senhor Jesus Cristo, reunindo toda a grei num só canto de ação de graças: “Aleluia! Aleluia! Aleluia!”. Alegria que deve ser haurida em toda a sua plenitude, pois esse sentimento brota do mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Que benefício maior o homem poderia obter de Deus, senão a sua redenção?
“Aleluia!” é a expressão que se prorrompe dos corações fiéis, que louvam a Deus pela Sua misericórdia. “Aleluia!” é o sentimento que se esvai dos corações generosos, que buscam, por meio da caridade, da fraternidade, da entrega irrestrita a Deus, partilhar esse gáudio que nos toma pela graça de que um dia poderemos contemplar o Senhor face a face (Sl 41,3). “Aleluia! O Senhor ressuscitou verdadeiramente!"

sexta-feira, abril 03, 2009

Dissenção religiosa

Desde que iniciou o seu pontificado, há quase quatro anos, o Papa Bento XVI tem sido alvo de críticas decorrentes de uma aparente proposital má interpretação de suas palavras. Alguns vaticanistas atribuem esses equívocos a uma inoperância da assessoria de imprensa da Santa Sé; outros, a mais uma investida de anticlericais endemoninhados, o que em determinadas épocas acontece desde os tempos apostólicos. As palavras de Bento XVI, no entanto, não revelam nenhuma novidade. O que ele diz é o que a Igreja sempre ensinou; ele reafirma apenas o que vinha sendo esquecido em meio à confusão de um mundo conturbado por um progresso desordenado em todos os sentidos, que vai se paganizando, a ponto de influenciar uma secularização dos meios religiosos.
A voz que se ecoa desde a colina vaticana é o Magistério Petrino apontando para todo o orbe as sendas da salvação. Impossível buscar atribuir a essa firmeza do ensinamento dogmático uma outra finalidade, senão a de nos resguardar da perdição do mundo, da carne e do demônio. Que outro interesse teria o Santo Padre em incitar todo o mundo a uma elevação espiritual, aspirando as cousas do alto, como nos exorta São Paulo: “Afeiçoai-vos às coisas lá de cima, e não às da terra” (Col 3,2)? E é no versículo seguinte dessa epístola que o Apóstolo nos lembra que estamos mortos, “e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus”; mortos para este mundo, livres em Deus – “inter mortuos liber”. O mundo, porém, não mais consegue ouvir o ensinamento da Igreja, ou melhor, não mais o quer ouvir. O comodismo, os atrativos, a irresponsabilidade são mais condizentes com o hedonismo, professado por todos aqueles que, pela sua ideologia, pelo seu posicionamento político, pela imoralidade, pela falta de caridade, por mera desfaçatez, intentam contra o Corpo Místico de Cristo.
Causa-me estranheza quando se levantam contra a Igreja, mais especificamente contra o Santo Padre, como que lhe cobrando uma retratação. Ora, não se cobram explicações, senão quando se deseja uma compreensão clara, movida pelo anseio de aprender, de assimilar, de professar. Como podem os muçulmanos ouvirem o Papa, se não o reconhecem como Vigário de Cristo? Com que direito os judeus cobram explicações da Igreja, se “a Luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a Luz, pois as suas obras eram más” (Jo 3,19)? Como se levantarão os ociosos morais e buscarão a emenda, se preferem a satisfação que o mundo lhes oferece? Jesus diz a Nicodemos que “quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado” (Jo 3,18).
A voz do Papa é tão simplesmente a reafirmação da doutrina cristã. “Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3,17). Sim! Seja salvo por Ele, pelo seu ensinamento, pelo seu sacrifício, “para dar testemunho da verdade”. Esse mundo que hostiliza o Cristo é o mesmo que, desde a Criação, intenta contra o homem, flagela a humanidade contra a sua dignidade, atraindo sempre mais asseclas, reunidos hoje em movimentos, instituições, ongs, seitas religiosas, grupos ideológicos, enfim todos aqueles que, surdos diante do Magistério da Igreja, cegos diante da Cruz, preferem, talvez, ser contados entre aqueles que já foram condenados: “Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos” (Mt 25,41).